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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A NOBREZA DE ALI E A TORPEZA DE WEIDMAN


Por Celso Lungaretti*

Nunca esquecerei a 3ª luta entre os extraordinários Muhammad Ali e Joe Frazier.

As duas primeiras, com uma vitória de cada lado, haviam sido inconclusivas. 

Ali acumulara pontos suficientes para, pelo menos, empatar a 1ª, apesar do knock-down sofrido no último assalto. Assim não entenderam os jurados, despertando fortes suspeitas de que fatores extra-ringue pesaram na sua decisão. Ser um símbolo do repúdio à Guerra do Vietnã acarretava consequências de todo tipo, como se constata num excelente filme de Stephen Frears, A maior luta de Muhammad Ali.
Também não pareceu ter vencido a 2ª, novamente por pontos.

No tira-teima, Ali teve Frazier totalmente à sua mercê no 14º round, mas preferiu não desferir um golpe poderoso contra o adversário grogue. Pediu ao juiz que encerrasse a luta e, não sendo atendido, deixou o tempo escorrer até o soar do gongo. 

O descanso não foi suficiente para Frazier se recuperar. Abandonou. Sua cara, numa foto, parecia pôster de filme de terror...

A nobreza de Ali contrasta com a torpeza do tal Chris Weidman no UFC.

Primeiramente, por ter utilizado uma defesa que tinha enorme chance de produzir o resultado que produziu. 

Depois por, apesar das lágrimas de crocodilo que derramou sobre o pobre Anderson Silva, ter feito questão de trombetear aos quatro ventos que treinara muito tal defesa com o joelho, por ele justificada como uma maneira de intimidar os oponentes, dissuadindo-os de utilizarem chutes baixos. 

Ou seja, quis que todos soubessem que o ocorrido não fora obra do acaso. No fundo, no fundo, ele considera a fratura uma proeza; talvez emoldure uma foto do brasileiro se contorcendo em dores para colocá-la na sua estante de troféus.

Concordo com Weidman: não foi mesmo por acaso. Foi por ganância, ambição e insensibilidade. Por considerar que não há limites quando se trata de engordar sua conta bancária e alavancar sua carreira.

Há quem prefira centrar suas críticas na bestialidade das MMA e na morbidez do público que lhe garante estrondoso sucesso financeiro. Mas, o julgamento de Nuremberg consagrou o princípio de que a ninguém é dado praticar atos hediondos sob a justificativa de que cumpria ordens superiores (ou, no caso presente, de que contusões são aceitáveis nos esportes em que há contato físico).

Nada obriga o lutador a infligir no colega de profissão as dores mais terríveis, talvez danos permanentes, talvez a morte. Mesmo nessas arenas de gladiadores modernas, geralmente há como evitar o pior. Muhammad Ali o fazia. Já o repulsivo Weidman não tem a mais remota preocupação em evitar o pior (pouco importando o fato de que Anderson Silva também não seja um anjinho, apelando frequentemente para os perigosíssimos chutes na cara).
Considero-me um brasileiro cordial, quase sempre compassivo. Mas, no que tange a Weidman, seria um hipócrita se me mostrasse condescendente. Torço para que Vitor Belfort chegue às mesmas conclusões que eu::
  • quem encara o esporte como uma guerra, merece sofrer, como esportista, as consequências de uma guerra;
  • quem trata o adversário como inimigo, como inimigo deve ser tratado pelo adversário seguinte.
(*) Jornalista e escritor

domingo, 22 de dezembro de 2013

Compra dos caças Gripen: Burguesia nacional, orientada por Lula, posiciona-se estrategicamente para a “defesa” diante da ofensiva militar ianque



Nota 10 esta matéria da LBI.

Mais do que nunca o Brasil precisa reestruturar a sua capacidade de defesa e de dissuasão frente ao tabuleiro geopolítico redesenhando pela sanha fascista do governo ianque, o que não é novidade...

Pra mim que conheço com algumas limitações? as questões militares, ainda assim arrisco a dizer que o país é refém do imperialismo americano na obtenção de tecnologias militares. Não podemos esquecer do atentado, digo, do acidente ocorrido no complexo aeroespacial brasileiro que trabalhava com afinco na obtenção de um vetor para lançamento de satélites, o que na visão iaque tratava-se como a possibilidade tupiniquim de galgar o restrito clube de países com capacidade de construção e lançamento de mísseis (nucleares) intercontinentais que, de fato, estamos perto deste objetivo, apesar daquela puxada de tapetes que ceifou a vida da nata intelectual de mais de 20 cientistas brasileiros...

Como já é a muito tempo defendido por um grupo de militares de patentes de oficiais superiores (os mais jovens coronéis), nós precisamos ter um artefato mesmo que rudimentar com capacidade dissuasiva nuclear e, a tecnologia nós a temos desde 2007, fato este registrado nos anais militares do país. 


Hoje, infelizmente, a única tecnologia que o Brasil dispõem de forma atuante e conhecida é a humana, representados pelos Guerreiros de Selva que contrariando a lógica convencional inibe qualquer tentava real de ocupação (do ponto de vista militar) dos mais de 40% do território nacional representados pela amazônia brasileira, mas nós precisamos estar preparados também pelo ar e mar...


Por Liga Bolchevique Internacionalista

Completamente mal focado o debate travado na esquerda acerca da compra dos caças suecos Gripen, a decisão histórica tomada pelo governo Dilma (neste caso Lula atuou como o gestor direto da operação) vai bem mais além da questão técnica (bélica) ou mesmo comercial. O acordo pré-firmado entre o Brasil e Suécia, que envolve inicialmente a aquisição de 36 caças Gripen NG, permitirá ao nosso país desenvolver pela primeira vez em sua história (desde o aborto do avançado programa da arma nuclear nacional) um complexo industrial militar de “ponta”, aglutinando tanto a produção de aviões (caças) de combate como de mísseis de longo alcance. 



O projeto técnico estrutural do Gripen NG não está completamente concluído, permitindo a EMBRAER a inferência em seu desenvolvimento final, o que significará adaptar o caça sueco à realidade geoespacial do território brasileiro. 




