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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

As massas expostas aos golpes

História da Revolução Russa
Léon Trotsky


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
As causas imediatas dos acontecimentos de uma revolução são as modificações na consciência da classes em luta. As relações materiais de uma sociedade determinam somente a corrente seguida por esses processos. Pela sua natureza, as modificações da consciência colectiva têm um carácter meio oculto; apenas chegados a uma tensão determinada, os novos estados de espírito e de ideias se exprimem no exterior sob a forma de acções de massas que estabelecem um novo equilíbrio social, aliás muito instável. A marcha da revolução a cada nova etapa desnuda o problema do poder para o cobrir ainda, imediatamente após, com uma máscara – esperando despojá-lo de novo. Tal é o mecanismo de uma contra-revolução com a diferença que o filme se desenrola aqui às avessas.


O que se passa nas cimeiras governamentais e soviéticas não é de forma nenhuma indiferente para o desenrolar dos acontecimentos. Mas não se pode compreender o sentido real da política de um partido e decifrar as manobras dos líderes senão sob a condição de descobrir os profundos processos moleculares na consciência da massas. Em Julho, os operários e os soldados tinham sofrido uma derrota, mas, em Outubro, por um assalto irresistível, eles ampararam-se do poder. Que se passou nos seus espíritos durante esses quatro meses? Como reagiram sob os golpes que caíam de cima? Com tais ideias, quais sentimentos, tinham eles considerado a tentativa feita pela burguesia para se apoderar do poder? O leitor deverá voltar a trás, para a derrota de Julho. Frequentemente, estamos obrigados em recuar para melhor saltar. Ora, diante de nós anuncia-se o salto de Outubro.

Na historiografia soviética oficial, uma opinião estabeleceu-se, e tornou-se uma especie de lugar comum, segundo o qual o assalto dado ao partido em Julho – repressões combinadas com a calúnia – teria passado sem deixar quase nenhum traço sobre as organizações operárias. É absolutamente inexacto. Na verdade, a fraqueza nas fileiras do partido e o refluxo a seu respeito dos operários e dos soldados durou pouco tempo, algumas semanas. O renovamento surgiu tão depressa e, sobretudo tão tempestuoso que apagou metade mesmo da lembrança dos dias de prostração e de abatimento: as vitórias projectam em geral uma luz diferente sobre as derrotas que as prepararam. Mas, à medida que se publicou os processos-verbais das organizações locais do partido, viu-se aparecer com nitidez cada vez maior o declínio da revolução de Julho, que se ressentiu, nesses dias, tanto mais dolorosamente que o ascenso precedente tinha um carácter mais incessante.

Toda a derrota, procedida de uma relação de forças determinada, modifica por sua vez essa relação em desvantagem da parte vencida, porque o vencedor toma confiança; enquanto que o vencido perde confiança nele próprio. Ora, tal ou tal apreciação da força que se tem constitui um elemento extremamente importante da relação objectiva das forças. Uma derrota directa foi sofrida pelos operários e soldados de Petrogrado que, no seu impulso em frente, tinham chocado , por um lado, à falta de clareza e às contradições das suas próprios intenções, por outro, ao estado atrasado da província e da frente. Foi por isso, na capital, as consequências da derrota manifestaram-se antes de mais, com maior violência. Todavia, absolutamente inexactas foram as afirmações tão frequentes na mesma literatura oficial, segundo as quais a derrota de Julho teria passado quase despercebida na província. É teoricamente inverossímil e é desmentido pelo testemunho dos factos e dos documentos. Quando as grandes questões se colocavam, todo o país, espontaneamente, voltava cada vez a cabeça para Petrogrado. A derrota dos operários e os soldados da capital devia justamente produzir uma enorme impressão sobre as camadas mais avançadas da província. O pavor, a desilusão, a apatia produziam em diversas partes do país sob aspectos diferentes, mas observavam-se por todo o lado.

