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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O ALERTA DO DIA DO SOLDADO


Só não vê quem não quer!

Publicado no “Jornal do Comércio de Porto Alegre”


Autor: Paulo Ricardo da Rocha Paiva


Coronel de Infantaria e Estado-Maior


Para o Plano Brasil


O ALERTA DO DIA DO SOLDADO
Nada contra negociar caças, helicópteros e submarinos com a França ou outro país qualquer. Afinal de contas, não produzimos nada mesmo em termos de armamento convencional que seja capaz de fazer frente ao aparato bélico, de última geração, dos atores com potencial para representar alguma ameaça ao País, o que nos impede tiranicamente de partir do zero.


Todavia, os invejáveis recursos naturais do País: riquezas minerais, mananciais hídricos, energéticos, flora, fauna, biodiversidade enfim aí estão, esbanjando fartura sem par, incomensurável mesmo, em um mundo cada vez mais carente, sem que disponhamos das mínimas condições de seu repasse incólume para as novas gerações de brasileiros.


Que não se duvide, os caprichos dos cinco grandes encastelados no Conselho de Segurança da ONU são cada vez mais imprevisíveis. Uma tendência natural, entretanto, já está a se delinear, não escapando à percepção do observador mais arguto. Um desiderato acomodatício está envolvendo o grupelho de poderosos, ganhando contornos de um “colegiado ditatorial” de molde a mantê-los, de comum acordo, ad eternum, impondo as regras do jogo.


Governantes, políticos, intelectuais, o povo deste País como um todo, porém, ainda não se deu conta de que os butins para o regalo daquele “quinteto de leviatãs” são os pisados pelos nossos pés! Ninguém ainda atinou que necessitamos, para ontem, de um poder de dissuasão definitivo e imediato.





As impertinências do tão propalado “eixo do mal” não são nada se comparadas à mortandade das duas guerras do Iraque e a do Afeganistão. Afinal de contas, quem matou mais até agora, Bush ou Sadam, Barak ou Ahmadinejad?



Deve ser dito, só a 4ª Frota/USA: dispõe de 60 helicópteros e queremos negociar 50 com os franceses; conta com mais de 100 caças em seus porta-aviões e se pretende adquirir 36 na mesma fonte.




Em sendo assim, a única arma capaz de evitar desatinos por parte da “santa aliança” é um artefato bélico definitivo, por mais rudimentar que seja, com capacidade para desencorajar a concentração de forças de uma “coalizão de soldados universais imbuídos de desígnios humanitários e em nome da tão invocada comunidade de internacional”.


















A Coréia do Norte sabe disso e o Irã está correndo atrás, só o Brasil continua “dormindo em berço esplêndido”.


Paulo Ricardo da Rocha Paiva


Coronel de Infantaria e Estado-Maior


Disponível em: http://pbrasil.wordpress.com

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Os bolcheviques e Lenin

História da Revolução Russa
Léon Trotsky


No 3 de Abril, Lenine chegava a Petrogrado, vindo da emigração. É somente a partir desse momento que o partido bolchevique assume toda sua força e, o que é mais importante, a sua própria voz.

O primeiro mês da revolução tinha sido, para o bolchevismo, em tempos perturbados e de hesitações. No «Manifesto» do Comité central dos bolcheviques, redigido logo após a vitória da insurreição, dizia-se que «os operários das oficinas e das fábricas, assim como as tropas revoltadas, devem imediatamente eleger seus representantes no governo revolucionário provisório». O manifesto foi imprimido no órgão oficial do Soviete sem comentários nem objectivos, como se não se tratasse senão de uma questão académica. Mas mesmo os dirigentes bolcheviques davam à sua palavra de ordem um significado puramente demonstrativo. Eles agiam não tanto como representantes de um partido proletário que se prepara a abrir por sua própria iniciativa a luta pelo poder, mas como ala esquerda da democracia que, ao proclamar os seus princípios, dispôs-se, por um tempo indeterminado, a interpretar o papel de uma oposição leal.

Sokhanov afirma que na sessão do comité executivo do primeiro de Março o centro da discussão versa somente sobre as condições da transmissão do poder: contra o próprio facto da formação de um governo burguês, nem uma só voz se ouve, ainda se houvesse então no comité executivo, sobre trinta e nove membros, onze bolcheviques e simpatizantes cujos três membros do centro, Zalotsky, Chliapnikov, e Molotov, estavam presentes na sessão.

No dia seguinte, no Soviete, segundo a própria narração de Chliapnikov, sobre quatrocentos deputados, votaram contra a transmissão do poder à burguesia somente dezanove delegados, enquanto que a fracção bolchevique contava já quarenta delegados. Esse voto passou completamente despercebido, num procedimento formalmente parlamentar, sem claras contra-proposições do lado dos bolcheviques, sem luta e sem agitação qualquer na imprensa bolchevique.

No 4 de Março, o Bureau do comité central adoptou uma resolução sobre o carácter contra-revolucionário do governo provisório e sobre a necessidade de se orientar para a ditadura democrática do proletariado e dos camponeses. O comité de Petrogrado, reconhecendo não sem razão que esta resolução era puramente académica, dado que ela não indicava de forma nenhuma o que era necessário fazer no próprio dia, abordou o problema do lado oposto. Tendo conta da resolução sobre o governo provisório adaptada pelo Soviete, declarou que «não se opunha ao poder do governo provisório na medida que...» No fundo, era a posição dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários, relatada somente na segunda linha das trincheiras. A resolução abertamente oportunista do comité de Petrogrado contradizia só na forma a posição do comité central cujo carácter académico não significava outra coisa senão a resignação política diante do facto consumado.

A disposição a inclinar-se, tácitamente ou com reservas, diante do governo da burguesia não obtinha de forma nenhuma um consentimento indiviso no partido. Os operários bolcheviques chocaram com o governo provisório, como uma fortaleza inimiga surgida de repente no caminho. O comité de Vyborg juntou numa reunião política milhares de operários e de soldados que, quase unanimemente, adoptaram uma resolução sobre a necessidade da tomada do poder pelo Soviete. Participando activamente nesta agitação, Dingelstedt testemunha o seguinte: «Não houve uma só reunião, uma só reunião operária que tivesse rejeitado a nossa resolução nesse sentido, no momento que se encontrava alguém para a propor.» Os mencheviques e os socialistas-revolucionários, não ousavam, nos primeiros tempos, declarar francamente como eles colocavam a questão do poder diante dos auditórios de operários e de soldados. A resolução de Vyborg, por causa do seu sucesso, foi imprimida e colada em cartazes. Mas o comité de Petrogrado proibiu essa resolução e Vyborg foi obrigada a ceder.

Sobre o conteúdo social da revolução e das perspectivas do seu desenvolvimento, a posição dos dirigentes bolcheviques não deixava de ser confusa. Chliapnikov conta que: «Nós estávamos de acordo com os mencheviques sobre a questão da fase da demolição revolucionária das relações feudalistas e de servidão, às quais se substituiriam todas as especies de «liberdades», particulares aos regimes burgueses.» A Pravda escrevia no seu primeiro número: «A tarefa essencial é... de instituir um reino republicano democrático.» Nas suas instruções aos deputados operários, o comité de Moscovo declarava: «O proletariado visa obter a liberdade afim de lutar pelo socialismo que é o seu objectivo final.» A alegação tradicional de um «objectivo final» sublinha suficientemente a distância histórica em relação ao socialismo. Ninguém passava esse ponto. O temor de passar as fronteiras da revolução democrática ditava uma política de temporização, de adaptação e recuo efectivo diante dos conciliadores.



Não é difícil compreender a penosa influência da sua política que a falta de carácter do centro tinha sobre a província. Limitemo-nos ao testemunho de um dos dirigentes da organização de Saratov: «O nosso partido, que tinha activamente participado na insurreição, deixa visivelmente escapar a sua influência sobre a massa, e esta influência foi interceptada pelos mencheviques e os socialistas-revolucionários. Quais eram as palavras de ordem dos bolcheviques, ninguém sabia nada... O quadro era muito desagradável.»

Os bolcheviques de esquerda, antes de mais os operários, esforçavam-se em romper a quarentena. Mas eles também não sabiam como fazer frente aos argumentos sobre o carácter burguês da revolução e os perigos do isolamento do proletariado. A contra-luz, eles submetiam-se às instruções dos dirigentes. Diversos correntes no bolchevismo, desde do primeiro dia, chocaram violentamente entre si, mas nem um deles não desenvolvia as suas ideias até ao fim. A Pravda reflectia este estado confuso e instável das ideias do partido sem contribuir para a unidade. A situação complicou-se mais em meados de Março, quando regressaram da deportação Kamenev e Estaline que deram uma brusca guinada à direita na política oficial do partido.»

Bolchevique desde do nascimento do bolchevismo, Kamenev manteve-se sempre na ala direita do partido. Não desprovido de preparação teórica e de faro político, possuía uma grande experiência da luta de fracções na Rússia e uma provisão de observações políticas feitas no Ocidente, Kamenev, melhor que muitos outros bolcheviques, compreendia as ideias gerais de Lenine, mas somente para lhe dar na prática uma interpretação tão pacífica que possível. Não se podia esperar dele nem independência na decisão, nem de iniciativa na acção. Notável propagandista, orador, jornalista, pouco brilhante mas reflectido, Kamenev era particularmente precioso nas conversações com os outros partidos e também como iniciador nos outros meios sociais, onde, de tais excursões, ele trazia sempre, à sua conta, algumas parcelas da mentalidade dos diferentes partidos. Esses traços de Kamenev eram de tal forma evidentes que quase ninguém se enganava sobre a sua fisionomia política. Sokhanov nota nele a ausência de «ângulos agudos»: é preciso «sempre rebocá-lo e se ele resiste um pouco, é de pouca duração.» No mesmo sentido pronunciou-se também Stankevitch: as atitudes de Kamenev em relação aos adversários «eram tão moles que, parece, ele próprio tinha vergonha da intransigência da sua posição; no comité ele era, indubitavelmente, não um inimigo, mas somente uma oposição». A isso não há nada a acrescentar.