Esta questão não significa apenas um “detalhe técnico”, representa a possibilidade do domínio total de todas as fases das operações do caça pela FAB, desde a manutenção mais básica do aparelho até as manobras de ataque contra qualquer força militar inimiga. Não seria demais lembrar aos defensores da compra do caça francês Rafale pelo governo brasileiro (sem dúvida alguma mais “possante” que o Gripen) que a frota área da Líbia (composta em sua maioria por modernos caças franceses adquiridos por Kadaffi pouco antes de sua derrubada) sequer conseguiu sair do chão para defender o país atacado pela OTAN. Caso similar ocorre na Turquia que “descobriu” que seus modernos caças F18, recém-comprados pelo governo Edorgan, não podem atacar alvos israelenses ou mesmo forças militares da OTAN. A questão fulcral na aquisição de equipamentos bélicos de “ponta” se concentra na transferência total de tecnologia, dos fabricantes para os países usuários. Sem a plena transferência de tecnologia os poderosos artefatos militares não servem para absolutamente nada! Ou melhor, se prestam para auxiliar as manobras militares dos países fabricantes. 


Somente a SAAB sueca, fabricante do Gripen, abriu esta possibilidade para a FAB, dando um passo além, o da fabricação do próprio Gripen NG em terras tupiniquins sob a parceria tecno-científica da EMBRAER. É bem verdade que a proposta de compra dos caças russos MIG ou do moderno Sukoi, também era interessante para o país, esta foi por sinal a opção da Venezuela ainda sob o comando de Chávez. Mas assim como os imperialistas dos EUA e da França, o governo Putin não abria a possibilidade da transferência de tecnologia das aeronaves. O projeto original do Gripen (dos modelos que já estão operando) foi concebido tendo um único motor de propulsão, de fabricação norte-americana. Com o pré-acordo militar firmado entre Brasil e Suécia, que irritou profundamente a Casa Branca, é muito provável que os ianques suspendam o fornecimento do motor ao Gripen, atualmente nem a SAAB nem tampouco a EMBRAER têm a capacidade de fabricação de um motor supersônico destas características. A alternativa mais viável neste caso seria trazer os motores da Rússia para serem montados no Brasil e nesta variante formar um tripé bélico entre os dois países integrantes do BRICs e a Suécia, que tem relativa independência frente a OTAN.


A “pedra de toque” alardeada pelo governo da Frente Popular na escolha do Gripen teria sido a vantagem do baixo custo, cerca de 4,5 bilhões de Dólares pela aquisição de 36 caças, bem abaixo das propostas ianques e francesas (a Rússia já estava fora da competição). A presidente Dilma, o ministro Amorin e seu comandante militar Juniti Saito fizeram questão de “despolitizar” ao máximo a escolha pelo Gripen, temendo principalmente uma retaliação do governo Obama. A verdade é que o acordo firmado, se realmente tiver fio de continuidade, colocará o país na rota mundial de produção de equipamentos militares com alta tecnologia agregada, bem superiores a atual venda internacional de carros de combate (na maioria anfíbios) e mísseis terra-ar de médio alcance. O Gripen montado com parceria tecnológica no Brasil (na cidade industrial de São Bernardo) deverá ser exportado para África do Sul, que já possui poucas unidades da versão mais antiga C/D e muito provavelmente para países da UNASUL. Este elemento, ou seja, o da construção nacional de um avançado complexo industrial de segurança, mudará substancialmente a correlação de forças continental, colocando o Brasil como único país na América a ter capacidade aérea de defesa frente a um possível um ataque militar do imperialismo ianque. Este fator posto concretamente no horizonte da conjuntura mundial, foi que avalizou politicamente a compra dos Gripen, por parte da nossa covarde e impotente burguesia nacional, coube ao “quadro” Lula a tarefa de “empurrar” a “gerente” Dilma nesta direção.



As vozes internas da reação, ligadas umbilicalmente ao imperialismo, não tardaram para atacar violentamente a decisão do governo Dilma. Na noite do dia 18/12 no Jornal da Globo, o ventríloquo da CIA William Waack afirmava que o anúncio da compra tinha sido feito de forma apressada, apesar de ter sido retardada por 15 anos! Agora no ridículo papel de bajuladores do governador Eduardo Campos, instrumento da oposição conservadora, o ex-MR8 atual PPL, criticou a opção pelo Gripen argumentando que: “Carrega menos armas e menos combustíveis, o que dificulta sua ação em um país com dimensões continentais como o Brasil, além do mar territorial, onde se encontra os campos de petróleo do pré-sal. Seu alcance é de apenas 1.300 km a partir da base. Sem grande automonia de voo, deve servir a defesa de países com características com as dimensões da Suécia” (Hora do Povo nº 3214). Se não bastassem mais de vinte anos defendendo incondicionalmente o corrupto Quércia, agora o PPL quer “atacar” de pata esquerda do PIG. Mentem descaradamente ao omitir o fato de que o projeto do Gripen NG é diferente dos anteriores C e D, inclusive no quesito autonomia de voo. Para os interesses de defesa da FAB é muito importante ter muitos caças mais ágeis e leves, que podem ser reabastecidos rapidamente em terra ou no ar, do que poucos jatos mais pesados com características de ataque. O Brasil precisaria de no mínimo 70 novos caças para cobrir todo seu território (terra e mar), levando em conta que atualmente sua frota aérea militar está praticamente zerada com a “aposentadoria” dos Mirrage e o sucateamento dos poucos F-5 que ainda conseguem decolar. Hoje a FAB só dispõe de aeronaves antiguerrilha, como os turbo-hélices Tucanos ou de jatos para monitoramento ou pequenos combates de pouca altitude. Somente a parceria com a SAAB poderia produzir quase 40 caças em tempo recorde, espera-se que em 2018 estejam parcialmente em operação, e que nos próximos dez anos o país tenha uma frota de caças perto de cem unidades, todas fabricadas “em casa”.

Para nós Marxistas Revolucionários, a decisão estratégica do governo petista de reorganizar as defesas militares nacionais, completamente desatualizadas ao longo dos últimos 50 anos, é em primeiro lugar produto de uma reação limitada e atrasada da burguesia nacional diante da etapa mundial de completa ofensiva imperialista em todos os terrenos. A brutal pilhagem dos recursos de uma nação, ocorrida na Líbia e patrocinada pela OTAN, colocou um sinal de alerta “vermelho” paras as burguesias lacaias de todo o mundo. A novela da pirataria imperial parecia que iria se repetir na Síria, mas no último momento os abutres covardes da Casa Branca se convenceram que os MIGs do regime Assad estavam prontos para combater, os imperialistas poderiam vencer pela franca superioridade militar, mas não aconteceria o “vexame” passado na Líbia (onde seus aviões eram controlados desde Paris), diante da dúvida Obama “amarelou”! Esta lição com certeza acelerou a “vontade política” de nossa classe dominante em pactuar um acordo militar histórico com a Suécia, deixando de lado “aliados” tradicionais como os EUA e a França.