O abatimento da revolução traduziu-se antes de tudo num extremo enfraquecimento da resistência da massas aos adversários. Enquanto que as tropas introduzidas em Petrogrado procediam oficialmente aos actos punitivos, desarmando os soldados e os operários, bandas meio voluntárias, encobertos, cometiam impunemente atentados sobre as organizações operárias. Após a destruição da redacção do Pravda e da tipografia dos bolcheviques, saquearam as instalações do sindicato dos metalúrgicos. A seguir, tiros foram dados em direcção dos sovietes de bairro. Os conciliadores não foram poupados: no dia 10 , um ataque deu-se contra uma das sedes do partido à cabeça do qual se encontrava o ministro do Interior Tseretelli. Dan necessitou de uma boa dose de abnegação para escrever sobre a chegada das tropas: «Em vez de ver morrer a revolução, agora testemunhamos o seu novo triunfo.» Esse triunfo ia tão longe que, segundo o menchevique Prochitsky, os transeuntes, nas ruas, se tinham ares de operários e eram alvo de desconfiança de bolchevismo, corriam perigo de sofrer cruéis sevícias. Que sintoma de uma brusca mudança de toda a situação!

Lazis, membro do comité bolchevique de Petrogrado, depois conhecido como agente da Tcheka, notava no seu diário: «9 de Julho. Na cidade, saquearam todas as nossas tipografias. Ninguém ousou imprimir os nossos jornais e panfletos. Nós recorremos à montagem de uma tipografia clandestina. O bairro de Vyborg tornou-se um refúgio para todos. Para aqui vieram o Comité de Petrogrado e os membros do Comité central que são perseguidos. Nas instalações da vigia da fábrica Renault o comité está em conferência com Lenine. Colocou-se a questão de uma greve geral. Entre nós, no comité, as opiniões são partilhadas. Votei pelo apelo à greve. Lenine, após ter explicado a situação, propôs que se renuncie a esta solução... 12 de Julho. A contra-revolução é vencedora. Os sovietes são impotentes. Os junkers enraivecidos caem sobre os mencheviques. Alguns elementos do partido hesitam. O afluxo dos membros interrompeu-se... Mas, nas nossas fileiras, ainda não há fugas.» Após as Jornadas de Julho, «a influência dos socialistas-revolucionários sobre as fábricas de Petrogrado foi forte» escreve o operário Sisko. O isolamento dos bolcheviques suscitava automaticamente o peso específico e o sentimento íntimo dos conciliadores. No 16 de Julho, um delegado de Vassili-Ostrov relata na conferência bolchevique da cidade que o estado de espírito no distrito é no conjunto» cheio de entusiasmo, com a excepção de algumas fábricas. Na fábrica Báltica, os socialistas-revolucionários e os mencheviques nos esmagam.» Nesse sítio, o assunto foi levado longe: o comité de fábrica decidiu que os bolcheviques seguiriam as obséquias dos cossacos mortos, e a ordem foi executada... Os abandonos oficiais de membros do partido são, na verdade, insignificantes: em todo o distrito, sobre quatro mil membros, não houve mais de cem a retirarem-se abertamente. Mas um maior número, nos primeiros dias, afastou-se sem nada dizer.» As jornadas de Julho – disse então o operário Minitchev nas suas lembranças – nos mostram que havia também nas nossas fileiras individuos que, temendo pela sua pele», tinham «as suas cartas do partido e renegavam este. Mas eles não eram numerosos...», acrescentou ele com um tom confiante. «Os acontecimentos de Julho – escreve Chliapnikov – e toda a campanha de violencias e de calúnias que estavam associadas conta as nossas organizações interromperam esse ascenso da nossa influência que, no início de Julho, tinha atingido um vigor formidável... O nosso próprio partido estava em meia legalidade e desenvolvia uma luta defensiva, apoiando-se principalmente nos sindicatos e nos comités de fábrica ou de oficina.»

A acusação lançada contra os bolcheviques de estar ao serviço da Alemanha não podia deixar de produzir uma impressão mesmo sobre os operários de Petrogrado, pelo menos sobre uma parte considerável deles. Aquele que hesitava retirou-se. O que estava pronto a aderir hesitou. Mesmo entre os que tinham já aderido, um bom número recuou. A manifestação de Julho, além dos bolcheviques, participaram bastante operários pertencendo aos socialistas-revolucionários e aos mencheviques. Sob o impacto do golpe recebido, eles foram os primeiros a recuar sob a cobertura das bandeiras dos seus partidos: parecia-lhes agora que tento infringido a disciplina, ele tinha verdadeiramente cometido uma falta. Uma grande parte dos operários sem partido, seguidores do partido, afastou-se igualmente dele sob influência da calúnia oficial propagada e juridicamente apresentada.