Estaline representava um outro tipo de bolchevique, tanto pela sua formação mental, como pelo carácter do seu trabalho no partido: sólido organizador primitivo para a teoria e política. Se Kamenev, na qualidade de publicista, viveu um certo número de anos com Lenine na emigração onde se encontrava o foco do trabalho teórico do partido, Estaline, na qualidade do que se chama um activista, sem largos conhecimentos teóricos, sem grandes interesses políticos e sem conhecimento das línguas estrangeiras, era inseparável do chão russo. Tais militantes não iam ao estrangeiro senão em curtas viagens, para receber instruções, combinar tarefas a encetar e voltar à Rússia. Estaline distingui-se entre os activistas pela sua energia, sua teimosia e sua ingenuidade nas manobras nos bastidores. Se Kamenev, por natureza, «intimidava-se» diante das deduções práticas do bolchevismo, Estaline, em contrapartida, tendia a manter deduções práticas que ele assimilava sem qualquer moderação, combinando obstinação e rudeza.

Qualquer que seja a oposição de seus caracteres, não é por acaso que Kamenev e Estaline tomaram, no início da revolução, uma oposição comum: eles completavam-se mutuamente. Uma concepção revolucionária sem vontade revolucionária vale tanto como um relógio cuja mola está quebrada: a agulha política de Kamenev estava sempre atrasada nos problemas revolucionários. Mas a ausência de uma grande concepção política condena o político mais dotado de vontade a irresolução quando surgem acontecimentos grandes e complicados. O empirismo de Estaline está aberto às influências do exterior não do lado da vontade mas do lado do pensamento. É assim que um publicista sem volição e um organizador sem horizonte levaram, em Março, o seu bolchevismo até aos limites do menchevismo. Estaline, nas circunstâncias, encontrou-se ainda menos que Kamenev capaz de ocupar uma posição deliberada no comité executivo onde ele entrou como representante do partido. Não subsiste nos processos verbais ou na imprensa nenhuma proposição, declaração, protesto, pelos quais Estaline teria exprimido o ponto de vista bolchevique em contrapartida da atitude rastejante da «democracia» diante do liberalismo.

Sokhanov disse nas suas Memórias: «Entre os bolcheviques nessa época, além de Kamenev, surgiu, no comité executivo, Estaline... Durante todo o tempo da sua modesta actividade no comité executivo, (ele) produzia – não somente sobre mim – a impressão de uma mancha cinzenta que, por vezes, saltitava, terno e rápidamente apagado. Na verdade, não há nada a acrescentar sobre ele.» Se Sokhanov subestima evidentemente Estaline no conjunto, pelo menos caracteriza exactamente a sua impersonalidade política no comité executivo conciliador.


No 14 de Março, o manifesto «Aos povos do mundo inteiro», que interpretava a vitória da Revolução de Fevereiro segundo os interesses da Entente e significava o triunfo de um novo social patriotismo republicano de marca francesa, foi adoptado unanimemente pelo Soviete. Isso marcava um sucesso indubitável para Kamenev—Estaline, sucesso obtido, aparentemente, sem grande luta. A Pravda escrevia sobre isso que tinha um «compromisso consciente entre as diversas tendências representadas no Soviete». Convinha acrescentar que o compromisso marcava um nítida ruptura com a corrente de Lenine que, no Soviete, não se encontrava de forma nenhuma representado.

O membro da redacção do órgão central no estrangeiro Kamenev, o membro do comité central Estaline e o deputado na Duma, Moranov, igualmente regressado da Sibéria, afastaram a antiga redacção da Pravda demasiado «à esquerda» e, apoiando-se sobre os seus direitos problemáticos, meteram a mão no jornal a partir do 15 de Março. No artigo/programa da nova redacção, declararam que os bolcheviques apoiavam o governo provisório, «na medida onde este combate a reacção e a contra-revolução». Sobre a questão da guerra, os novos dirigentes não se pronunciavam categóricamente: enquanto que o exército alemão obedecesse ao imperador, o soldado russo devia «ficar no seu posto, ripostar a todas as balas e aos obuses». «Nós não adoptamos a palavra de ordem inconsistente «Abaixo a guerra!» Nossa palavra de ordem consiste em exercer uma pressão sobre o governo provisório para o obrigar... a fazer uma tentativa com o objectivo de dispor todos os países beligerantes a abrir imediatamente conversações... Mas, até lá, cada um fica no seu posto de combate!»

As ideias, tal como as formulas, vão totalmente no sentido da defesa nacional. O programa de pressão sobre o governo imperialista com o objectivo de o «dispor» a procedimentos de acção pacífica era o programa de Kautsky na Alemanha, de Jean Longuet em França, de MacDonald na Inglaterra, mas não era de forma nenhuma o programa de Lenine que incitava ao derrube da dominação imperialista. Ao ripostar à imprensa patriótica, a Pravda ia ainda mais longe: «Todo «derrotismo» - escrevia-se nela, ou mais exactamente o que uma imprensa pouco delicada, sob a vigilância da censura czarista, estigmatizava desse nome, morreu no momento onde, nas ruas de Petrogrado, se mostrou o primeiro regimento revolucionário.» Era separar-se nitidamente de Lenine. O «derrotismo» não tinha sido inventado pela imprensa inimiga sob a vigilância da censura, era Lenine que a tinha formulado assim: «A derrota da Rússia, é o mal menor.» A aparição do primeiro regimento revolucionário e mesmo a queda da monarquia não mudava em nada o carácter imperialista da guerra. «No dia da saída do primeiro número da Pravda transformada, no 15 de Março – conta Chliapnikov – foi um dia de jubilação entre os partidários da defesa nacional. Todo o palácio Tauride, desde de gente de negócios do comité da Duma do Estado, até ao próprio centro da democracia revolucionária – o comité executivo retinia uma notícia: a vitória dos bolcheviques moderados, razoáveis, sobre os extremistas. No próprio comité executivo, receberam-nos com sorrisos venenosos... Quando esse número da Pravda chegou nas fábricas, causou uma profunda estupefacção entre os membros do nosso partido e nos simpatizantes, assim que a satisfação sarcástica entre os nossos adversários... A indignação nos bairros foi enorme, e quando os proletários souberam que a Pravda tinha caído nas mãos de três dos seus antigos dirigentes, regressados da Sibéria, exigiram a sua exclusão do partido.»

A Pravda logo foi obrigada a imprimir um veemente protesto dos militantes de Vyborg: «Se o jornal não quer perder a confiança dos bairros operários, ele deve trazer e trará a luz da consciência revolucionária, qualquer que seja a dor para as corujas da burguesia.» Os protestos da base obrigaram a redacção a tornar-se mais circunspecta nas suas expressões, mas a não mudar de política. Mesmo o primeiro artigo de Lenine que pôde intervir do estrangeiro não mudou a consciência da redacção. A orientação ia completamente para a direita. «Na nossa agitação – conta Dingelstedt, representante da ala esquerda – é necessário contar sobre o princípio do duplo poder... e demonstrar a o carácter inelutável desta via contornada a essa massa de operários e de soldados que, durante quinze dias de vida política intensa, era educada na compreensão completamente diferente das suas tarefas.»

A política do partido em todo o país regulava-se naturalmente sobre a Pravda. Nos numerosos sovietes, resoluções sobre questões essenciais eram agora adoptadas unanimemente: os bolcheviques inclinavam-se muito simplesmente diante da maioria soviética. Na conferência de Moscovo, os bolcheviques juntaram-se à resolução dos sociais patriotas sobre a guerra. Enfim, na Conferência pan-russa dos representantes de oitenta e dois sovietes que teve lugar em Petrogrado, no fim de Março e no princípio de Abril, os bolcheviques votaram pela resolução oficial sobre o poder defendida por Dan. Essa aproximação política extremamente pronunciado com os mencheviques situava-se na base das tendências unitárias que se tinham largamente desenvolvidas. Na província, os bolcheviques e os mencheviques unificavam-se nas organizações comuns. A fracção Kamenev—Estaline transformava-se cada vez mais numa ala esquerda da dita democracia revolucionária e incorporava-se no mecanismo de «pressão», nos bastidores parlamentares, sobre a burguesia, que ela completava por uma pressão, nos bastidores, sobre a democracia.

Os membros do comité central que residiam no estrangeiro e a redacção do órgão central, o Social-democrata, constituía o centro espiritual do partido. Lenine, com Zinoviev na qualidade de auxiliar, fazia todo o trabalho de direcção. As obrigações do secretariado, extremamente cheias de responsabilidades, eram cumpridas pela mulher de Lenine, Krupskaia. Nesse trabalho prático, esse pequeno centro apoiava-se na ajuda de algumas dezenas de bolcheviques emigrados. O afastamento da Rússia tornava-se, no decurso da guerra, tanto mais insuportável que a polícia da Entente apertava cada vez mais os entraves. A explosão da revolução, há muito esperada, foi imprevista. A Inglaterra recusou categóricamente aos imigrados internacionalistas, dos quais ela mantinha metódicamente em dia as listas, de os deixar passar para a Rússia. Lenine exasperava-se, numa gaiola de Zurique, a procurar um saída. Numa centena de planos elaborados um após outro, teve que atravessar com o passaporte de um escandinavo surdo-mudo.