Ainda é muito cedo para vaticinar o sucesso definitivo deste acordo econômico-militar entre Brasil e Suécia, também não podemos saber se será concluído em sua plenitude. Não podemos esquecer do “arquivamento” do bem sucedido projeto científico de nossa arma atômica, seriamos o segundo país no continente a dominar esta tecnologia militar, assegurando ao Brasil um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. As pressões imperialistas fizeram com que Sarney “congelasse” o projeto e FHC o “enterrasse” de vez. Talvez somente em outubro de 2018, na eleição de um novo governo “pós-Dilma”, é que se estabelecerá com mais sedimentação as bases políticas da relação entre Brasil e EUA. No bojo deste processo também entrará em debate a decisão da compra ou não de um moderno submarino nuclear, com capacidade de lançamento de mísseis a longa distancia. Com absoluta certeza a burguesia nacional aguardará o “retorno” financeiro concreto das jazidas do Pré-Sal para dar a última palavra sobre a capacidade militar de defesa do país. A classe operária não deve nutrir nenhuma expectativa no caráter anti-imperialista de nossa classe dominante, nem mesmo “guiada” pelo timoneiro Lula, ao mesmo tempo em que deve estar preparada para responder com sua ação direta a ofensiva neoliberal do capital em todos os campos da vida humana. Não está descartada nesta conjuntura de reação imperial em toda linha, que o proletariado possa inclusive estabelecer uma frente única pontual com a burguesia e seu regime, no sentido da defesa militar da nação oprimida se atacada pelo imperialismo. É nesta direção que os Comunistas não se oporão de forma alguma ao armamento do país, voltado ao combate de nossos parasitas internacionais!

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

ACONTECEU NO DIA 7 DE SETEMBRO

E, não deu pra esquecer! 

        Todo dia 7 de setembro é motivo de festejos e alegrias para o povo brasileiro. Mas, este dia sete de setembro de 2007 me remeteu ao passado e fez com que eu não deixasse de comentar aquilo que durante muitos anos ficou reprimido nos meus sentimentos, dentro da minha cabeça e no gene mental da minha consciência política. 


        Hoje eu não tive coragem de ligar a televisão, o radio, ou de ler jornais. Decididamente eu não estava querendo saber nada sobre as comemorações do dia da Independência do Brasil.

        Todos nós temos um dia que marca a nossa vida, seja lá qual for o motivo, e eu não sou diferente de ninguém. Por isso decidi trazer a tona esta historia que vivenciei de corpo presente nos idos dos anos 70. 

        Era o ápice da Ditadura Militar e dos seus projetos mirabolantes de construção da Transamazônica, das usinas de Itaipu bi-nacional etc.

        Na Indochina, os Vietcongs estavam próximos de imporem uma derrota humilhante aos invasores norte americano. E, na contramão de tudo, os russos buscavam a implementação da “Détente” enquanto os americanos apostavam no sucesso do SALT II. Era a chamada “Guerra Fria” em constante ebulição.


        Neste sentido, os Vietcongs avançavam para a vitória final que alteraria sensivelmente a formatação da geopolítica no planeta. Suas técnicas de luta em guerra de guerrilhas, de vencer o inimigo pela exaustão e na luta permanente, estavam sendo disseminadas e aplaudidas, mas também temidas por vários Exércitos do mundo inteiro.

        O todo poderoso Exercito norte americano sentiram na pele e foram à cobaia destes experimentos. Aqui no Brasil, o nosso Exercito comandado pelo CIGS (Centro de Instrução e Guerra na Selva) de Manaus/AM saiu na dianteira aperfeiçoando e associando estas novas técnicas de guerrilhas com as já existentes e, aplicou a da guerrilha dos Vietcongs no uso de “Armadilhas Punji”. Na verdade, isto caiu como luvas num país de grandes florestas como a nossa Amazônia, e de dimensões continentais como o Brasil. 



        Não havia um único exercício militar de Sobrevivência, Assalto e Guerrilhas que eu tenha participado, e que não tivéssemos praticado as técnicas Vietcongs com o uso de armadilhas de “Estacas Punji” do tipo “Teto Baiano”, “Muro Malaio”, “Fura Cara”, “Quebra Canelas”, “Tiro Amarrado” etc.


        No Brasil desde o inicio dos anos 70 estava aumentando a resistência popular contra a Ditadura Militar. No mesmo período, o Exercito vinha ampliando a criação dos Batalhões de Infantaria de Selva, na formação de novas Companhias de Operações Especiais, de Batalhões de Pára-quedistas e de Destacamentos de fronteira.


        Na verdade, o “gene” proliferador dessa expansão estratégica era representado por oficiais e graduados formados nos Cursos de Comando, Sobrevivência e Guerra na Selva do CIGS, nas Brigadas Pára-quedista do Rio de Janeiro e também nos Grupamentos de Fuzileiros Navais da Marinha de Guerra. 

A Aeronáutica dava suporte em todas as operações realizadas.

        Durante esta expansão o Governo Militar aprofundava a repressão contra os grupos de resistência armada no Araguaia e, também estabelecia uma forte ação contra as células da resistência urbana. Com esta investida, a situação torna-se explosiva em várias unidades militares.


        E foi justamente neste período da historia que me vi dentro do epicentro político e ideológico ali estabelecido. Na unidade militar onde eu servia, aquele sete de setembro de 1973 tinha sido um dia atípico em todos os sentidos e, fatalmente tornara-se um prelúdio do que viria acontecer.

        O nosso dia começou as 03h30min da manhã e parecia que nunca acabaria, foi uma eternidade. Acordamos no horário conforme havia sido programado no dia anterior. 

