Ao nascerem, tanto o marxismo quanto o anarquismo prometiam conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização.
A proposta de ambos era a de um melhor aproveitamento do potencial
produtivo existente, direcionando-o para a promoção da felicidade
coletiva, ao invés de desperdiçá-lo em desigualdade e parasitismo.
A hipótese anarquista nunca foi testada: não houve país em que cidadãos
livres organizassem, por tempo suficiente para extrairmos conclusões, a
economia e a sociedade sem a tutela do estado.
A hipótese marxista não foi testada da forma como seus enunciadores
previam: em países cujas forças produtivas estivessem plenamente
desenvolvidas.
Nas duas nações ditas socialistas que realmente contam, a revolução teve de cumprir uma etapa anterior,
qual seja a de acumulação primitiva do capital, já que se tratava de
países ainda desprovidos da infra-estrutura básica de uma economia
moderna.
Acabaram tendo de exigir esforços extremos dos trabalhadores; e, como
eles não se dispunham livremente a isto, a URSS e a China, cedendo ao
imperativo da sobrevivência, coagiram-nos a dar essa quota de sacrifício.
Ou seja, tornaram-se tiranias. Uma mais brutal e genocida, a stalinista. A outra mais messiânica e fanática, a maoísta.
Aos trancos e barrancos, cumpriram a função histórica de trazer países
atrasados até o século XX. A partir daí, entretanto, passaram a emperrar
as forças produtivas, ao invés de as deslanchar.
O socialismo real da União Soviética e satélites caiu de podre, com tais nações voltando ao capitalismo.
O maoísmo tentou ainda resistir aos ventos de mudança com a revolução
cultural, em vão. Depois de uma luta travada na cúpula, sobreveio o pior
dos mundos possíveis, um amálgama de capitalismo de estado na economia
com ditadura do partido único na política.
De 1989 para cá não surgiu uma proposta revolucionária alternativa capaz
de vingar nos países economicamente mais desenvolvidos -- aqueles que,
segundo Marx, desbravam os caminhos que depois são seguidos por todos os
outros.
Inexiste hoje uma estratégia que contemple a concretização simultânea
das três bandeiras principais do marxismo e do anarquismo: a promoção da
justiça social, o estabelecimento da liberdade plena e o incremento da
civilização.
Unir essas três pontas soltas, na teoria e na prática, é nossa principal tarefa no século XXI.
FLERTANDO COM O RETROCESSO
Até lá, devemos esforçar-nos para, pelo menos, não nos tornarmos agentes da tirania e da barbárie.
O capitalismo globalizado é tão decadente, putrefato e destrutivo quanto
a escravidão nos estertores do Império Romano. Já não oferece valor
positivo nenhum à sociedade, só os negativos.
É mais um motivo para não nos comportarmos como a imagem invertida de nossos inimigos.
Se a indústria cultural deles se tornou totalmente parcial e
tendenciosa, não é justificativa para substituirmos a reflexão pela
propaganda em nossos meios de comunicação, endeusando líderes,
exagerando acertos e minimizando/escondendo erros.
A imprensa burguesa se desacredita e desmoraliza a olhos vistos. Temos
de ocupar esse espaço vazio, mostrando-nos capazes de cumprir melhor as
três funções do jornalismo: informar, formar e opinar.
E não deixarmos que a função opinativa impregne tudo e determine o
conteúdo das outras duas. Se eles não dispõem mais de credibilidade, só
teremos a ganhar zelando escrupulosamente pela nossa.
E não é qualquer forma de luta que nos serve, como serve para eles.
P. ex., devemos repudiar firmemente o verdadeiro terrorismo --não
confundir com o embaralhamento manipulatório de conceitos por parte da
imprensa burguesa, que tenta desqualificar como terroristas as ações de
legítimo exercício do direito de resistência a tiranias (caso das
guerrilhas latino-americanas da segunda metade do século passado).
Existimos para despertar nos explorados a consciência de sua condição real sob o capitalismo, a fim de que eles comecem a buscar a libertação. Não para aterrorizar a classe dominante com bombas e balas que, desde os tempos do irmão do Lênin (*), jamais a impediram de continuar dominando.
Existimos para despertar nos explorados a consciência de sua condição real sob o capitalismo, a fim de que eles comecem a buscar a libertação. Não para aterrorizar a classe dominante com bombas e balas que, desde os tempos do irmão do Lênin (*), jamais a impediram de continuar dominando.
