Gramsci é famoso principalmente pela elaboração do conceito de hegemonia e bloco hegemônico.
Alcunhado em alguns meios como “o marxista das superestruturas”,
Gramsci atribuiu um papel central à separação entre infraestrutura (base
real da sociedade, que inclui forças produtivas e relações sociais de
produção) e superestrutura (a ideologia, constituída pelas instituições,
sistemas de ideias, doutrinas e crenças de uma sociedade), a partir do
conceito de “bloco hegemónico”.
Segundo esse conceito, o poder das
classes dominantes sobre o proletariado e todas as classes dominadas
dentro do modo de produção capitalista, não reside simplesmente no
controlo dos aparelhos repressivos do Estado.
Se assim fosse, tal poder
seria relativamente fácil de derrocar (bastaria que fosse atacado por
uma força armada equivalente ou superior que trabalhasse para o
proletariado).
Este poder é garantido fundamentalmente pela “hegemonia”
cultural que as classes dominantes logram exercer sobre as dominadas,
através do controle do sistema educacional, das instituições religiosas e
dos meios de comunicação.
Usando deste controle, as classes dominantes
“educam” os dominados para que estes vivam em submissão às primeiras
como algo natural e conveniente, inibindo assim sua potencialidade
revolucionária.
Assim, por exemplo, em nome da “nação” ou da “pátria”,
as classes dominantes criam no povo o sentimento de identificação com
elas, de união sagrada com os exploradores, contra um inimigo exterior e
a favor de um suposto “destino nacional” de uma sociedade concebida
como um todo orgânico desprovido de antagonismos sociais objetivos.
Assim se forma um “bloco hegemônico” que amalgama a todas as classes
sociais em torno de um projeto burguês.
O poder hegemônico combina e
articula a coerção e o consenso.
Para que um partido exista e se faça historicamente necessário, devem confluir nele três elementos fundamentais: “Um elemento difuso, de homens comuns, médios, cuja participação seja a contribuição pela disciplina e pela fidelidade, não pelo espírito criativo e altamente organizador.
Para que um partido exista e se faça historicamente necessário, devem confluir nele três elementos fundamentais: “Um elemento difuso, de homens comuns, médios, cuja participação seja a contribuição pela disciplina e pela fidelidade, não pelo espírito criativo e altamente organizador.
Eles são uma força enquanto houver
quem os centralize, organize, discipline, porém, na ausência desta força
coesiva, se dispersariam e se anulariam em uma poeira impotente.”.
“O elemento coesivo principal. Dotado de força altamente coesiva,
centralizadora e disciplinadora e também, ou por isto mesmo, inventiva.
Com apenas este elemento não se formaria um partido, mas um partido se
forma mais com ele do que com o primeiro elemento considerado. Fala-se
de capitães sem exército, mas na realidade é mais fácil formar um
exército que os capitães.
“Um elemento médio, que articule o primeiro elemento com o segundo,
que os coloque em contato, não apenas física, mas moral e
intelectualmente.”.
Gramsci examinou de perto o papel dos intelectuais na sociedade: todo homem é um intelectual, já que todos têm faculdades intelectuais e racionais, mas nem todos têm a função social de intelectuais. Ele propôs a ideia de que os intelectuais modernos não se contentariam mais de apenas produzir discursos, mas estariam engajados na organização das práticas sociais.
Segundo sua análise, “não há atividade humana da qual se possa
excluir de toda intervenção intelectual, não se pode separar o ‘homo
faber’ do ‘homo sapiens’” enquanto, independentemente de sua profissão
específica, cada um é a seu modo “um filósofo, um artista, um homem de
gosto, participa de uma concepção do mundo, tem uma consciente linha
moral”, Mas, nem todos os homens têm na sociedade a função de
intelectuais.
Historicamente se formam categorias particulares de intelectuais,
“especialmente em relação aos grupos sociais mais importantes e passam
por processos mais extensos e complexos em conexão com o grupo social
dominante”. Gramsci, então, distingue entre uma “intelectualidade
tradicional” que, sem razões, se considera uma classe distinta da
sociedade e os grupos intelectuais que cada classe gera “organicamente”.
Estes últimos não descrevem a vida social simplesmente por regras
científicas, mas de preferência exprimem as experiências e os
sentimentos que as massas por si mesmas não conseguem exprimir.
O intelectual tradicional é o literato, o filósofo, o artista e por isso, diz Gramsci, “os jornalistas, que acreditam ser literatos, filósofos e artistas, também acreditam ser os verdadeiros intelectuais”, enquanto que modernamente é a formação técnica a que serve como base do novo tipo de intelectual, um “construtor, organizador, persuasor”, que deve partir “da técnica-trabalho para a técnica-ciência e a concepção humano-histórica, sem a qual permanece especialista e não se torna dirigente”. O grupo social emergente, que labuta por conquistar a hegemonia política, almeja conquistar a própria ideologia intelectual tradicional, ao mesmo tempo que forma seus próprios intelectuais orgânicos.
A organicidade do intelectual se mede pela maior ou menor conexão que
mantém com o grupo social ao qual se relaciona: eles operam, tanto na
sociedade civil quanto na sociedade política ou estado.
A primeira
representa o conjunto dos organismos privados nos quais se debatem e se
difundem as ideologias necessárias para a aquisição do consenso que
aparentemente surge de modo espontâneo das grandes massas da população
em torno às decisões do grupo social dominante. A segunda é onde se
exerce o “domínio direto do comando que se expressa no Estado e no
regime jurídico”.