        Rapidamente e de forma ordenada, tratamos de tomar banho, fazer a barba e vestir nosso uniforme. Oficiais, graduados e praças se vestiam com coturnos especiais e impermeáveis de couro e lona com sobre-sola de aço, uniforme camuflado ou verde oliva, com suas boinas e emblemas estampados.


        Na verdade, de acordo com a especialidade de cada um dentro daquela unidade de Operações Especiais. 

        O entusiasmo da maioria era visto na velocidade dos preparativos.

        Esta era a 2a Companhia de Operações Especiais do 18o Batalhão de Infantaria Motorizada (Porto Alegre/RS) conhecida naquele período da história do Brasil como a melhor e mais preparada unidade de elite do III Exército, que abrange os Estados do RS, SC e PR. 


        Aquele dia aparentemente pareceria ser um dia normal como qualquer outro, exceto por ser o dia da comemoração da Independência do Brasil, o que pra nós na condição de cidadão seria motivo de orgulho em poder participar.


        Enfim, estávamos todos preparados para o evento que como sempre era mais uma oportunidade das Forças Armadas do Brasil, e do Governo Militar de mostrarem a sua organização, disciplina e poderio bélico.


        Alias, este era um dia tipicamente de atividades cívico-militar que faria uma boa propaganda da coesão e do controle do país pela Ditadura. 


E, há muito tempo eu já estava posicionado contra aquele estado de coisas (sic). Na vida militar, ninguém tem hora certa para dormir ou acordar a seu bel prazer como na vida civil. Tudo é feito com muita disciplina, e o militar tem que estar sempre preparado pra qualquer situação, a qualquer momento, e em qualquer lugar.



        Naquele dia 7 de setembro de 1973 foi muito diferente. Muitos dos nossos amigos e companheiros de farda demonstraram não estarem preparados para aquilo que internamente teria sido apenas uma fatalidade? Após as viaturas estarem simetricamente organizadas, fizemos uma ultima revista nos armamentos e nos apetrechos que usaríamos no desfile militar.


        Essa é uma regra a ser seguida por qualquer unidade, e por se tratar de uma especializada em contra guerrilhas e de assalto, fazíamos o uso continuo de munição real num estado permanente de prontidão.


        Aos integrantes das outras unidades, este quesito era uma prerrogativa somente dos chamados “soldados do núcleo base ou prontos” ou quando estivessem em serviço. No nosso caso, o mais novo integrante tinha no mínimo dois anos de serviço dentro da força.


        Seguindo no relato, já era cerca de 05h30min e após as viaturas iniciarem o deslocamento, pude observar atentamente o tamanho do aparato de combate ali concentrado. Era fenomenal a quantidade daquele contingente sui gêneris e, fortemente armados e municiados que integrava a 2a Cia OP.


        Na carroceria de cada caminhão, por cima da cabine, estava postada num mono pé uma metralhadora Browning ponto 50 de alto poder de fogo (suficiente para derrubar helicópteros ou aeronaves de pequeno porte), e que estavam municiadas com cerca de mil projeteis.


        Cada elemento de nossa viatura dispunha de um FAL (Fuzil Automático Leve) com 60 cartuchos, sendo 20 no carregador da arma e quarenta no cinto VO. Outros elementos dispunham do FAP (Fuzil Automático Pesado), ou carregavam consigo os morteiros 81 mm com placas base e granadas.


         Havia também o transporte de dois canhões 57 mm. Os oficiais e os graduados portavam as metralhadoras Beretta 9 mm (recém incorporadas), e pistolas Colt 45.

         Ainda compondo o arsenal individual e básico, uma faca de trincheira, duas granadas defensivas ou ofensivas e uma fulmigena, além de ração operacional para dois dias de combate. O nosso comboio era formado por 10 caminhões, sendo 8 de transporte de tropas, 1 de combustível e outro de suprimentos.


        Além disso, acompanhava uma viatura do tipo “pipa d’água”, mais 4 pick-up’s armadas com uma    metralhadora Browning ponto 50, cada uma, ou as recém incorporadas e poderosíssimas metralhadoras MAG 7,62 (fabricação belga 1972), e ainda mais dois jipes, sendo um com o comandante da companhia e outro de apoio e comunicações.

        Também pude observar a diversidade de armamentos em outras viaturas do Batalhão e, dentre estes, eu pude visualizar em algumas viaturas da 1a Cia de fuzileiros (tropa regular) as já obsoletas, mas mortíferas metralhadoras “Madsen” calibre 7,62 (padrão OTAN).


        Estas metralhadoras de fácil transporte foram usadas em guerrilha e também como armas antiaéreas por pequenos grupos de combate em vários conflitos pelo mundo afora, incluindo aí a guerra de Biafra na África. 


        Essas armas faziam parte do arsenal de muitos Exércitos do Cone Sul, e dispunham de um carregador na parte superior e um espalha chama que lembra um funil na boca do cano de saída.

         Passados alguns minutos de nossa saída pelo portão das armas nos fundos da unidade, entramos diretamente na Avenida Ipiranga. Já estávamos na altura da antiga fabrica de moveis Santa Cecília, e no meio de uma curva acentuada, foi quando comentei ao meu amigo Lima o seguinte:


      - Pô Lima, ta faltando mesmo é alguma ação de verdade, quem sabe alguns tirinhos pra gente queimar a adrenalina né?


        E sem se mexer do lugar, o meu amigo Lima respondeu:
- É mesmo Carlos Alberto, ia ser muito legal, isso ia agitar a rapaziada he he.


        Não demorou mais que 10 segundos do nosso comentário quando escutei a primeira metralhada, imediatamente me abaixei num instinto de sobrevivência, o Lima fez o mesmo, mas outros, alguns eu pude ver, permaneceram imóveis. É tudo muito rápido e de impulsos automáticos.

         Num primeiro instante pensei que estávamos sendo atacados? Fiquei confuso por fração de segundos quando visualizei de onde viam os tiros, vi claramente a aquele ponto de fogo em nossa direção. A metralhada partia do topo de um caminhão da 1a Cia de fuzileiros que vinha atrás do nosso último caminhão.

          Talvez por sorte de estarmos exatamente no ponto alto da curva é que escapamos de ser atingidos, mas o mesmo não aconteceu com o caminhão que estava na nossa frente. 


        Em todos os treinamentos que havia recebido durante a minha passagem pelo Exercito, aquela situação me levaria a responder instantaneamente, aliás, a todos nós. Imediatamente várias viaturas de nossa companhia frearam, e outras ficaram quase que de lado em posição de combate.