Tais demonstrações de força, quando não são promovidas durante ascensos
revolucionários (carecendo, portanto, do apoio ou simpatia da
sociedade), levam água para o moinho dos fascistas, facilitando-lhes a
disseminação do autoritarismo. Foi o que sucedeu depois do atentado ao
WTC e é o que ocorrerá a partir da matança no Charlie Hebdo.
O pior é que a recaída no terrorismo clássico, hoje descartado como
contraproducente tanto por marxistas quanto por anarquistas, provém de
agrupamentos que nada --ABSOLUTAMENTE NADA!!!-- têm a ver com o ideário e as tradições da esquerda: os fundamentalistas religiosos.
Do ponto de vista de quem quer fazer a História avançar PARA ALÉM DO CAPITALISMO,
é de uma incongruência extrema qualquer identificação ou
condescendência para com fanáticos asnáticos que lutam contra o
progresso e a modernidade, tentando fazer com que a História retroceda PARA ANTES DO CAPITALISMO.
Acumpliciarmo-nos com a pobreza espiritual, o atraso e a intolerância
medievais só nos traz descrédito, fazendo com que deixemos de ser vistos
como uma alternativa consequente à dominação burguesa.
Que cidadão bem informado e dotado de espírito crítico levará a sério os apologistas de Bin Laden, Saddam Hussein, Muammar Gaddafi, etc.? Vislumbrar insuspeitadas virtudes em tiranetes, torturadores e assassinos é a receita certa para o isolamento. E, se não conseguirmos transcender os limites de uma seita, jamais transformaremos em profundidade a sociedade brasileira. É simples assim.
Então, não podemos encarar a política com o mesmo simplismo passional das torcidas organizadas de futebol. Se continuarmos desculpando e justificando todas as vilanias cometidas por vilões que confrontem ou pareçam confrontar os EUA, Israel e que tais, acabaremos reduzidos à insignificância e à impotência, justamente nestas décadas cruciais em que se decidirá se a marcha da insensatez vai ser detida... ou não.
Que cidadão bem informado e dotado de espírito crítico levará a sério os apologistas de Bin Laden, Saddam Hussein, Muammar Gaddafi, etc.? Vislumbrar insuspeitadas virtudes em tiranetes, torturadores e assassinos é a receita certa para o isolamento. E, se não conseguirmos transcender os limites de uma seita, jamais transformaremos em profundidade a sociedade brasileira. É simples assim.
Esta é a luta na qual temos um papel a desempenhar |
Então, não podemos encarar a política com o mesmo simplismo passional das torcidas organizadas de futebol. Se continuarmos desculpando e justificando todas as vilanias cometidas por vilões que confrontem ou pareçam confrontar os EUA, Israel e que tais, acabaremos reduzidos à insignificância e à impotência, justamente nestas décadas cruciais em que se decidirá se a marcha da insensatez vai ser detida... ou não.
A opção entre civilização e barbárie hoje assume feição dramática para nós.
Pensadores como Norman O. Brown avaliam o capitalismo, em última análise, como um instrumento cego de destruição da humanidade. Isto se torna bem plausível se considerarmos, p. ex., as alterações climáticas e a dilapidação de recursos naturais essenciais à nossa sobrevivência.
Pensadores como Norman O. Brown avaliam o capitalismo, em última análise, como um instrumento cego de destruição da humanidade. Isto se torna bem plausível se considerarmos, p. ex., as alterações climáticas e a dilapidação de recursos naturais essenciais à nossa sobrevivência.
Para nós, os empenhados na construção de um mundo melhor, o grande
desafio é evitarmos que o enterro do capitalismo seja também o da
espécie humana. E só cumpriremos tal papel se tivermos plena consciência
do nosso compromisso fundamental com a civilização.
Cabe-nos não apenas preservá-la e aprimorá-la incessantemente, como colocar suas conquistas ao alcance de todos, dando-lhes condições de desenvolverem plenamente suas potencialidades humanas.
Como diria Marx, temos de dar o melhor de nossos esforços para que a humanidade saia de sua pré-história. Se depender dos fundamentalistas religiosos, isto jamais acontecerá.
Cabe-nos não apenas preservá-la e aprimorá-la incessantemente, como colocar suas conquistas ao alcance de todos, dando-lhes condições de desenvolverem plenamente suas potencialidades humanas.
Como diria Marx, temos de dar o melhor de nossos esforços para que a humanidade saia de sua pré-história. Se depender dos fundamentalistas religiosos, isto jamais acontecerá.
Jornalista e Escritor (*)
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