Nesta atmosfera política modificada, os golpes da repressão tinham um efeito mais forte. Olga Ravitch, uma das antigas e activas militantes do partido, membro do Comité de Petrogrado, dizia mais tarde no seu relatório: «As jornadas de Julho causaram na organização um tal alvoroço que, durante as três primeiras semanas, nem sequer se considerava qualquer actividade.» Ravitch tem aqui em consideração principalmente a actividade aberta do partido. Durante muito tempo, foi impossível de estruturar a publicação do jornal do partido: não se encontrava tipografia que quisesse servir os bolcheviques. E a resistência nem sempre vinha dos patrões: houve uma tipografia onde os operários ameaçaram de parar o trabalho no caso onde que se imprimisse um jornal bolchevique, e o patrão anulou o negócio já concluído. Durante um certo tempo, Petrogrado foi abastecido pelo jornal de Cronstadt.

O flanco de extrema-esquerda sobre a arena aberta mostrou ser, em duas semanas, o grupo dos mencheviques internacionalistas. Os operários iam de boa vontade ouvir a conferência de Martov, em quem o instinto de militante tinha despertado no período de recuo, quando a revolução tinha sido obrigada não a tomar novas vias, mas a lutar para conservar os restos das suas conquistas. «A coragem de Martov era a do pessimismo.» Sobre a revolução – dizia ele em sessão do comité executivo – metemos, aparentemente, o ponto final... Se chegámos isto... a voz do campesinato e dos operários não tem lugar na revolução russa, nós sairemos da cena honestamente, tomaremos esse desafio não por renúncia silenciosa, mas por uma batalha franca.» Martov propunha sair da cena combatendo francamente os camaradas do seu partido que, como Dan e Tseretelli, apreciavam a vitória alcançada pelo generais e cossacos sobre os operários e os soldados como uma vitória da revolução sobre a anarquia. Sobre o fundo da campanha desenfreada levada contra os bolcheviques e da atitude rastejante dos conciliadores diante dos cossacos com galões, a conduta de Martov tornava-se muito visível, nessas difíceis semanas, aos olhos dos operários.

Mais particularmente difícil foi a crise de Julho para a guarnição de Petrogrado. Os soldados, no sentido político, estava de longe em atraso sobre os operários. A secção dos soldados, no Soviete, continuava a apoiar os conciliadores enquanto que, já, a secção dos operários seguia os bolcheviques. Nisso não se contradizia de forma nenhuma o facto que os soldados se mostravam particularmente dispostos a ameaçar com as suas armas. Na manifestação, eles desempenharam um papel mais agressivo que os operários, mas, debaixo dos golpes, refluíam mais longe na retaguarda. O fluxo de hostilidade contra os bolcheviques elevava-se bastante contra os bolcheviques na guarnição de Petrogrado. «Após a derrota – conta o antigo soldado Mitrevitch – não apareço mais na minha companhia, porque poderiam matar-me, enquanto o vendaval não passar.» É justamente nos regimentos mais revolucionários, que tinham alinhado nas primeiras fileiras durante as Jornadas de Julho e que tinham por consequência aparado os golpes mais duros, que a influência do partido caiu a tal ponto que foi impossível reconstituir aí a organização, mesmo três meses mais tarde: sob o tremor demasiado violento, os efectivos foram reduzidos em migalhas. A organização militar teve que recuar bastante.» Após a derrota de Julho – escreve o antigo soldado Minitchev – considerava-se a organização não muito amigavelmente, não somente entre os camaradas da cúpula do nosso partido, mas mesmo em certos comités de bairro.»

Em Cronstadt, o partido perdeu duzentos e cinquenta membros. O estado de espírito da guarnição na fortaleza bolchevique tinha-se consideravelmente reduzido. A reacção tinha desferido mesmo até Helsingfors. Avksentiev, Bonakov, o advogado Sokolov tinham chegado para levar os barcos bolcheviques à resipiscência. Eles obtiveram certos resultados. Prendendo os dirigentes bolcheviques, utilizando a calúnia oficial, ameaçando, conseguiram obter declarações de lealdade mesmo do couraçado bolchevique Petropavlosk. De qualquer modo, sobre a exigência formulada de entregar «os instigadores», todos o barcos recusaram.