         Cheguei a preparar o meu FAL em posição de tiro, e com a intenção de pular da viatura, quando repentinamente escutei uma gritaria horrenda e generalizada. O meu amigo Lima estava incrédulo diante do acontecido. Num primeiro instante não conseguia falar nada, ficou com os olhos esbugalhados e cara de pavor com o que acabara de ver.

        Os gritos vinham do caminhão de nossa companhia que estava bem a nossa frente, havia muitos companheiros estirados na viatura e gemendo de dores, completamente ensanguentados. Num passar de segundos escutei a voz de comando do Tenente Siqueira (Oficial R/1), um jovem carioca de 24 anos que comandava nosso pelotão na companhia, e que bem alto gritava: Ninguém desce das viaturas que já estamos iniciando os procedimentos, e fiquem calmos que está tudo sobre controle?

        Neste momento eu vejo o meu amigo Soldado Rosa nos braços do Tenente Siqueira e auxiliado pelo Sargento Lopes carregando nosso companheiro com o peito todo ensanguentado e, o que senti naquele momento é que ele já não estava mais aqui. O Rosa era um sarará bem forte, se destacava muito nas missões que eram confiadas a ele, era o tipo de sujeito militarmente de confiança.

        Participávamos juntos dos treinamentos de combate corpo a corpo e dos ensinamentos de Karatê do estilo Shotokan que recebíamos na 2a Cia OP do então campeão mundial da modalidade no ano de 1972, o mestre paulista e professor Luis Watanabe que estava radicado em Porto Alegre, e tornara-se instrutor oficial de varias unidades de elite do Exercito. 



        O mestre Watanabe tinha varias academias em Porto Alegre, e eu cheguei a treinar algumas vezes numa dessas que ficava no Bairro Cidade Baixa, muito próximo da Avenida João Pessoa, mas não estou lembrado do nome da rua, (Rua Lima e Silva - lembrei-me recentemente).

        O nosso companheiro Rosa também tinha o seu lado descontraído, muitas vezes nós saiamos juntos com outros companheiros para aquilo que hoje a rapaziada chama de “balada”. O camarada Rosa era um sujeito muito extrovertido. Fizemos parte duma turma num cursinho preparatório ao Curso de Formação de Sargentos. Essas lembranças eu guardo até hoje.

        Logo atrás da tentativa de salvarem o meu amigo, passou correndo outro grupo de oficiais e Sargentos de nossa Cia carregando mais uns feridos, e neste momento também reconheci o meu amigo e Soldado Paixão (nome de guerra) com o pescoço e o rosto virado (sic) em puro sangue, o SD Paixão ainda se mexia e gemia muito. Soube mais tarde que o SD Paixão tinha levado um tiro que tirou um pedaço do seu queixo e outro transfixou o seu braço esquerdo.
 
         A seguir várias viaturas de pequeno porte se enfileiraram e saíram em disparada levando os diversos feridos e os prováveis mortos em direção ao HGPA (Hospital de Guarnição de Porto Alegre). 


Apesar da confusão e do estado emocional que vivia naquele instante, consegui observar o grau de organização e disciplina que tínhamos apresentado diante daquela situação.

          Aquela era uma situação inimaginável por todos nós e do qual jamais havíamos previsto, ou seja, sofrer um ataque de forças supostamente amigas? Nosso comboio ficou parado não mais que 10 minutos, foi quando recebemos ordens de prosseguir em direção ao local do desfile. Foi muito difícil ver e, ter que suportar o estado emocional de nossa tropa frente ao acontecido.

         Nunca tinha visto e, mesmo em outras situações semelhantes, ter que desfilar e compartilhar com os olhos cheios de lagrimas o sofrimento coletivo pela perda prematura de amigos.

        O dever imposto pela circunstancia nos colocava perfilados de forma mecânica diante de uma população alegre e ansiosa por assistir o desfile militar. 



         Não se comentava nada do acontecido, que, aliás, nem era permitido em conformidade com o RGE (Regulamento Geral do Exercito).


          A imprensa escrita ou televisiva local não divulgou nenhuma linha sequer a respeito do fato.

         Os oficiais e comandantes de pelotões de nossa companhia e das outras que compunham o 18o Batalhão de Infantaria Motorizada estavam tão incrédulos quanto ao restante da tropa, e agiam como se nada tivesse acontecido.

         Mas ninguém é de ferro, e de volta ao desfile logo após deixar nossos companheiros aos cuidados da corporação médica, eu pude observar o Tenente Siqueira fazendo um esforço descomunal para esconder as lágrimas, afinal, ele conhecia cada um de seus comandados.

          O desfile continuou com os aplausos da população que enchia todos os espaços possíveis para assistir a nossa passagem e festejar o dia da independência do país. De volta ao 18o Batalhão e durante a formatura da tropa, os murmúrios começaram de forma sutil.

        O Coronel Brochado (sic) comandante do Batalhão fez um discurso elogioso ao nosso comportamento, mas nada nos confortaria ou acalmaria. Sobre o ocorrido, seus argumentos não me convenceram, ou seja, explica, mas não justifica.

Ninguém podia comentar o acontecimento, mas segurar a boca e a ansiedade da tropa era praticamente impossível.

         As primeiras informações corriam de maneira dispersa, mas eu particularmente só queria saber o nome do elemento que estava no comando daquela “Metralhadora Madsen” que, no meu entendimento e de outros companheiros, fora postado propositadamente para nos provocar o maior número de baixas possíveis, que alias, aparentemente seria fácil dissimular.

         Uma das maneiras possivelmente, era de interpretar como se fosse algum acidente provocado pelo manuseio de um praça aparentemente despreparado. Mas, Isto não me convenceria o suficiente pra que eu tivesse este entendimento, já que ali naquele Batalhão, estava a Companhia número 1 do III Exercito e estávamos todos preparados como verdadeiros cães de guerra.

          A sorte me ajudou, e eu consegui ver a cara do assassino dos meus amigos dentro da 2a Seção (de informações e contra informações) do Batalhão. Ele conversava com o oficial encarregado do IPM, (Inquérito Policial Militar) e eu o reconheci.