Os intelectuais são como “apostadores do grupo
dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e
do regime político”. Assim como o Estado, que na sociedade política
almeja unir os intelectuais tradicionais com os orgânicos, também, na
sociedade civil, o partido político forma “os próprios componentes,
elementos de um grupo social que nasce e se desenvolve como económico,
até convertê-los em intelectuais políticos qualificados, dirigentes,
organizadores de todas as atividades e as funções inerentes ao
desenvolvimento orgânico de uma sociedade integral, civil e política”.
A necessidade de criar uma cultura própria dos trabalhadores
relaciona-se com o apelo de Gramsci por um tipo de educação que permite o
surgimento de intelectuais que partilhem das paixões das massas de
trabalhadores. Neste aspecto, os adeptos da educação adulta popular
tomam Gramsci como uma referência. Seu sistema educacional pode ser
definido dentro do âmbito da pedagogia crítica e a educação popular
teorizadas e praticadas mais contemporaneamente pelo brasileiro Paulo
Freire.
A teoria da hegemonia de Gramsci está ligada à sua concepção do Estado capitalista, que, segundo afirma, exerce o poder tanto mediante a força quanto o consentimento. O Estado não deve ser entendido no sentido estreito de governo. Gramsci divide-o entre a sociedade política, que é a arena das instituições políticas e do controlo legal constitucional, e a sociedade civil, que se vê comumente como uma esfera ‘privada’ ou ‘não-estatal’, e que inclui a economia. A primeira é o âmbito da força e a segunda o do consentimento.
Não obstante, Gramsci esclarece que a divisão é meramente conceptual e
que as ambas podem mesclar-se na prática. Gramsci afirma que sob o
capitalismo moderno, a burguesia pode manter seu controle econômico
permitindo que a esfera política satisfaça certas demandas dos
sindicatos e dos partidos políticos de massas da sociedade civil. Assim,
a burguesia leva a cabo uma revolução passiva, ao ir muito aquém dos
seus interesses económicos e permitir que algumas formas de sua
hegemonia se vejam alteradas. Gramsci dava como exemplos disto
movimentos como o reformismo e o fascismo, e bem assim a ‘administração
científica’ e os métodos da linha de montagem de Frederick Taylor e
Henry Ford.
Seguindo Maquiavel, Gramsci argumenta que o ‘Príncipe moderno’ – o partido revolucionário – é a força que permitirá que a classe operária desenvolva intelectuais orgânicos e uma hegemonia alternativa dentro da sociedade civil. Para Gramsci, a natureza complexa da sociedade civil moderna implica que a única táctica capaz de minar a hegemonia da burguesia e chegar-se ao socialismo é uma ‘guerra de posições’ (análoga à guerra de trincheiras), A ‘guerra em movimento’ (o ataque frontal) levado a cabo pelos bolcheviques foi uma estratégia mais apropriada à sociedade civil ‘primordial’ existente na Rússia Czarista.
Apesar de sua afirmação de que a fronteira entre as duas é nebulosa,
Gramsci alerta contra a adoração ao Estado que resulta do identificar a
sociedade política com a sociedade civil, como no caso dos jacobinos e
os fascistas. Ele acredita que a tarefa histórica do proletariado é
criar uma sociedade regulada e define a ‘tendência do Estado a
desaparecer’ como o pleno desenvolvimento da capacidade da sociedade
civil para regular-se a si própria.
Das contribuições de Gramsci, a que teve maior impacto nos meios políticos diz respeito ao modo de organizar as lutas da esquerda. Gramsci opunha-se ao chamado centralismo, por razões que se explicam a seguir.
A ideia de vanguarda disciplinada e eficiente levou Lenin a formular,
nas condições históricas da Rússia revolucionária, o princípio do
centralismo democrático nos seguintes termos: quando um partido de
esquerda precisa tomar uma decisão, deve reunir os seus membros,
promover um debate livre, amplo e profundo, que permita o exame
exaustivo da questão, para, finalmente, como coroamento do processo de
discussão, colocar em votação as diversas posições em disputa. Esse é o
momento da democracia.
Uma vez consolidada uma maioria, a minoria a ela
deve subordinar-se. Esse é o momento do centralismo. Daí a fórmula
chamada centralismo democrático. Há quem diga que esta seja uma
formulação leninista e não de Marx. Mas, em todo caso, tal tornou-se uma
concepção de partido muito comum para a esquerda.
Na visão de Gramsci, este princípio serve para um contexto histórico,
social, económico e cultural que exija um tipo de atuação da esquerda,
chamado “guerra de movimento” ou “guerra manobrada”. Este tipo de
contexto é o que Gramsci chamou de “Oriente”. Deveras, Gramsci
estabelece uma distinção fundamental entre Oriente e Ocidente: “No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e
gelatinosa; no Ocidente, havia, entre o Estado e a sociedade civil, uma
relação apropriada e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente
reconhecer uma robusta estrutura da sociedade civil.
O Estado era apenas
uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia
de fortalezas e casamatas; em medida diversa de Estado para Estado, é
claro, mas exatamente isto exigia um acurado reconhecimento de carácter
nacional.”
Em contraposição, no Ocidente a atuação dos partidos de esquerda
demanda outra estratégia para ter êxito, a chamada “guerra de posições”.
Deduz-se daí a distinção entre “guerra de movimento” e “guerra de
posição”. No Ocidente, o Estado é “sociedade política + sociedade
civil”, é “coerção + consentimento”, donde a formação social é
solidamente articulada pela ideologia. Um partido de esquerda, em tais
condições, precisa disputar a hegemonia na sociedade. Deste modo, um
destacamento de vanguarda disciplinado já não teria eficácia nas
condições da democracia política.
No Brasil, um grupo que se considera seguidor das ideias de Gramsci é
a APS (Ação Popular Socialista), hoje uma corrente interna do PSOL.
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