Em Moscovo não foi diferente. «A campanha odiosa da imprensa burguesa – disse Piatnitsky – produziu pânico mesmo entre certos membros do Comité de Moscovo.» A organização, após as Jornadas de Julho, enfraqueceu-se. «Nunca esqueceremos – escreveu o operário moscovita Ratekhine – um momento penoso. O plenário reuniu-se (o do soviete de Zamoskvoretchié)... Os nossos camaradas bolcheviques, como vejo, não são numerosos... Stieklov vem direito a mim, um dos camaradas enérgicos, e, proferindo apenas as palavras, pede-me se é verdade que Lenine foi levado com Zinoviev num vagão blindado; se é verdade que eles ganharam dinheiro alemão? O meu coração apertou-se dolorosamente ao ouvir tais questões. Outro camarada aproximou-se, Konstatinov: Onde está Lenine? Desapareceu, diz-se... O que é que se vai passar agora? Etc., etc.» Esta cena em directo nos apresenta sem erro os estados de alma nos quais passaram então os operários avançados. «A publicação de documentos publicados por Alexinsky – escreve Davydovsky, artilheiro de Moscovo – provocou um transtorno terrível na brigada. A nossa bateria, a mais bolchevique, foi abalada pela mentira infame... Parecia que tínhamos perdido toda a confiança.»

«Após as Jornadas de Julho – escreve V. Iakovleva, que era então membro do Comité central e dirigia o trabalho na vasta província de Moscovo – todos os relatórios das localidades eram unanimes em assinalar não somente uma brusca desmoralização nas massas, mas também uma certa hostilidade em relação ao nosso partido. Em muitos casos, agrediram os nossos oradores. O número de membros diminuir bastante, e certas organizações deixaram mesmo completamente de existir, sobretudo no Sul.» Por meados de Agosto, nenhuma modificação sensível ainda não se tinha produzido. O trabalho se faz nas massas para a conservação da influência, não se observou qualquer crescimento das organizações. Nos governos de Riazan e de Tambov, não se criaram novas ligações, não surgiram células bolcheviques; no conjunto, foram os patrimónios dos socialistas- revolucionários e dos mencheviques.

Évreinov, que militava nas proletária Kinechma, lembra-se como penosa se tornou a situação após os acontecimentos de Julho, quando, na sua grande conferência de todas as organizações públicas, foi colocada a questão de excluir os bolcheviques do Soviete. Os abandonos no partido tomavam proporções tão consideráveis por vezes que foi somente após uma nova revisão das listas dos membros que a organização começou a viver uma vida normal. Em Tula, graças a uma séria selecção preliminar dos operários, a organização não sofreu qualquer forma abandono, mas as suas ligações com as massas enfraqueceu. Em Nijni-Novgorod, após uma campanha de repressão conduzida sob a direcção do coronel Verkhovsky e do menchevique Khintchuk, uma depressão marcada deu-se: nas eleições da duma municipal, o partido não conseguiu passar o número de quatro deputados. Em Kaluga, a fracção bolchevique tinha em consideração a possibilidade para ela de ser eliminada do Soviete. Em certos pontos da região moscovita, os bolcheviques viram-se forçados a sair não somente dos sovietes, mas também dos sindicatos.

Em Saratov, onde os bolcheviques mantinham relações muito pacíficas com os conciliadores e dispunham-se ainda, no fim de Junho, a se apresentar às eleições, para a duma municipal, uma lista comum com eles, os soldados, após o vendaval de Julho, foram a tal ponto erigidos contra os bolcheviques que eles invadiram as assembleias eleitorais, arrancavam aos bolcheviques seus boletins e maltratavam os agitadores. «Tornou-se difícil para nós – escreve Lebedev – de nos mostrar nas assembleias eleitorais. Frequentemente gritavam-nos: espiões da Alemanha, provocadores!...» Nas fileiras dos bolcheviques de Saatov, encontrou-se um bom número de pusilâmines: «Muitos deles declaravam que abandonavam o partido, outros esconderam-se.»