         Este sujeito já era um soldado pronto, eu já tinha cruzado por ele em algum lugar dentro do quartel, mas não me lembrava onde, talvez pudesse ter sido na barbearia, na alfaiataria ou mesmo no Rancho do quartel. 

Mas enfim, que importância ou, no que resolveria lembrar-me onde havia visto aquele canalha?
         O tal sujeito vergonhosamente havia sido apresentado como um integrante do período de formação. Êpa, se o bandido era um recruta (não era verdade), por que raios ele foi designado ao comando daquela metralhadora? Dizem que o FDP ficou preso apenas por 30 dias.

         Tive vontade de “arrancar” as entranhas daquele covarde ou, de “empalar” o desgraçado. O nosso ódio pelo sujeito era tão grande que seriamos capazes de arrancar ele e seus protetores da toca, como se arranca um tatu em fuga.

       Os facínoras se comportavam como se o acontecido tivesse sido apenas um acidente, ou mesmo uma fatalidade. Mas, o nosso grupo sabia o que verdadeiramente tinha sido armado. 

Após o incidente? A escala de serviços sofreu mudanças, e encerrado o IPM, o canalha nunca mais foi visto na unidade.      


Mas, seguramente fora transferido e até mesmo promovido por aquela façanha macabra. Os motivos daquele suposto incidente?, pra mim seriam fáceis de entender. 


Vários integrantes de nossa unidade passaram por treinamentos especializados, fortes e contínuos com o objetivo de integrarem as forças do Exercito no combate a Guerrilha do Araguaia e em outras frentes no país. Essa tarefa já estava sendo vista como se fossem mandar a “Raposa cuidar das galinhas”. Esta situação já é histórica no Brasil.

         Muitos militares e ex-militares integraram grupos de guerrilhas e de resistência em várias épocas da historia política do país. 




        Sem fazer comparações ideológicas ou partidárias, posso citar o líder Osvaldão do Exercito do Povo no Araguaia (Ex-Oficial R/2 do Exercito Brasileiro), O Capitão do Exercito e ex-Senador Luis Carlos Prestes do PCB e que comandou a “Coluna Prestes”, O Ex Tenente (Expedicionário) Salomão Malina (um dos líderes da ala militar do PCB, do qual eu fiz parte), o também Capitão do Exercito Carlos Lamarca, líder maior da VPR (Vanguarda Popular Revolucionara), e tantos outros oficiais, graduados e praças das Forças Armadas, que com suas vidas, construíram a historia da resistência no Brasil.

          Na continuidade do relato, o comandante do “Pelotão assassino” da 1a Cia de Fuzileiros tinha sido exatamente o 1o comandante de meu pelotão na 2a Companhia de Operações Especiais. 



Após o acontecido, eu nunca mais vi o 2o Tenente  R/1 "Demo" durante todo o restante do tempo que permaneci no 18o B. I. Mtz (fui considerado desertor em 14 de junho de 1974).

         Ele foi justamente o oficial encarregado de direcionar os praças aptos a assumirem o comando das metralhadoras prontas para o desfile. O Tenente “Demo” (apelido do oficial) tinha sido um dos melhores alunos do curso de Comando, Sobrevivência e Guerra na Selva que são ministrados pelo CIGS (Centro de Instrução e Guerra na Selva) de Manaus/AM, e, isto fazia dele uma referencia no nosso adestramento. 




          Sob o comando deste oficial, eu fui um dos alunos bem sucedidos no Curso de Sobrevivência, Guerrilhas, Operações Especiais e também no de embarque e desembarque de Aeronaves em movimento que foi realizado no 5o ETA (Esquadrão de Transporte Aéreo) da Base Aérea de Canoas/RS.

        Putz, mas este Curso foi uma loucura mesmo, dizer que pulamos e embarcamos com todos os apetrechos de combate num avião em movimento é coisa de outro mundo, mas para o Exercito, é o momento oportuno de desembarcar tropas de elite num aeroporto ou território eventualmente ocupado por tropas inimigas.

         Seguindo na linha do Tenente Demo, o que me levou a este raciocínio foi exatamente à estratégia dele, aparentemente dissimulada e no qual eu tinha conseguido fazer esta leitura. 



Como todo Combatente Operacional, esta possibilidade de reação sempre foi prevista nos nossos “Manuais de Combate” e, em qualquer lado ideológico. 


O fato é que nossa unidade tinha se tornado um entre posto e local seguro para o aprisionamento de supostos subversivos e elementos da resistência contra a Ditadura Militar.

         Ocorre que nesta convivência continuada com os presos políticos e pseudo-s subversivos, os praças que periodicamente eram destacados para fazerem a guarda destes, simplesmente passavam a ter acesso a informações pessoais e ideológicas que nasciam a partir de um relacionamento de camaradagem com os presos.

        Isto talvez tenha sido a razão maior do surgimento de um núcleo marxista dentro de nossa unidade (e noutras também) no qual eu passei a ser observado e posteriormente me tornei integrante.
        
Seguido no assunto...

         Num desses dias que fiquei de guarda na cadeia onde havia um grupo de presos políticos, conheci um cara que tinha mais ou menos 45 anos, ele tinha os cabelos negros, mas já estavam despontando pequenas mexas branca, era um pouco calvo, e aparentemente sofria de estrabismo, como eu mesmo tenho e adquiri em decorrência de um acidente, ainda no Exercito, que começou a surgir uns quatro anos após eu ter desertado.

        Ele inicialmente se apresentou como sendo um pedreiro da construção civil. Segundo Miguel (este era o nome usado por ele e, se era verdade ou mentira, pra mim pouco importava), segundo ele me disse, tinha sido preso por estar fazendo panfletagem em frente a uma fabrica na grande Porto Alegre, e era uma atitude que foi considerada subversiva pelos órgãos da repressão.

        Miguel havia passado por varias unidades militar pelo período de seis meses em cada uma. Já havia passado pela 1a Cia de Guardas, pelo 3o BPE, pelo QG do III Exercito e, ali estava sem a menor perspectiva de ser libertado ou mesmo com esperanças de sair vivo. 


        Após adquirir a confiança e o respeito de Miguel, que mais tarde se identificou como simpatizante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionaria) do então líder Capitão Carlos Lamarca, e do qual eu também era simpatizante, ficamos amigos.

        A partir dali, passamos a trocar idéias, e muitas vezes conversamos sobre a situação no país. 