Ao mesmo tempo, Lenine não perde uma ocasião de ouvir, da Suíça, a sua voz. Desde do 6 de Março, telegrafou, por Estocolmo, para Petrogrado: «Nossa táctica: desafio completo, nenhum apoio ao novo governo: desconfiemos de Kerensky: armamento do proletariado – única garantia: eleições imediatas à Duma de Petrogrado: nenhuma aproximação com outros partidos.» Só a exigência de eleições à Duma, e não ao Soviete, tinha nesta primeira directiva um carácter episódico e foi logo rejeitada: os outros pontos, formulados nos temos categóricos de um telegrama, desenham já inteiramente a direcção geral da política. Além disso, Lenine começa a enviar à Pravda as suas Cartas de longe que, continham uma análise inacabada da situação revolucionária. Os notícias dadas pelos jornais do estrangeiro permitiram-lhe logo concluir que o governo provisório, com a assistência directa não somente de Kerensky, mas também de Tschkheidze, engana não sem sucesso os operários, ao apresentar a guerra imperialista como uma guerra de defesa nacional. No 17 de Março, ele expediu por intermediário de amigos em Estocolmo uma carta cheia de apreensões. «O nosso partido se desonraria para sempre, se suicidaria políticamente, se ele admitisse semelhante impostura... Eu preferia mesmo uma cisão imediata com qualquer um do nosso partido em vez de ceder ao social-patriotismo...» Após esta ameaça, aparentemente impessoal, portanto calculada para atingir certas pessoas, Lenine esconjura: «Kamenev deve compreender que em cima dele cai uma responsabilidade histórica de importância mundial.» Kamenev é designado porque se trata de questões de princípio da política. Se Lenine tivesse como perspectiva uma tarefa prática de combate, ele ter-se-ia lembrado logo de Estaline. Mas justamente no momento onde Lenine se esforçava de transmitir, através da Europa fumegante, para Petrogrado, a tensão da sua vontade, Kamenev, com o concurso de Estaline, voltava bruscamente para o social-patriotismo.

Diversos planos – perucas, maquilhagem, passaportes falsos ou emprestados – caiam uns após outros, irrealizáveis. Ao mesmo tempo afirmava-se cada vez mais concretamente a ideia da passagem pela Alemanha. Esse plano assustava a maior parte dos emigrados e não somente os patriotas. Martov e os outros mencheviques não ousaram juntar-se à audaciosa iniciativa de Lenine e continuaram a bater inutilmente às portas da Entente. Recriminações sobre a passagem pela Alemanha foram feitas por numerosos bolcheviques, por causa das dificuldades que o «vagão blindado» suscitou no domínio da agitação. Lenine, desde do início não tinha esquecido as dificuldades futuras. Krupskaia escrevia ao mesmo tempo antes da partida de Zurique: «Bem entendido, na Rússia, os patriotas irão gritar, mas somos forçados a estar preparados.» A questão colocava-se assim: ou ficar em Suíça, ou passar pela Alemanha. Nenhuma outra via não estava aberta. Lenine poderia hesitar mais um minuto? Exactamente um mês mais tarde, Martov, Axelrod e outro tiveram que se comprometer a seguir Lenine.



Na organização dessa viagem insólita através de um país inimigo em tempo de guerra afirmava-se os traços essenciais de Lenine como homem político: a ousadia do projecto e uma meticulosa circunspecção no exercício. Nesse grande revolucionário vivia um notário pretencioso que, portanto, conhecia o seu lugar e empreendia a redacção do seu acto no momento onde isso podia ajudar à destruição de todos os actos notariais. As condições da passagem através da Alemanha, elaboradas com o máximo cuidado, deram lugar a um tratado original internacional entre a redacção de um jornal de emigrados e o império do Hohenzollern. Lenine exigia para o transito um direito absoluto de extraterritorialidade: nenhum controlo sobre o contingente dos viajantes, seus passaportes e sua bagagens, ninguém tem o direito de entrar no meio do percurso no vagão (daí a legenda do vagão «blindado»). Pelo seu lado, o grupo de emigrados comprometia-se a reclamar que se libertasse da Rússia um número correspondente de prisioneiros civis, alemãs e austro-húngaros.

Em colaboração com alguns revolucionários estrangeiros uma declaração foi elaborada: «Os internacionalistas russos que... regressam agora à Rússia para servir a revolução ajudar-nos-ão ao levantamento dos proletários dos outros países, em particular os proletários da Alemanha e da Áustria, contra seus governos.» Assim falava o processo verbal assinado por Loriot e Guilbeaux pela França, por Paul Lévy pela Alemanha, por Patten pela Suíça, pelos deputados suecos de esquerda, etc.. Nessas condições e com essas precauções, partiram da Suíça, no fim do mês de Março, trinta emigrados russos, no meio de vagões de munições – eles próprios sendo um cargamento explosivo de extraordinária potência.

Na sua Carta de adeus aos operários suíços, Lenine lembrava a declaração feita pelo órgão central dos bolcheviques durante o Outono de 1915: se a revolução leva na Rússia ao poder um governo republicano desejando continuar a guerra imperialista, os bolcheviques opor-se-ão à defesa da pátria republicana. Actualmente, apresenta-se esta situação. «A nossa palavra de ordem: nenhum apoio ao governo Gotchkov—Miliokov.» Falando assim, Lenine colocava o pé no território da revolução.

Os membros do governo provisório não se aperceberam portanto de qualquer motivo para se alarmarem. Nabokov conta isto: «Numa sessão do governo provisório, em Março, durante uma suspensão, então que se continuava a discutir a propaganda bolchevique que se desenvolvia cada vez mais, Kerensky declarou com um riso histérico que lhe era habitual: «Esperai um pouco, o próprio Lenine vem aí, e então isso vai tornar-se sério...» Kerensky tinha razão: esperava-se ainda que isso se tornasse sério. Todavia, os ministro, segundo Nabokov, não viam razão de se inquietar: «O facto que Lenine se tenha dirigido à Alemanha enfraquecerá a sua autoridade que não há razão a temer.» Como era do seu género, os ministros eram bastante perspicazes.

Os amigos e disciplos foram ao encontro de Lenine na Finlandia. «Logo após ter entrado no compartimento e de se ter assentado no banco – conta Raskolnikov, jovem oficial da marinha e bolchevique – Vladimir Illitch caiu logo sobre Kamenev: - O que é que você escreve na Pravda? Nós vimos alguns números e injuriámos você...» Tal foi o reencontro após vários anos de separação. O que não impediu que ele fosse cordial.

O comité de Petrogrado, com a ajuda da organização militar, tinha mobilizado vários milhares de operários e soldados para receber solenemente Lenine. Uma divisão amigável disposta, a dos autos blindados, tinha enviado para a ocasião todas as suas máquinas. O comité decidiu ir à gare com as tripulações de guerra: a revolução tinha já despertado uma paixão por esses monstros obtuses que é tão vantajoso ter do seu lado nas ruas de uma cidade.

A descrição do encontro oficial que teve lugar na sala dita «imperial» da gare da Finlandia constitui uma página muito viva nas Memórias de numerosos tomos espessos de Sokhanov. «Na sala imperial entrou, ou melhor, acorreu Lenine, trajando um chapéu melão, de rosto imóvel, tendo na mão um magnífico ramo de flores. Parando sua marcha no meio da sala, colocou-se diante de Tchkheidze como se tivesse chocado com um obstáculo inesperado. E aí, Tchkheidze, sem abandonar o seu ar triste, pronunciou o «saudação» seguinte, mantendo não somente no espírito, não somente à redacção, mas ao tom de uma lição de moral: «Camarada Lenine, em nome do Soviete de Petrogrado e de toda a Revolução, saudamos a sua chegada à Rússia... Mas consideramos que a tarefa principal da democracia revolucionária é agora defender a nossa revolução de todos os atentados que poderiam lhe ser feitos contra ela, tanto do interior como do exterior... Nós esperamos que com nós você continuará esses objectivos.» Tchkheidze calou-se. Diante deste discurso inesperado, eu fiquei desconcertado... Mas Lenine, evidentemente, sabia muito bem como se comportar diante de tudo isso. A sua atitude era a de um homem que nada toca do que se passa à volta dele: ele olha de um lado e de outro, examinou os rostos, levou o olhar até ao tecto da sala «imperial», compondo o seu ramo (que não concordava nada com o conjunto da sua pessoa, e, seguidamente, voltando as costas à delegação do comité executivo, «respondeu» assim: «Caros camaradas, soldados, marinheiros e operários, estou feliz ao saudar em vocês a revolução russa vitoriosa, saudá-los como a vanguarda do exército proletário mundial... A hora não estará longe onde, ao apelo do nosso camarada Karl Liebknecht, os povos voltarão as armas contra os capitalistas exploradores... A revolução russa realizado por vós abriu uma nova época. Viva a revolução socialista mundial!...»

Sokhanov tem razão, - o ramo de flores concordava mal com o conjunto da fisionomia de Lenine, estorva-o indubitavelmente e incomodava-o como um objecto sem sentido no ambiente severo. E, além disso, Lenine não gostava de flores em ramo. Mas devia ser de estar ainda mais incomodado por esta recepção oficial e hipocritamente moralizadora num sala de aparato da gare. Tchkheidze valia melhor que o seu discurso de recepção. Ele tinha um pouco medo de Lenine. Mas tinha-no persuadido que era preciso metê-lo na ordem logo à chegada, «o sectário». Para completar o discurso de Tchkheidze, que provava o nível lamentável da direcção, um jovem oficial das tripulações da frota, falando em nome dos marinheiros, teve essa boa ideia de desejar que Lenine se tornasse membro do governo provisório. Foi assim que a Revolução de Fevereiro, frouxa, prolixa e ainda ingénua, recebia um homem que tinha vindo com a firme intenção de lhe impor pensamento e vontade. Já, essas primeiras impressões de Lenine, aumentando muito a inquietude que ele tinha ao chegar, provocaria um sentimento de protesto dificilmente contida. Mais valia arregaçar as mangas depressa. Ao apelar a Tchkheidze, aos marinheiros e aos soldados, à defesa da pátria, à revolução internacional, do governo provisório a Liebknecht, Lenine só fazia, na gare, uma pequena repetição de toda a sua política ulterior.