Em Kiev, que gozávamos há muito tempo da reputação de um centro Cem Negros, a campanha de perseguição contra os bolcheviques desencadeou-se com uma violência particular e logo continuou com os mencheviques e socialistas-revolucionários. A depressão do movimento revolucionário ressentia-se fortemente sobretudo aqui: nas eleições à Duma municipal, os bolcheviques só obtiveram um total de 6% dos votos. Na conferência geral da cidade, os relatores queixavam-se «de notarem por todo o lado a apatia e a inacção». O jornal do partido viu-se forçado a tornar-se semanário em vez de ser diário.

A dissolução e a deslocação dos regimentos mais revolucionários já deviam, por eles próprios, não somente baixar o nível político das guarnições, mas agir também de uma forma tão intolerável sobre os operários das localidade que se sentiam mais firmes quanto sentiam por detrás deles as costas das tropas amigas. Foi assim que a transferência do 57º Regimento de Tver modificou bruscamente a situação política, tanto entre os soldados como sobre os operários: mesmo nos sindicatos, a influência dos bolcheviques tornou-se significante. Isso manifestou-se ainda em maiores proporções em Tiflis, onde os mencheviques, de mão dada com o estado-maior, substituíram os contingentes bolcheviques por regimentos completamente atrasados.


Em certos sítios, segundo a composição da guarnição, o nível dos operários da localidade e as causas acidentais, a reacção política tomava uma expressão paradoxal. Em Iaroslav, por exemplo, os bolcheviques, em Julho, viram-se quase totalmente excluídos do soviet operários, mas conservaram uma influência preponderante nos sovietes de deputados soldados. Em certas localidades, os acontecimentos de Julho pareciam passar efectivamente sem deixar traços, sem ter parado o crescimento do partido. Tanto se possa julgar, isso foi observado em todos os caso onde a retirada geral coincidia com a entrada na arena revolucionária de camadas novas atrasadas. Foi assim que, em Julho, em certos distritos têxteis, começaram por observar um afluxo sensível de operários para as organizações. Mas o quadro de conjunto do refluxo não se modificou.

O inegável cuidado, mesmo exagerado, da reacção diante da derrota parcial foi, no seu género, o resgate pago pelos operários e sobretudo pelos soldados por ter demasiado facilmente, demasiado rapidamente, aderido aos bolcheviques nos meses precedentes. A brusca reviravolta do estado de espírito das massas produziu uma selecção automática e, além disso, sem erro nos quadros do partido. Os que se mantiveram firmes, não se podia contar a seguir. Eles constituíam um núcleo na oficina, na fábrica, no bairro. Na véspera de Outubro os organizadores lançaram mais de uma vez à volta deles olhares escrutadores quando se tratava de nomear ou de enviar em missão, lembrando-se como fulano tal se tinha comportado durante as Jornadas de Julho.


Na frente, onde todas as relações se apresentaram mais desenvolvidas, a reacção de Julho tomou um carácter particularmente violente. O Grande Quartel General utilizou os acontecimentos antes de tudo para criar efectivos especiais, os «do dever diante da pátria livre». Nos regimentos, as brigadas de choque organizavam-se. «Vi muitas vezes os udarniki (membros das brigadas de choque) – conta Denikine – e e sempre as vi concentrados neles próprios, pensativos. Nos regimentos, era considerados com reserva ou com hostilidade.» Os soldados viam, com razão, nesses «contingentes do dever», os núcleos de uma guarda pretoriana. «A reacção não era ronceira – conta, sobre a frente romena que se atrasava em relação às outras, o socialista-revolucionário Degtiarev, que aderiu depois aos bolcheviques. Vários soldados foram presos como desertores. Os oficiais levantaram a cabeça e mostraram desdém pelos comités do exército; aqui e acolá, os chefes tentaram impor de novo a saudação militar.» Os comissários procediam ao saneamento do exército. «Em quase toda as divisões – escreve Stankevitch – tinham o seu bolchevique cujo nome era mais conhecido na tropa que o do chefe da divisão... Nós eliminamos progressivamente um notoriedade após outra.» Ao mesmo tempo, sobre toda a frente, ocupavam-se em desarmar os contingentes insubordinados. Comandantes e comissários apoiavam-se para isso sobre os cossacos e sobre as brigadas especiais que os soldados odiavam.