Em certas ocasiões eu comprava cigarros com o meu soldo (a maioria dos presos, a família não localizava, e estes omitiam a existência, até por uma questão de segurança), e lembro bem da marca, “Continental” de maço azul e branco que o Miguel gostava de fumar e pedia pra eu fornecer a ele, obviamente eu fazia isto com extremo cuidado.



Na hora do “Rancho” (almoço, café ou jantar) sempre que podia, eu aproveitava e colocava bastante pão, carne e frutas na bandejão que levava ao Miguel e aos outros presos no qual fizera uma aproximação.

        Chegamos a fomentar a ideia de facilitar a fuga dos presos ali do quartel, e somente deixamos de lado diante de novos encaminhamentos internos que incluía a tomada da unidade num ato de sublevação.


         Loucura? Eu não pensava assim. Nós não tínhamos o direito de vacilar ou de errar, se fossemos pegos, seriamos mortos de imediato.

        O 18o B.I. Mtz foi o inicio da minha adesão na ideia de combater a Ditadura Militar por dentro, e isso eu pude perceber na vontade de muitos companheiros que contrariados com o que acontecia no país, se manifestavam abertamente para os companheiros que consideravam de confiança.

          Com o aumento dos efetivos nos combates no front do Araguaia, e a transferência de praças e graduados, ficou evidente o descontentamento interno sobre o que acontecia. 



Naqueles dias houve um aumento nos índices de deserções com finalidades políticas. Essas deserções aconteceram justamente pelo vazamento sutil da possibilidade de tomada das unidades onde servíamos.

        Mas enquanto estivéssemos ali, nós tínhamos que discutir e inicializar uma política de mudanças que previa todas essas possibilidades, e eu era apenas um garoto com larga experiencia e treinamento militar especializado.

          Diante do aumento da repressão contra os grupos organizados da resistência, nós não poderíamos ficar de braços cruzados. Uma das maneiras que consideramos mais adequados para o funcionamento do
 nosso núcleo marxista (que funcionava precariamente) seria nos encontros realizados em locais fora da unidade. 



Por várias vezes nos reunimos em boates, lanchonetes ou mesmo na casa de algum integrante pra fazermos um churrasco de final de semana, que eram muito comuns no relacionamento entre praças e graduados, até porque um soldado torna-se um sargento e por ai vai subindo na hierarquia militar...

          Por força de nossa segurança eles aconteciam com um número reduzido de participantes, essas situações possivelmente nos colocaria fora de qualquer “suspeita”, e deste jeito à gente aproveitava o momento pra colocar os assuntos em dia diante dos últimos acontecimentos. 



         Até aquele momento era o mínimo que poderíamos fazer embora nossa vontade maior fosse a de partir para o ataque frontal contra as tropas leais ao governo no nosso próprio ninho.

         O surgimento destes núcleos deu-se também a partir de uma vertente de remanescentes de um grupo de militares que apoiavam o Capitão Carlos Lamarca quando de sua passagem pelo 3o BPE (Batalhão de Policia do Exercito) em Porto Alegre nos anos 60. 



Aliás, Lamarca deixou um número infindável de admiradores e seguidores ideológicos, dentre estes eu me incluo e, mesmo não o tendo conhecido pessoalmente.

        Esta simpatia por Lamarca dentro do Exercito ficou evidente pra mim num fato acontecido no ano de 1971. Neste ano eu servia no 22o GAC (Grupo de Artilharia de Campanha) em Uruguaiana RS, então comandado pelo Tenente Coronel paraquedista Dickson Melges Grael (pai dos medalhistas Torben e Lars Grael) que foi um dos pioneiros do pára-quedismo militar no Brasil.

         Mais tarde, nós descobrimos que o Ten Cel Dickson era um agente e chefe da Regional de fronteiras do SNI (Serviço Nacional de Informações) no Rio Grande do Sul. 

Naquela unidade eu incorporei com apenas 16 anos e fui um dos primeiros a frequentar o curso de pára-quedismo em Uruguaiana. 


Um dos melhores saltadores na nossa unidade era o então Capitão Victor Pacheco Motta que era o comandante da 2a Bia Can (Bateria de Canhões) onde estava sediado o PELOTAR (Pelotão aerotransportado) do qual eu era o mais jovem  (16 anos de idade) integrante.

        O Capitão Motta tinha sido instrutor de pára-quedismo nas Brigadas Pára-quedista do Rio de Janeiro, na AMAN (Academia Militar de Agulhas Negras), e ainda instrutor dos Cursos de Comando, Sobrevivência e Guerra na Selva do CIGS.

        O Capitão Motta era também um especialista do Curso de Operações Psicológicas desenvolvido pelo Exercito naquele período. Mas enfim, ali estavam alguns dos “Falcões” da Doutrina Militar brasileira e da “Casta da Ditadura Militar do Brasil”.
 
        As fronteiras brasileiras eram objetos de vigilância e mapeamento do fluxo de pessoas que por ali        transitavam. O Ten Cel Dickson Melges Grael era o provável chefe da Operação Condor da região das fronteiras, e que vigorava naqueles dias. Lembro-me que no mês de julho de 1971 aconteceu uma reunião gigantesca e de caráter secreto, de altas autoridades militares da mais alta patente do Exercito Brasileiro.

         Isto no meu entendimento foi em decorrência do prestigio do Ten Cel Dickson Melges Grael junto ao Governo Central. O Ten Cel Dickson esteve nos EUA e se especializou em muitos cursos junto ao Exercito Americano, incluindo aí o de Pára-quedismo Militar realizado na década de 40/50 e que posteriormente ajudou a implantar no Brasil.

        Eu me divertia muito observando o posto de cada um dos integrantes ali presentes, contava as estrelas que cada um ostentava na platina da farda, e se eram gemadas ou não. Enfim, eu realmente fiquei impressionado com o número de medalhas e condecorações que muitos oficiais ostentavam no peito, e me lembrava do jargão “cabeça erguida, peito pra fora”.

        Quando eu era criança, nem pensava em seguir a carreira militar, mas por um destino, fui devolvido aos cuidados do Estado por uma família de fazendeiros que me adotaram juntamente com minha irmã de idade 1 ano mais nova. Com eles ela permaneceu até atingir a maioridade e vir a se casar. Neste ponto, fico eternamente agradecido pelo humanismo despertado por aquela família.