E, portanto, esta revolução pacóvia adoptou no primeiro momento e sólidamente o líder no seu seio. Os soldados exigiram que Lenine tomasse lugar sobre um dos autos blindados e ele obedeceu. A noite que caía deu ao cortejo um carácter particularmente imponente. As luzes dos outros auto blindados estando apagadas, as trevas eram furadas pela luz clara dos faróis da viatura na qual viajava Lenine. A luz projectada destacava na escuridão das ruas grupos agitados de operários, de marinheiros, desses mesmos que tinham realizado a maior das insurreições, mas que tinham deixado o poder escapar-se entre seus dedos. A fanfara militar deixou de tocar, várias vezes, durante o percurso, para dar a Lenine a possibilidade de repetir, com variantes, o discurso pronunciado na gare diante de novos auditores. «O triunfo foi espantoso – dise Sokhanov – e mesmo bastante simbólico.»

No palácio de Kszesinka, quartel general bolchevique no ninho sedoso da bailarina da Corte - esta justaposição devia divertir a ironia de Lenine sempre desperta – recomeçaram os cumprimentos. Era demasiado. Lenine aguentou chuvas de elogios de forma que um peão impaciente suporta a chuva debaixo do limiar de um portão de garagem. Ele sentia que se alegravam com a sua chegada, mas irritava-o esta alegre grande eloquência. O próprio tom das felicitações oficiais parecia imitado, fingido, numa palavra emprestada à democracia pequeno-burguesa, declamadora, sentimental e falaciosa. Ele via que a revolução, não tendo ainda determinado as suas tarefas e o seu caminho, tinha já instituido a sua etiqueta aborrecida. Ele sorria com uma bonomia zangada, consultando seu relógio, e por instantes, não se incomodava provavelmente de bocejar. As palavras do último arengo tinham apenas deixado de entoar quando o insólito aconteceu vazando sobre o auditório uma cascata de ideias apaixonantes que ressoavam demasiadas vezes como chicotadas.

Nesse tempo, a arte da estenografia ainda não tinha sido descoberta pelos bolcheviques. Ninguém tomava notas, todos estavam absorvidos por aquilo que se passava. O discurso não subsistia, só ficou uma impressão geral nas lembranças dos auditores, mas esta mesma impressão geral foi modificada pelo tempo: o entusiasmo foi crescendo, o pavor diminui. Portanto, a impressão principal, mesmo entre os mais próximos de Lenine, era precisamente este terror. Toda as formulas habituais que, parecia, tinha adquirido num mês uma solidez inquebrável graças aos inumeráveis repetições, caíam uns após outros diante do auditório. A curta réplica de Lenine, na gare, enviada por cima da cabeça de Tchkhedze embaraçado, foi aqui desenvolvida num discurso de duas horas dirigido directamente aos quadros bolcheviques de Petrogrado.

Por acaso, a título de convidado, admitido graças à boa vontade de Kamenev – Lenine tinha horror dessas indulgencias – assistia a essa sessão o sem partido Sokhanov. Foi assim que nós temos uma descrição, feita por um observador do lado, meio hostil, meio entusiasta, do primeiro encontro de Lenine com os bolcheviques de Petrogrado.

«Nunca mais esquecerei esse discurso trovejante, que fez tremer e deixou estupefactos não só a mim, herético chegado lá por acaso, mas também todos os ortodoxos. Afirmo que ninguém não esperava nada igual. Parecia que, das suas tocas, se levantassem todos os elementos e que o espírito da destruição universal, não conhecia limites, nem dúvidas, nem dificuldades humanas, nem cálculos humanos, planava no salão de Kszesinska sobre as cabeças dos disciples embruxados.»

Dificuldades e cálculos humanos, para Sokhanov, são principalmente as hesitações do pequeno círculo da redacção da Novaia Jisn, ao tomar o chá na casa de Máximo Gorki. Os cálculos de Lenine eram mais profundos. Não eram elementos que rondavam sala, era um pensamento humano que não intimidavam os elementos que se esforçavam por os compreender para os dominar. Mas, pouco importa: a impressão está dada de forma viva.

«Quando meus camaradas e eu chegámos aqui – dizia Lenine, segundo Sokhanov – pensei que nos conduzissem directamente da gare à fortaleza de Pedro e Paulo. Como se vê, estamos longe disso. Mas nós não perdemos esperança de escapar a isso ainda e de a evitar.» No momento onde, para outros, o desenvolvimento da revolução equivalia à consolidação da democracia, para Lenine a perspectiva mais imediata era de voltar para a fortaleza de Pedro e Paulo. Disseram que era uma sinistra piada. Mas Lenine não se dispunha de forma nenhuma a brincar, e a revolução menos que ele.

Sokhanov queixou-se: «Ele rejeitou a reforma agrária pela via legislativa assim como o resto da política do Soviete. Ele proclama a confiscação organizada da terra pelos camponeses, sem demora... qualquer que fosse o poder do Estado.»

 
«Nós não necessitamos de uma república parlamentar, nós não precisamos de uma democracia burguesa, nem de nenhum governo fora dos sovietes de deputados operários, soldados e operários agrícolas!»

Ao mesmo tempo, Lenine afastava-se claramente da maioria soviética, rejeitando-a no campo dos adversários. «Nesse período, não era necessário muito para o auditor ter vertigem!»

«Só, a esquerda de Zimmerwald preside a defesa dos interesses proletários e da revolução mundial – exclamava Sokhanov, traduzindo com indignação as ideias de Lenine. Os outros, são sempre os mesmos oportunistas que pronunciam belos discursos, mas, na realidade,... atraiçoam a causa do socialismo e das massas operárias.»

«Ele cai resolutamente sobre a táctica precedente aplicada pelos grupos dirigentes do partido e certos camaradas antes da sua chegada», acrescenta Rskolnikov às palavras de Sokhanov. «Aqui estavam presentes o maiores militantes responsáveis do partido. Mas, para eles também, o discurso de Illitch era uma verdadeira revelação. Ele traçou o Rubicão entre a táctica da véspera e a do dia.» O Rubicão, como veremos, não foi traçado de uma só vez.

Não houve debates sobre o relatório: todos estavam demasiado atordoados e cada um tinha vontade de juntar pelo menos os seus pensamentos. «Saí para a rua – termina Sokhanov: a minha sensação era de ter recebido, nessa noite, pancadas na cabeça. Uma só coisa era clara: não, eu, selvagem, não caminharei com Lenine!» Acreditamos!

No dia seguinte, Lenine apresentou ao partido uma breve exposição escrita das suas ideias que se tornaram um dos mais importantes documentos da revolução, sob a denominação de «Teses de Abril». As teses exprimiam pensamentos simples, em termos simples e acessíveis a todos. «A república que saiu da insurreição de Fevereiro não é a nossa república, e a guerra que trava não é a nossa guerra. A tarefa para os bolcheviques é de derrubar o governo imperialista. Mas este mantém-se graças ao apoio dos socialistas-revolucionários e dos mencheviques, os quais se apoiam na confiança das massas populares. Estamos em minoria. Nessa condições, está fora de questão um acto de força da nossa parte. É necessário ensinar às massas a não se fiar nos conciliadores e nos partidários da defesa nacional. «É preciso dar pacientemente explicações.» O sucesso de uma tal política, imposta pelo conjunto das circunstâncias, é garantido e nos levará à ditadura do proletariado, consequentemente nos conduzirá para além do regime burguês. Nós queremos romper totalmente com o capital, publicar seus tratados secretos e incitar os operários do mundo inteiro a quebrar com a burguesia e a liquidar a guerra. Nós começamos a revolução internacional. Só o sucesso desta revolução consolidará a nossa, e assegurará a passagem ao regime socialista.

As teses de Lenine foram publicadas em seu nome, e somente em seu próprio nome. As instituições centrais do partido acolheram-as com um hostilidade que misturava estupefacção. Ninguém – nem organização nem grupo, nem nenhum militante – não juntou a sua assinatura. Mesmo Zinoviev, que tinha chegado com Lenine do estrangeiro onde o seu pensamento se tinha formado, durante dez anos sob a influência directa e diária de Lenine, afastou-se em silêncio. E esse afastamento não foi surpreendente para o mestre que conhecia demasiado bem o seu próximo disciple. Se Kamenev era um propagandista divulgador, Zinoviev era um agitador, e mesmo, segundo a expressão de Lenine, era só isso. Par era um líder, faltava-lhe demasiado sentimento da responsabilidade. Mas não era só isso que lhe faltava. Desprovido de disciplina interior, seu pensamento era completamente incapaz d trabalho teórico e dissolveu-se na instituição informe do agitador. Graças à um faro excepcionalmente subtil, ele apanhava tudo no ar, as formulas que ele necessitava, isto é as que lhe ajudavam a mais efectiva acção sobre as massas. E como jornalista, e como orador, era invariavelmente um agitador, com a diferença que, nos seus artigos, mostra-se sobretudo pelos seus lados fracos, enquanto que nos seus discursos os lados fortes ganham. Muito mais audacioso e desenfreado na agitação que qualquer outro bolchevique, Zinoviev é ainda menos capaz que Kamenev de uma iniciativa revolucionária. É irresoluto, como todos os demagogos. Tendo trocado a arena dos conflitos de fracções pelas lutas de classes imediatas, Zinoviev separava-se quase involuntariamente do seu mestre.

