Por Leonardo Sakamoto*
Falar sobre a política higienista de São Paulo é chover no molhado. Afinal de contas, as empreiteiras e os especuladores imobiliários estão aqui, doando recursos de campanha, emprestando parentes para cargos públicos, influenciando o cumprimento e o não cumprimento de regras, como o plano diretor. Ao mesmo tempo, quando forem abertas as contas das eleições, veremos – novamente – a influência do cimento na condução de prefeito e vereadores aos seus mandatos.
Enquanto isso, mais uma favela queimou em São Paulo.
Essa limpeza pelo fogo leva às lágrimas muitas famílias. E abrem imperceptíveis sorrisos em alguns empresários e administradores públicos de olho no erguimento de bancos, salas de concertos e de exposições, teatros, sedes de multinacionais, escritórios da administração pública, restaurantes, equipamentos públicos. E apartamentos, para quem pode pagar, é claro.
A questão deveria ser central nos discursos dos candidatos à Prefeitura de São Paulo, mas não é. Até porque tem sido função do poder público em São Paulo tornar a vida dos moradores de favelas em áreas de interesse imobiliário um inferno até que eles saiam, seja por ação direta, seja por omissão.
E a desse pessoal, resistir. Eles sabem que não se encaixam no plano de desenvolvimento para a cidade. Sabe como é, né? Aquele bando de gente pobre só ia jogar o preço do metro quadrado para embaixo e afastar os “homens de bem” de perto. Temos um constante Pinheirinho em São Paulo, mas como segue a conta-gotas, não vira manchete. Banalizou-se, como a corrupção ou a superexploração do trabalho.
Ao longo do tempo, fomos expulsando os mais pobres para regiões cada vez mais periféricas. Eles, que têm menos recursos financeiros, gastam mais tempo e mais de sua renda com transporte do que os mais ricos que ficaram nas áreas centrais – com exceção das Alphabolhas da vida. Cortiços e pequenas favelas em regiões de fácil acesso abrigam centenas de famílias. Sem o mínimo de saneamento básico, às vezes sem água e sem luz. A maioria dos moradores desses locais prefere continuar assim, pois transporte é o que não falta e a casa fica próxima ao trabalho – ao contrário do que acontece em bairros da periferia, onde o trajeto até o centro chega a levar três horas, dentro de ônibus superlotados.
Ao mesmo tempo, o Brasil está se tornando um imenso canteiro de obras.
O problema é que há gente morando nos locais onde se quer construir.
O governo brasileiro inundou o país com bilhões em recursos para a construção, com o objetivo de modernizar a infra-estrutura e erguer moradias, girando a economia. Só que “esqueceu” de uma coisa: com o mercado imobiliário aquecido, a busca por áreas urbanas para a incorporação leva à expulsão de comunidades pobres que disputam a posse de terrenos. Se a Justiça considerasse sempre a função social da propriedade para tomar suas decisões, como está previsto na Constituição Federal, a história seria diferente e essas comunidades teriam direitos preservados. Se barracos de madeira em tempo seco fossem imunes a incêncios criminosos ou não, também.
Ah, mas o poder público não acendeu o fósforo, gerou o curto-circuito ou entulhou o lixo que foi combustível da desgraça. Mas sabia que a situação era de risco. E, ao invés de urbanizar a comunidade, preferiu deixar tudo como estava, lancando como prioridade de rodapé. Sim, administradores públicos gostam de serem elogiados pelo que fazem, mas esquecem que – mais importante que isso – são culpados pelo que deixam de fazer.
Como já disse aqui antes, o melhor disso tudo é que a maior parte de nós simplesmente não se importa. Acha um absurdo exageros e injustiças, como todo cordial brasileiro, mas está se lixando para saber como o seu apartamento, energia elétrica, estrada ou estádio foram feitos. Ou quem teve que sair para dar lugar a você. A ignorância é uma benção.
Para parte de nós, favelas que viram cinzas são um incenso queimando em nome do progresso e do futuro.
(*) jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
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