        Esta situação me levou a optar pelo serviço militar voluntário que foi a forma que encontrei pra me livrar daquele “aprisionamento” forçado no meio de mais de 160 meninos considerado abandonados ou em risco social por uma serie de motivos. 



        Tudo isto já existia naquele tempo (Lamarca tinha razão) que alias, me lembro muito bem de ter escutado a Copa do Mundo de 1966 num radiosinho de pilhas que pertencia a um menino daquele Educandário Rural.

        Outra lembrança foi a de ter assistido o homem descendo na lua em 1969. Esta façanha eu assisti sentado num chão gelado ao lado de vários meninos. Era uma televisão grande de madeira ficava no alto e tinha a imagem bastante tremida e chamuscada, o volume era muito baixo e qualquer um que abrisse o bico, levava um safanão na orelha.

        Mas voltando ao encontro da ECEME, o menor posto entre os participantes era o de Capitão, que na maioria das vezes eram ordenanças dos Oficiais Superiores da patente de Coronel e Oficiais Generais. 


Mas também havia muitos Tenentes Coronéis e Majores presentes nesta Cúpula do Exercito representados pela Escola de Comando e Estado Maior do Exercito (ECEME).

        Durante este período eu fiquei de prontidão na unidade. Participei de vários PC Trans (Postos de Controle de Transito) com barreiras fortemente armadas e com barricadas compostas por peças de metralhadoras e sacos de areias em vários pontos estratégicos da cidade de Uruguaiana, incluindo também outras regiões da fronteira oeste do Rio Grande do Sul.
 
        Eu cheguei a participar na perseguição de um veiculo pequeno que encurralamos junto a uma pequena usina da CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica), que ficava a direita da ponte Internacional e da aduana brasileira. 


        O Veiculo havia tentado burlar a barreia e saiu em disparada (o motivo era apenas a documentação irregular) Os sujeitos foram presos e soltos após o termino da reunião de Cúpula Militar.

        No campo de futebol existente dentro do 22o GAC pousou cerca de oito helicópteros, e eu fui um dos elementos do PELOTAR (Pelotão Aerotransportado) que atualmente são conhecidos como PELOPES (Pelotão de Operações Especiais) a fazer a segurança daquelas aeronaves até então top de linha nas forças Armadas. Colocamos uma rede verde de camuflagem por cima dos helicópteros que ali permaneceram por três dias ininterruptos.

        Ficamos de olhos abertos por 24 horas e com a adrenalina no ápice. Neste período é que eu pude perceber a grandiosidade daquele encontro que fora comandado pelo mais alto escalão do Exercito e da “Cúpula Dirigente do Regime Militar”.

        Mas retornando ao eixo principal, no mês de agosto daquele ano havia rumores no quartel sobre uma perseguição ao Capitão Carlos Lamarca que se encontrava possivelmente no norte/nordeste do país. 


        Alguns comentários davam conta de que Lamarca havia rompido vários cercos programados para pega-lo e, esta era apenas algumas suposições emitidas por oficiais superiores.

        Mas eu também me lembro claramente das torcidas formados por praças, graduados e jovens oficiais que eram a favor, e daquelas torcidas indisfarçáveis, mas cautelosas, que eram contrários a prisão do nosso nobre líder da VPR.

         Já na metade do mês de setembro, houve uma pausa nos comentários a respeito deste assunto. 



        Mas eis que no dia 18 de setembro de 1971 fomos informados oficialmente da morte do Capitão Carlos Lamarca e de outros (que foram emboscados e assassinados brutalmente no Estado da Bahia). 

        Esta noticia provocou um grande choque no quartel. Lamarca era um exímio atirador, e tinha sido Campeão Sul Americano ou brasileiro de tiro ao alvo.

        Lembro-me que naquele dia circulou uma revista de mão em mão mostrando o nosso líder ensinando bancários a atirarem. 

        Aquelas fotos foram guardadas na minha mente como relíquia de boas lembranças.

        Pensar que o Exercito Brasileiro comemorou a morte do Capitão Carlos Lamarca? Ledo engano, o mal estar foi geral, nossa unidade silenciou por completo durante vários dias em homenagem aquele homem que tinha o ideal de transformar o Brasil num país mais justo, humanista e igualitário, ou seja, numa nação verdadeiramente independente e socialista.

         De origem pobre e humilde, o carioca Capitão Carlos Lamarca sempre lutou como um verdadeiro bravo e pagou com a própria vida a incompreensão daqueles que comandavam o país com mãos de ferro, a Ditadura Militar.
 
         Se por um lado o comando do Exercito considerava Lamarca um traidor, por outro, dezenas de jovens oficiais, sargentos e praças de todas as armas o veneravam, e nunca conseguiram esconder esta afeição por aquele que era um exemplo de determinação e ideal a ser seguido. Isto deixava a Cúpula Militar em polvorosa, e que mais tarde culminou numa perseguição interna nas Forças Armadas e sem precedentes na historia política do Brasil.


Como relatei, e assim diziam os antigos:


- Isto eu vivi, e presenciei com estes olhos que a terra um dia há comer!


OUSAR LUTAR, OUSAR VENCER!


Carlos Alberto Bento da Silva
Ex militante do PCB e do PSTU em Florianópolis-SC


        O Blogue Radio Cidadão "As Barricadas das Lutas Populares" (criado em 2005, e que era um misto de noticias sobre radioamadorismo e politica), e todos os blogues do portal space.live.com foram deletados pelo Wordpress quando este adquiriu o seu controle. Eu também perdi o Blogue  Internacional Radio que havia criado no mesmo ano de 2005. 

        A partir dali milhares de proprietários ficaram no prejuízo ao perderem centenas de publicações.


       Nós tivemos pouquíssimo tempo para fazer um translado de portal. Algumas fotos foram salvas automaticamente pelo Sky Drive, mas as mais de uma centena de publicações que eu havia feito, essas eu as perdi para sempre.

         Felizmente o texto acima eu havia conseguido salvar quando fiz uma publicação em outro blogue. Bem, confesso que seria muito chato ter de escrever este relato novamente...

        Agradeço a minha irmã Clarisse por ter guardado com tanto carinho por mais de 30 anos, essa talvez, única foto que ainda existe da minha passagem pelo exercito.