Nesses últimos anos, as tentativas não foram numerosas para demonstra que a crise de Abril do partido tinha sido um deslize passageiro e quase acidental. Tudo isso afundou-se no primeiro contacto com os factos.
Já, o que nós sabemos da actividade do partido no decurso de Março, nos mostra uma contradição muito profunda entre Lenine, a contradição tinha atingido a sua mais alta tensão. Ao mesmo tempo que a conferência pan-russa dos representantes dos oitenta e dois sovietes, onde Kamenev e Estaline votavam por uma resolução sobre o poder deposta pelos socialistas-revolucionários e mencheviques, teve lugar em Petrogrado a conferência do Partido, composta de bolcheviques vindos de todos os pontos da Rússia. Para caracterizar as tendências e as opiniões do partido, ou mais exactamente da sua camada superior, tal como ela saiu da guerra, a conferência à qual compareceu Lenine como ela terminava, apresentando um interesse completamente excepcional. A leitura dos processos verbais, não publicados até a esse dia, suscita mais que uma vez a admiração: era o partido representado por esses delegados que em sete meses mais tarde deveria tomar o poder com mão de ferro?

Desde da insurreição, um mês tinha passado – um longo período para uma revolução como para uma guerra, todavia, no partido, as opiniões não se tinham ainda clarificado sobre as questões mais essenciais da revolução. De patriotas extremos, tais que Voitinsky, Eliav, e outro participavam na conferência ao lado dos que se consideravam como internacionalistas. A percentagem de patriotas declarados incomparavelmente menor que entre os mencheviques, era contudo importante. A conferência, no seu conjunto, não resolveu a questão: cisões com os seus próprios patriotas ou união com os patriotas do menchevismo. No decurso de uma interrupção de sessão da conferência bolchevique, teve lugar uma reunião comum de bolcheviques e de mencheviques, delegados da conferência dos sovietes, para discutir a questão da guerra. O mais fogoso menchevique patriota, Liber, declarou nessa assembleia: «A distinção feita há pouco entre bolcheviques e mencheviques deve ser afastada e é preciso somente falar da nossa atitude em relação à guerra.» O bolchevique Voitinsky não tardou a proclamar que ele estava pronto a apoia as palavras de Liver. Todos juntos, bolcheviques e mencheviques, patriotas e internacionalistas, procuravam uma formula comum exprimindo a sua atitude em relação à guerra.

As opiniões da conferência bolchevique encontraram indubitavelmente a sua expressão mais adequada no relatório de Estaline sobre a atitude em relação do governo provisório. É indispensável citar aqui a ideia central do relatório que, até ao presente, não tinha sido publicado em parte alguma, nem mais que os processos verbais no seu conjunto. «O poder é partilhado ente dois órgãos cujo todo o poder ninguém possui. Fricções e uma luta entre eles existem e devem ser. Os papeis são partilhados. O Soviete tomou a iniciativa das transformações revolucionárias: o Soviete é o líder revolucionário do povo rebelado, órgão controlando o governo provisório. Mas o governo provisório tomou de facto o papel de consolidar as conquistas do povo revolucionário. O Soviete mobiliza as forças, exerce um controlo. O governo provisório, resistente, atrapalhado, pretende consolidar as conquistas que o povo efectivamente fez. Esta situação tem lados negativos, mas ela também tem positivos: nós não temos mais por agora que forçar a marcha dos acontecimentos ao acelerar o processo de expulsão das camadas burguesas que inevitavelmente, deverão se desligar de nós.»

As relações entre a burguesia e o proletariado desenham-se pelo relator, que se situou acima das classes, como uma simples divisão de trabalho. Os operários e os soldados realizam a revolução, Gotchkov e Miliokov «consolidam-na». Nós reconhecemos aqui a concepção tradicional do menchevismo, inexactamente copiada nos acontecimentos de 1789. São precisamente os líderes do menchevismo que caracterizam esta atitude de inspectores diante do proceso histórico, esta maneira de distribuir as tarefas às classes diversas e de criticar com um tom protector a sua execução. Esta ideia que seria desvantajoso de levar à disjunção entre a burguesia e a revolução foi sempre o critério mais elevado de toda a política dos mencheviques. Na realidade, isso significava: embotar e enfraquecer o movimento de massas para não assustar os liberais aliados. Enfim, a conclusão de Estaline sobre o governo provisório liga-se inteiramente à formula equívoca dos conciliadores: «Na mediada onde o governo provisório consolide os progressos da revolução, é necessário apoiá-lo: na medida onde esse governo é contra-revolucionário, é inadmissível que seja apoiado.»

O relatório de Estaline foi lido no dia 29 de Março. No dia seguinte, o relator oficial da conferência soviética, os social democrata sem partido Stieklov, preconizava a mesma assistência condicional ao governo provisório, traçou, no calor do entusiasmo, um tal quadro da actividade dos que «consolidam» a revolução – resistência às reformas sociais, objectivos monárquicos, protecção cedida às forças contra-revolucionárias, apetites de anexação – que a conferência bolchevique, alarmada, rejeitou a formula de apoio. O bolchevique de direita Noguine declarou: O relatório de Stieklov trouxe uma ideia nova: é claro que presentemente deve-se falar não do apoio mas da oposição.» Skrynik concluiu igualmente que segundo o relatório de Stieklov «muito tinha mudado: impossível falar de um apoio ao governo. Há conspiração do governo provisório contra o povo e a revolução.» Estaline que, na véspera esboçava um quadro idílico da «divisão do trabalho» entre o governo e o Soviete, considerou-se obrigado a suprimir o artigo relativo ao apoio.

Debates curtos e pouco profundos continuaram à volta da questão de saber se apoiava o governo provisório «na medida onde...» ou somente os actos revolucionários do governo provisório. Um delegado de Saratov, Vassiliev, declarava não sem razão: «A atitude em relação ao governo provisório é a mesma em todos.» Kerensky formulou a situação ainda mais cruamente: «Não há desacordos sobre as acções práticas de Estaline e Voitinsky.» Ainda que Voitinsky tivesse, logo após a conferência, passado para os mencheviques, Krestinsky não estava errado completamente: ao retirar a menção explicita de apoio, Estaline não suprimia o próprio apoio. Tentou colocar a questão de princípio a Krassikov, um desses velhos bolcheviques que se tinham afastado do partido durante numerosos anos e que, agora, cheio de experiências da vida, tentava voltar às suas fileiras. Krassikov não tinha medo de tomar o boi pelos cornos: vocês não têm intenção de estabelecer a ditadura do proletariado? Perguntava ironicamente. Mas a conferência deixou a ironia de lado, e a questão ao mesmo tempo, como não merecendo atenção. A resolução da conferência pedia à democracia revolucionária de exortar o governo provisório «à luta mais enérgica pela completa liquidação do antigo regime», isto é reservava ao partido proletário um papel de dama de companhia junto da burguesia.

No dia seguinte foi discutida uma proposição de Tsertelli sobre a fusão dos bolcheviques e mencheviques. Estaline considerou este convite com inteira simpatia: «Devemos marchar. É indispensável fixar as nossas proposições sobre a linha de unificação. A unificação é possível sobre a linha Zimmerwald-Kienthal.» Molotov, que tinha sido expulso por Kamenev e Estaline da redacção da Pravda por ter dado uma direcção demasiado radical ao jornal, formulou objecções: Tseretelli deseja unificar elementos de toda a especie, ele próprio também se diz Zimmerwaldiano, a fusão sobre esta linha é um erro mas Estaline teimava na sua ideia: «Não convém, dizia, antecipar e de prevenir os diferendos. Sem acordo, não há vida de partido. No interior do partido, nós eliminaremos os pequenos desacordos.»

Toda a luta que Lenine tinha travado, durante os anos de guerra, conta o social patriotismo e a sua camuflagem pacifista, era reduzida a nada. Em Setembro de 1916, Lenine escrevia com particular insistência por intermediário de Chliapnikov, em Petrogrado: «O espírito de conciliação e de unificação que é o que existe de mais nocivo para um partido operário na Rússia: não somente é uma idiotia, mas é a perca do partido... Nós não podemos contar senão sobre os que compreenderam o engodo da ideia de unidade e toda a necessidade de uma cisão com essa confraria (os Tchkheidze e companhia) na Rússia.» Este aviso não tinha sido compreendido. As dissensões com Tseretelli líder do bloc soviético dirigente, eram apresentados por Estaline como pequenos desacordos que se poderiam «eliminar» do interior de um partido comum. Esse critério deu a melhor avaliação das opiniões de então do próprio Estaline.

No 4 de Abril, no Congresso do partido, apareceu Lenine. O seu discurso, comentando as «teses», passa sobre os trabalhos da Conferência como a esponja húmida do mestre que apaga o quadro o que escreve o aluno embaraçado.

«Porque não se tomou o poder? Pergunta Lenine.

Na Conferência dos sovietes, Stieklov, um pouco antes, tinha explicado em termos confusos os motivos evocados para se abster do poder: a revolução burguesa é uma primeira etapa, - há a guerra, etc.. «São imbecilidades, declarou Lenine. O assunto reside nisto que o proletariado não é suficientemente consciente nem suficientemente organizado. É necessário reconhecer. A potência material está nas mãos do proletariado, mas a burguesia encontrava-se lá, consciente e preparada. É um facto monstruoso, mas é indispensável reconhecê-lo abertamente e francamente e declarar ao povo que não tomámos o poder porque não estávamos organizados, nem conscientes.»

O plano da objectividade mentirosa, atrás da qual escondiam-se os cobardes da política, Lenine transpunha todas as questões sobre o plano subjectivo. O proletariado não tomou o poder em Fevereiro porque o partido dos bolcheviques não esteve à altura das tarefas objectivas e não tinha podido impedir os conciliadores de expropriar politicamente as massas populares em proveito da burguesia.

Na véspera, o advogado Krassikov lançava o desafío: «Se estimamos que o momento chegou para realizar a ditadura do proletariado, é portanto assim que é necessários meter a questão. A força física, no sentido da tomada do poder, nós a temos indubitavelmente.» O presidente retirou então a palavra a Krassilov, alegando que se ocupariam das tarefas práticas e que a questão da ditadura não tinha lugar nesse debate. Mas Lenine considerando que a única tarefa prática era precisamente a questão de preparar a ditadura do proletariado. «A particularidade do momento actual na Rússia- dizia ele nas teses – é marcar uma transição entre a primeira etapa da revolução que deu o poder à burguesia no seguimento da insuficiência de pensamento consciente e de organização do proletariado, e a sua segunda etapa que deve trazer o poder às mãos do proletariado e das camadas mais pobres do campesinato.»

A Conferência, seguindo a Pravda, limitava as tarefas da revolução às reformas democráticas, realizáveis pela Assembleia constituinte. Em contrapartida, Lenine declarou: «A vida e a revolução rejeitam a Assembleia constituinte para último lugar. A ditadura do proletariado existe, mas não sabem o que fazer com isso.»

Os delegados interrogavam-se, se olhando. Eles diziam entre eles que Illitch, eternizando-se no estrangeiro, não tinha visto as coisas bastante de perto, não as tinha discernido. Mas o relatório de Estaline sobre uma sábia decisão do trabalho entre o governo e o Soviete caiu logo e para sempre no insondável passado. O próprio Estaline calou-se. Doravante ele deveria calar-se por muito tempo. Só Kamenev continuará a defender-se.

Já, de Genebra, Lenine avisava por carta que ele estava pronto a romper com qualquer um que aceitasse as concessões sobre as questões da guerra, do chauvinismo e de uma conciliação com a burguesia. Agora, frente a frente com a camada dirigente do partido, ele desencadeia o ataque sobre toda a linha. Mas, inicialmente, ele não nomeia ninguém entre os bolcheviques. Se for necessário um exemplo vivo de falsidade e de equívoco, ele indica com o dedo os sem partido, Stieklov ou Tchkheidze. É o procedimento habitual de Lenine: nunca colar ninguém prematuramente à sua posição para lhe dar a possibilidade aos mais prudentes de se retirarem antes da batalha e, assim, enfraquecer os futuros adversários declarados. Kamenev e Estaline consideravam que participando na guerra após a revolução de Fevereiro, o soldado e o operário defendiam a revolução. Lenine considera que o soldado e o operário, como antes, participam na guerra como escravos submetidos ao capital. «Mesmo os nossos bolcheviques – diz ele, restringindo o círculo à volta dos adversários – manifestam confiança ao governo. Isso só se pode explicar pelo delírio da revolução. É correr para a perca do socialismo... Se assim é não caminharemos juntamente. Gosto mais ficar em minoria.» Não é uma simples ameaça do orador. É uma diligência claramente meditada até às suas consequência.

Sem nomear Kamenev nem Estaline, Lenine é portanto forçado a nomear o jornal: «A Pravda exige do governo que ele renuncie às anexações, é uma inépcia, uma gritante derisão...» Uma indignação contida trai-se aqui por uma nota alta. Mas o orador reprende-se logo: ele quer dizer nada mais do que o mínimo indispensável, nada de mais. De passagem, deslizando, Lenine dá inigualáveis regras de política revolucionária: «Quando as massas declaram que elas não querem conquistas, acredito-as. Quando Gotchkov e Lvov declaram que não querem conquista, eles mentem. Quando o operário diz que quer a defesa do país, o que fala nele, é o instinto do oprimido.» Esse critério, para o designar pelo seu nome, parece simples como a própria vida. Mas a dificuldade é designá-lo no proprio tempo pelo seu nome.

A propósito do Manifesto do Soviete «Aos povos do mundo inteiro», que forneceu o pretexto à Rietch liberal de declarar no seu tempo que o tema do pacifismo se desenvolvia entre nós numa ideologia comum com a dos nossos aliados, Lenine exprimiu-se com mais precisão e vivacidade: «O que é particular à Rússia, é uma transição a passo de gigante de uma opressão selvagem a mais subtil impostura.»

«Este apelo – escrevia Estaline sobre o Manifesto – se ele atinge as largas massas (do Ocidente), trazer-à sem dúvida centenas e milhares de operários à palavra de ordem esquecida: «Proletários de todos os países, uni-vos.»

«O apelo do Soviete – respondeu Lenine: não há uma só palavra com sentido da consciência de classe. Só há lá fraseologia.» O documento do qual estavam muito orgulhosos os zimmerwaldianos que nunca tinham saído de casa era aos olhos de Lenine um dos instrumentos da «mais subtil impostura».

Antes da chegada de Lenine, a Pravda não mencionava geralmente a esquerda de Zimmerwald. Falando da internacional, ela não indicava qual. É o que Lenine chamava o «kautskysmo» da Pravda. «Em Zimmerwald e Kienthal declara na conferência do partido – o centro obteve a preponderância... Existe uma corrente da esquerda de Zimmerwald em todos os países do mundo. As massas devem discernir que o socialismo está dividida no mundo inteiro...»

Três dias antes, Estaline proclamava-se, nessa mesma conferência, completamente disposto a eliminar os desacordos com Tseretelli, na base de Zimmerwald-Kienthal, isto é sobre as bases do kautskysmo. «Soube que na Rússia manifesta-se uma tendência unificadora – dizia Lenine: unir-se com os partidários da defesa nacional, é trair o socialismo. Penso que é melhor ficar só como Liebknecht. Só contra cento e dez». A acusação de trair o socialismo, por enquanto ainda sem designação de pessoas, não é simplesmente uma palavra dura: ela exprime integralmente a atitude de Lenine em relação aos bolcheviques que estendem um dedo aos sociais-patriotas. Em oposição a Estaline, que julga possível fusionar com os mencheviques, Lenine considera intolerável que se mantenha em comum com eles o nome de social-democracia. «Falando em meu nome pessoal - declara – proponho mudar a denominação do partido, de nos nomearmos Partido comunista.» «Em meu nome pessoal», isso significa que ninguém, nem um membro da Conferência, não consentia a esse gesto simbólico de uma ruptura com a II internacional.

«Temem trair as vossas lembranças?» Diz o orador aos delegados desconcertados, embaraçados, parcialmente indignados. Mas chegou o momento «de mudar de linha, é preciso retirar a camisa suja e meter uma lavada». E insiste de novo: «Não vos agarreis a uma velha palavra de ordem que está completamente podre. Se vós quereis edificar um novo partido... todos os oprimidos virão a vós.»

Diante da grandiosa tarefa a iniciar, diante dos problemas das ideias nas suas próprias fileiras, o pensamento do tempo estúpidamente perdido em recepções, em felicitações, em resoluções rituais arranca ao orador esta queixa: «Basta de felicitações, de resoluções, é tempo de se meter ao trabalho, de empreender um trabalho eficaz e reflectido.»

Uma hora depois, Lenine foi obrigado a repetir o seu discurso numa reunião geral, fixada previamente, dos bolcheviques e dos mencheviques, e o seu arengo pareceu à maioria dos auditores ser qualquer coisa entre o delírio e a zombaria. Os mais indulgentes encolhiam os ombros. Este homem tinha evidentemente caído da Lua: após a ausência de dez anos, apenas desceu os degraus do patamar da gare de Finlandia, eis que prega a tomada do poder pelo proletariado. Os menos complacentes dos patriotas lembravam o vagão blindado. Stankenvitch testemunha que o discurso de Lenine contenta muito os seus adversários: «Um homem que diz tais asneiras não é perigoso. Ainda bem que ele chegou: agora, só temos que o ver:... agora, é ele próprio que se refuta.»

E portanto, com toda a ousadia da sua empresa revolucionária, inflexivelmente decidido em romper mesmo com os antigos partidários do seu pensamento e camarada de combate se eles fossem incapazes de acertar o passo com a revolução, o discurso de Lenine, cujas partes são equilibradas entre elas, é penetrado de um profundo realismo e de um infalível sentimento de massa. Mas é precisamente por isso que ele parecia fantasioso aos democratas que patinavam à superficie.

Os bolchevique são uma pequena minoria nos sovietes, e Lenine medita na tomada do poder. Não é espírito de aventura? Não há sombra na maneira que Lenine colocava a questão. Nem um minuto ele fechou os olhos sobre a existência de uma «honesta» mentalidade de defesa nacional nas largas massas. Sem se absorver por elas, ele não se dispõe portanto a agir nas suas costas. «Nos não somos charlatães, - dirige-se em direcção às futuras objecções e acusações, - nós devemos nos basear somente na consciência da massas. Mesmo se devemos ficar em minoria, é bom. Vale a pena renunciar por um tempo a uma situação dirigente, não tememos ficar em minoria.» Não temer ficar em minoria, um só, como Liebknecht contra cento e dez! Tal é o motivo condutor do discurso.

«O verdadeiro governo é o Soviete dos deputados operários... No Soviete, nosso partido está em minoria... Nada a fazer! Só nos resta explicar pacientemente, perseverantemente, sistemáticamente, a aberração da sua táctica. Enquanto estamos em minoria realizamos um trabalho de crítica para libertar as massas da impostura. Nós não queremos que as massas nos acreditem cegamente. Não somos charlatães. Nós queremos que as massas se libertem pela experiência dos seus erros.» Não temer ficar em minoria, não para sempre, mas temporariamente. A hora do bolchevismo soará. «Nossa linha mostrar-se-à justa... Todo o oprimido virá connosco porque a guerra o trará. Não outra saída há para ele.»

«A Conferência de unificação – conta Sokhanov – Lenine mostrou-se como a incarnação própria da cisão... Lembro-me de Bogdanov (menchevique notável), sentado a dois passos da tribuna dos oradores. Mas enfim é delirante, - gritou, interrompendo Lenine, - é o delírio de um louco. É vergonhoso aplaudir essa trapalhada – grita ele, voltando-se para o auditório, vermelho de cólera e de desprezo – você desonra-se? Marxista?»

Um antigo membro do Comité central bolchevique, Goldenberg, que se mantinha nessa época fora do partido, apreciou nos debates as teses de Lenine nestes termes desprezíveis: «Durante muitos anos, o lugar de Bakunine na revolução russa ficou livre: agora, ela foi tomada por Lenine.»

«O seu programa – contou mais tarde o socialista-revolucionário Zenzinov – levantou então mais zombaria que indignação, tanto ele parecia a todos estúpido e quimérico.»

Na noite do mesmo dia, numa conversa entre dois socialistas, e Miliokov, antecedente à Comissão de contacto, falaram de Lenine. Skobeliev considerou-o como «um homem absolutamente acabado, situado fora, situado fora do movimento». Sokhanov deu a seu apoio ao julgamento de Skobelev e acrescentou que Lenine «era até tal ponto indesejável para todos que nesse momento que era inofensivo para o interlocutor Miliokov». A distribuição das tarefas, nessa conversa, apareceu todavia tal como Lenine tinha previsto: os socialistas queriam preservar a tranquilidade do liberal contra as preocupações que lhe podia dar o bolchevismo.

Mesmo o embaixador da Inglaterra ouvi rumor das histórias segundo as quais Lenine era reconhecido mau marxista. «Entre os anarquistas recém chegados – notou Buchanan – se encontrava Lenine, vindo da Alemanha em vagão blindado. Mostrou-se publicamente pela primeira vez numa reunião do partido social-democrata e foi mal recebido.»

Mais indulgente que os outros para Lenine foi talvez nesses dias Kerensky, o qual declara inesperadamente, num círculo dos membros do governo provisório, que tinha a intenção de visitar Lenine, e explicou, em resposta às questões surpreendentes, assim: «Mas ele vive verdadeiramente numa atmosfera completamente isolada, ele não sabe nada, ele vê tudo através de lentes deformada pelo seu fanatismo, ele não tem perto dele ninguém que o ajude um pouco a orientar-se no que se passa.» Tal é o testemunho de Nabokov. Mas Kerensky mesmo assim não teve um momento livre para orientar Lenine do que se passava.

As teses de Abril de Lenine não provocaram somente a indignação estupefacta dos inimigos e adversários. Eles rejeitaram um certo número de velhos bolcheviques no campo do menchevismo ou no grupo intermediário que se agregava à volta do jornal de Gorki. Esta evasão não teve importância política séria. Infinitamente mais grave foi a impressão que produziu a atitude de Lenine sobre toda a camada dirigente do partido». Nos primeiros dias seguintes à sua chegada, escreve Sokhanov – seu isolamento completo no meio de todos os camaradas do partido conscientes não faz a menor dúvida.» «Mesmo os seus camaradas de partido – confirma o socialista-revolucionário Zenzinov – os bolcheviques pasmados, desviaram-se dele.» Os autores dessas opiniões encontravam-se todos os dias com os dirigentes bolcheviques, no comité executivo, e tinham informações de primeira mão.

Mas idênticos testemunhos não faltam, mesmo nas fileiras bolcheviques. «Quando apareceram as teses de Lenine – lembrava mais tarde Tsikhon, atenuando muito as cores como a maioria dos velhos bolcheviques que tropeçaram na Revolução de Fevereiro – sentia-se no nosso partido certas oscilações. Vários camaradas indicaram que Lenine tinha um desvio sindicalista, que se tinha afastado da Rússia, que não considerava o momento presente, etc..» Um dos militantes bolchevique notáveis na província, Lebediev, escreveu: «Após a chegada de Lenine à Rússia, a sua agitação – no início não era completamente compreensível para nós, bolcheviques – que parecia utópico e explicava-se pelo seu longo afastamento da vida russa, foi pouco a pouco assimilada por nós e entra por assim dizer no nossa carne e nosso sangue. Zalejsky, membro do Comité de Petrogrado e um dos organizadores da recepção, exprimiu-se mais claramente: «As teses de Lenine não encontrou partidário declarado, mesmo nas nossas fileiras.»

Mais importante é todavia o testemunho do Pravda. No dia 8 de Abril, quatro dias após a publicação das teses, quando se podia já explicar e compreender entre si de uma maneira suficiente, a redacção da Pravda escrevia: «No que diz respeito ao esquema geral do camarada Lenine, parece-nos inaceitável na medida onde ele apresenta como acabada a revolução democrática burguesa e conta sobre a transformação imediata desta revolução em revolução socialista.» O órgão central do partido declarava assim, abertamente, diante da classe operária e dos seus inimigos, seu desacordo com o líder unanimemente reconhecido sobre a questão crucial da revolução a qual os quadros bolcheviques se tinham preparado durante longos anos. Esta divergência foi suficiente para apreciar toda a profundidade da crise do partido em Abril proveniente de um conflito entre duas linhas inconciliáveis. Se esta crise não fosse ultrapassada, a revolução não podia fazer um passo em frente.


terça-feira, 24 de agosto de 2010

Discernir é entender a essência, é diferenciar...

"O rosto enganador deve ocultar o que o falso coração sabe".

(William Shakespeare)







Com as palavras de Shakespeare faço as minhas observações.

É salutar a importância do caráter organizacional e dos objetivos do evento recentemente acontecido em São Paulo que aliás, infelizmente tomei conhecimento apenas após o encerramento. Na verdade estou me referindo ao 1º Encontro de Blogueiros Progressistas.

O que vem a ser "Progressista" no sentido amplo da terminologia? 

O termo Progressista é utilizado para designar aqueles que são favoráveis a mudanças mesmo com prejuízo da conservação da tradição e das leis.

O progressista não é um radical pelas mudanças, e de fato, as busca com alguma prudência. Entretanto, o progressista está disposto a colocar em risco a tradição por entender que as mudanças são mais importantes do que manter o que existe.

Neste verbete, utilizamos a palavra progresso como sinônimo de mudança. Isto pode gerar uma certa confusão. De fato o progressista, é a favor da mudança e nem sempre esta resulta em alguma melhora.

Ao utilizar a palavra progresso, inevitavelmente sugerimos que o progressista está em defesa da melhoria. Intencionalmente isto é verdade, mas na prática é comum que as mudanças gerem retrocessos. Progredir é também um dos objetivos do revolucionário e do conservador.

Um progressista vai geralmente se posicionar:

•em parte contra as tradições morais – pois geralmente atrasam o progresso da sociedade e por isso devem ser encaradas como contingentes.

As tradições não devem ser fator limitante do progresso que trabalha em prol do bem estar das pessoas. Alguns exemplos emblemáticos das posições progressistas em relação às tradições são:

1.Plenamente a favor do divórcio e segundo casamento.

2.A favor união civil entre pessoas do mesmo sexo e em alguns casos a favor do casamento homossexual.

3.Poucas restrições a conteúdos pornográficos nos canais de mídia.

4.Pais e filhos têm de construir uma relação de amizade onde ambas as partes negociam as suas prioridades e necessidades e aprendem um com o outro.

•a favor de mudanças significativas das leis – para um progressista as leis devem ser respeitadas em parte, pois cada caso é um caso. Existem leis justas e injustas e aquelas que são injustas não precisam ser seguidas.

Resumindo, um progressista é quem é a favor de mudanças em detrimento da tradição. Obviamente que existirão formas diversas de progressismo, dependendo das posições individuais de cada um. É muito comum que pessoas religiosas sejam mais firmes nas posições morais do que nas legais, e vice-versa, pessoas não-religiosas mais firmes nas legais que morais.

Obs1: Quando o progressismo é radical, chamamos a pessoa de revolucionária. O revolucionário defende uma “virada de mesa” nas tradições, nas leis e no estado.

Voltando ao eixo da questão, vale lembrar da importância do 1º Encontro de Blogueiros Progressistas.



Ora, não entra na minha cabeça que ser progressista é sinônimo de xenófobismo e anti-semitismo.

Não deixaria jamais de levantar esta lebre por conta da participação do blogueiro Tijoladas do Mosquito (estou omitindo o nome do proprietário) neste encontro promovido pelo Centro de Estudos da Midia Alternativa "Barão de Itararé"

O blogueiro em questão é um xenófobo e anti-semita assumido. Embora transite com desenvoltura por várias instâncias do poder e da propria mídia oficial e alternativa, o blogueiro se apega ao desenvolvimento de  um "nicho mercadológico" criado pelo método fascista de achincalhamento sistemático de seus alvos/vítimas de um pressuposto "O que acuso é" e finisch. Bem, na prática é uma atitude fascista com objetivos financeiros e de promoção pessoal. Recentemente incorreu novamente na questão ao publicar o caso do estupro envolvendo menores, o seguinte: "branco" "cheiroso" "rico" "judeu" enfim, tirando a condição social do menor infrator, fica evidente o racismo e o anti-semitismo do blogueiro.

 Cá com meus botões fico pensando: O Centro de Estudos da Midia Alternativa surge aqui no estado com a participação do tal blogueiro denominado de progressista com cunho xenófobo e anti-semita. Na verdade também, nasce com as mãos sujas do falso moralismo provocado pela confusão ideológica do blogueiro.

Seria este o objetivo do CMA? É obvio que não, sendo assim, é preciso ficar claro também que em meio a esta caminhada para o florescimento e o fortalecimento da midia alternativa, temos de ficar atentos para este verme antisemita que nasce aqui no Estado de Santa Catarina no bojo desta luta justa e oportuna.

O Centro de Estudos da Midia Alternativa deixa bem claro o seu caráter apartidário e o seu comprometimento com o setor alternativo das informações e, pela democratização dos meios, da liberdade de expressão e de opinião. Então, não vamos confundir com crimes virtuais que são frontais a este entendimento e objetivo.

Vou fazer todo o possivel para participar do 1º ECABLOG (Encontro Catarinense de Blogueiros) acho que é isso.

Fora o anti-semitismo!
Fora a xenofobia blogueira.
Viva a liberdade de expressão.

Fontes de consulta:

http://baraodeitarare.org.br/
http://www.pensador.info/falso_moralismo/
http://www.vigilanciademocratica.org/

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Por que os Marxistas se Opõem ao Terrorismo Individual


Leão Trotsky



Novembro de 1911


Nossos inimigos de classe têm o costume de queixar-se de nosso terrorismo. Eles gostariam de por o rótulo de terrorismo a todas as ações do proletariado dirigidas contra os interesses do inimigo de classe. Para eles, o método principal de terrorismo é a greve. A ameaça de uma greve, a organização de piquetes de greve, o boicote econômico a um patrão super explorador, o boicote moral a um traidor de nossas próprias filas: tudo isso e muito mais é qualificado de terrorismo. Se por terrorismo se entende qualquer coisa que atemorize o prejudique o inimigo, então a luta de classes não é outra coisa senão terrorismo. E o único que resta considerar é se os políticos burgueses têm o direito de proclamar sua indignação moral acerca do terrorismo proletário, quando todo seu aparato estatal, com suas leis, polícia e exército não é senão um instrumento do terror capitalista.

No entanto, devemos assinalar que quando nos jogam na cara o terrorismo, tratam, ainda que nem sempre de forma consciente, de dar-lhe a esta palavra uma sentido mais estrito, menos indireto. Por exemplo, a destruição das máquinas por parte dos trabalhadores é terrorismo neste sentido estrito do termo. A morte de um patrão, a ameaça de incendiar uma fábrica ou matar o seu dono, o atentado a mão armada contra um ministro: todos estes são atos terroristas no sentido estrito do termo. Não obstante, qualquer um que conheça a verdadeira natureza da social-democracia internacional deve saber que ela tem se colocado em oposição da maneira mais irreconciliável a esta classe de terrorismo.

Por que? O "terror" mediante a ameaça ou a ação grevista é patrimônio dos operários industriais ou agrícolas. O significado social de uma greve depende, em primeiro lugar, do tamanho da empresa ou ramo da indústria afetada; em segundo lugar, do grau de organização, disciplina e disposição para a ação dos operários que participam. Isto é certo tanto em uma greve econômica ou política. Segue sendo o método de luta que surge diretamente do lugar que na sociedade moderna ocupa o proletariado no processo de produção.

Para desenvolver-se, o sistema capitalista requer uma superestrutura parlamentar. Porém ao não poder confinar o proletariado em um gueto político, deve permitir cedo ou tarde, sua participação no parlamento. Nas eleições se expressa o caráter de massa do proletariado e seu nível de desenvolvimento político, qualidades determinadas por seu papel social, sobretudo por seu papel na produção.

Do mesmo modo que numa greve, nas eleições o método, objetivos e resultado da luta dependem do papel social e da força do proletariado como classe. Somente os operários podem fazer greve. Os artesãos arruinados pela fábrica, os camponeses cuja água envenena a fábrica, os lumpen-proletários em busca de um bom botim, podem destruir as máquinas, incendiar a fábrica ou assassinar o dono.

Somente a classe operária consciente e organizada pode enviar uma forte representação ao parlamento para cuidar dos interesses proletários. No entanto, para assassinar a um funcionário do governo não é necessário contar com as massas organizadas. A receita para fabricar explosivos é acessível a todo o mundo, e qualquer um pode conseguir uma pistola.

No primeiro caso, há uma luta social, cujos métodos e vias se desprendem da natureza da ordem social imperante; no segundo, uma reação puramente mecânica que é idêntica em todo o mundo, desde a China até a França: assassinatos, explosões, etc., porém totalmente inócua em relação ao sistema social.

Uma greve, inclusive uma modesta, tem conseqüências sociais: fortalecimento da auto-confiança dos operários, crescimento do sindicato, e, com não pouca freqüência, uma melhora na tecnologia produtiva. O assassinato do dono da fábrica provoca apenas efeitos policiais, ou uma troca de proprietário desprovida de toda significação social.

Para que um atentado terrorista, mesmo um que obtenha "êxito", crie confusão na classe dominante, depende da situação política concreta. Seja como for, a confusão terá vida curta; o estado capitalista não se baseia em ministros de estado e não é eliminado com o desaparecimento deles. As classes a que servem sempre encontrarão pessoas para substituí-los; o mecanismo permanece intacto e em funcionamento.

Todavia, a desordem que produz um atentado terrorista nas filas da classe operária é muito mais profunda. Se para alcançar os objetivos basta armar-se com uma pistola, para que serve esforçar-se na luta de classes? Se um pouco de pólvora e um pedaço de chumbo bastam para perfurar a cabeça de um inimigo, que necessidade há de organizar a classe? Se tem sentido aterrorizar os altos funcionários com o ruído das explosões, que necessidade há de um partido? Para que fazer passeatas, agitação de massas, eleições, se é tão fácil alvejar um ministro desde a galeria do parlamento?

Para nós o terror individual é inadmissível precisamente porque apequena o papel das massas em sua própria consciência, as faz aceitar sua impotência e volta seus olhos e esperanças para o grande vingador e libertador que algum dia virá cumprir sua missão.

Os profetas anarquistas da "propaganda pelos fatos" podem falar até pelos cotovelos sobre a influência estimulante que exercem os atos terroristas sobre as massas. As considerações teóricas e a experiência política demonstram o contrário. Quanto mais "efetivos" forem os atos terroristas, quanto maior for seu impacto, quanto mais se concentra a atenção das massas sobre eles, mais se reduz o interesse das massas por eles , mais se reduz o interesse das massas em organizar-se e educar-se.

Porém a fumaça da explosão se dissipa, o pânico desaparece, um sucessor ocupa o lugar do ministro assassinado, a vida volta à sua velha rotina, a roda da exploração capitalista gira como antes: só a repressão policial se torna mais selvagem e aberta. O resultado é que o lugar das esperanças renovadas e da excitação artificialmente provocada vem a ser ocupado pela desilusão e a apatia.

Os esforços da reação para por fim às greves e ao movimento operário de massas tem culminado, geralmente, sempre e em todas as partes, no fracasso. A sociedade capitalista necessita um proletariado ativo, móvel e inteligente; não pode, portanto, ter o proletariado com os pés e mão atados por muito tempo. Por outro lado, a "propaganda pelos fatos" dos anarquistas tem demonstrado cada vez mais que o estado é muito mais rico em meios de destruição física e repressão mecânica que todos os grupos terroristas juntos.

Se assim é, o que acontece com a revolução? Fica negada ou impossibilitada? De maneira nenhuma. A revolução não é uma simples soma de meios mecânicos. A revolução somente pode surgir da intensificação da luta de classes, sua vitória e garantida somente pela função social do proletariado. A greve política de massas, a insurreição armada, a conquista do poder estatal; tudo está determinado pelo grau de desenvolvimento da produção, a alienação das forças de classe, o peso social do proletariado e, por último, pela composição social do exército, posto que são as forças armadas o fator que decide o problema do poder no momento da revolução.

A social-democracia é bastante realista para não desconhecer a revolução que está surgindo das circunstâncias históricas atuais; pelo contrário, vai ao encontro da revolução com os olhos bem abertos. Porém, diferentemente dos anarquistas e em luta aberta com eles, a social-democracia rechaça todos os métodos e meios cujo objetivo seja forçar o desenvolvimento da sociedade artificialmente e substituir a insuficiente força revolucionária do proletariado com preparações químicas.

Antes de elevar-se à categoria de método para a luta política, o terrorismo faz sua aparição sob a forma de ato individual de vingança. Assim foi na Rússia, pátria do terrorismo. O açoitamento dos presos políticos levaram Vera Zasulich a expressar o sentimento de indignação geral com um atentado contra o general Trepov. Seu exemplo repercutiu entre a intelectualidade revolucionária, desprovidas do apoio das massas. O que começou como um ato de vingança perpetrado em forma inconsciente foi elevado a todo um sistema em 1879-1881. As ondas de atentados anarquistas na Europa Ocidental e América do Norte sempre se produzem depois de alguma atrocidade cometida pelo governo: fuzilamentos de grevistas ou execuções de opositores políticos. A fonte psicológica mais importante do terrorismo é sempre o sentimento de vingança que busca uma válvula de escape.

Não há necessidade de insistir que a social-democracia nada tem a ver com esses moralistas a soldo, que, em resposta a qualquer ato terrorista, falam somente do "valor absoluto" da vida humana. São os mesmos que em outras ocasiões, em nome de outros valores absolutos, por exemplo, a honra nacional ou o prestígio do monarca estão dispostos a levar milhões de pessoas ao inferno da guerra. Hoje, seu herói nacional é o ministro que dá a ordem de abrir fogo contra os operários desarmados, em nome do sagrado direito à propriedade privada; amanhã, quando a mão desesperada do operário desempregado cerre o punho ou se apodere de uma arma, falarão sandices sobre o inadmissível que é a violência em qualquer de suas formas.

Digam o que digam os eunucos e fariseus morais, o sentimento de vingança tem seus direitos. Fala muito bem a favor da moral da classe operária a não contemplação indiferente do que ocorre neste, o melhor dos mundos possíveis. Não extinguir o insatisfeito desejo proletário de vingança, mas, pelo contrário, avivá-lo uma e outra vez, aprofundá-lo, dirigi-lo contra a verdadeira causa da injustiça e a baixeza humanas: essa é a tarefa da social-democracia.

Nos opomos aos atentados terroristas porque a vingança individual não nos satisfaz. A conta que nos deve pagar o sistema capitalista é demasiado elevada para ser apresentada a um funcionário chamado ministro. Aprender a considerar os crimes contra a humanidade, todas as humilhações a que se vêem submetidos o corpo e o espírito humanos como excrescências e expressões do sistema social imperante, para empenhar todas nossas energias em uma luta coletiva contra este sistema: essa é a causa na qual o ardente desejo de vingança pode encontrar sua maior satisfação moral

Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/trotsky/1911/11/terrorismo.htm