No dia da queda de Riga, a conferência dos comissários da frente Norte e representantes das organizações do exército reconheceu como indispensável a aplicação mais sistemática das medidas de repressão rigorosas. Homens foram fuzilados por terem confraternizado como os alemãs. Muitos comissários, entusiasmando-se com a evocação de vagas imagens da Revolução francesa, tentaram provar que tinham punho de ferro. Eles não compreendiam que os comissários jacobinos tinham-se apoiado na base, não tinham poupado aristocratas e os burgueses e que, só, a autoridade plebeia os armava implacavelmente par implantar nas tropas uma rigorosa disciplina. Os comissários de Kerensky não tinham qualquer base popular sob os seus pés, nenhuma aureola moral na cabeça. Eles eram, aos olhos dos soldados, agentes da burguesia, furrieles da Entente, simplesmente. Eles podiam, durante um certo tempo, intimidar o exército – efectivamente eles conseguiam, até um certo ponto – mas eram impotentes a dar-lhe uma nova vida.

No gabinete do comité executivo, em Petrogrado, um relatório, no início do mês de Agosto, dizia que, no estado de espírito do exército, tinha-se produzido uma reviravolta favorável, que tinham recomeçado a fazer exercício; mas que, por outro lado, observava-se um agravamento das recusas de justiça, de arbítrio, da opressão. Foi com acuidade particular que veio a se colocar a questão do corpo dos oficiais: este «está completamente isolado, forma as suas próprias organizações, muito fechadas». Outros dados provam que aparentemente, na frente, houve mais ordem, que os soldados deixaram de se amotinar por motivos insignificantes e acidentais. Mas mais concentrado se tornava o descontentamento diante da situação no seu conjunto. No discurso prudente e diplomático do menchevique Kutchine na Conferência de Estado, sob notas apaziguadoras, passava em surdina um aviso inquietante. «Há sem dúvida uma reviravolta; incontestavelmente a calma existe, mas, cidadãos, há também outra coisa, há um certo sentimento de desilusão, e nós apreendemos com atenção esse sentimento...» A vitória temporariamente obtida sobre os bolcheviques era antes de tudo uma vitória sobre as novas esperanças dos soldados, sobre a fé deles num futuro melhor. As massas tinham-se tornado mais circunspectas, a disciplina parecia ter aumentado. Mas, entre os dirigentes e os soldados, o abismo tinha-se aprofundado. O quê e quem engoliria ele amanhã?

A reacção de Julho traça de certa forma uma linha definitiva de partilha de águas entre a Revolução de Fevereiro e a de Outubro. Os operários, as guarnições da retaguarda, a frente, mesmo parcialmente, como se verá mais longe, os camponeses recuaram, saltaram para trás, como se tivessem levado um coice no peito. O golpe tinha na realidade um carácter mais moral que físico, mas não deixava de ser eficaz. Durante os quatro primeiros meses todos os processos de massas tinham uma só direcção: à esquerda. O bolchevismo crescia, solidificava-se, tornava-se ousado. Mas eis que o movimento chocou contra uma parede. De facto, ele descobriu que, nas vias da Revolução de Fevereiro, não se podia avançar mais. Ainda se houve quem acreditasse que a revolução tinha em suma chegado ao seu ponto morto. Na realidade, era a Revolução de Fevereiro que tinha dado tudo dela. Esta crise interior da consciência das massas, combinada com a repressão e a calúnia, levou à perturbação e a recuos, ao pânico, em certos casos. Os adversários ousaram. Na própria massa subiu à superfície tudo o que havia atrás, de inércia, de descontentamento, por causa das comoções e privações. Esses golpes de ressaca, na torrente da revolução são de uma violência irresistível: dizer-se-ia que eles se conformam às leis de uma hidrodinâmica social. É impossível subir tal fluxo de volta – só resta a não se deixar levar, a não se deixar submerger, a manter-se, esperando que o fluxo da reacção se esgote, e a preparar-se durante esse tempo, pontos de apoio para uma nova ofensiva. Ao observar certos regimentos que, no 3 de Julho, tinham marchado sob as bandeiras bolcheviques e que, uma semana depois, reclamaram o castigo rigoroso contra os agentes do Kaiser, os susceptíveis esclarecidos podiam, ao que parecia, cantar vitória: aí estão elas, as vossas massas, aqui está como elas são e capazes de compreender! Mas é cepticismo barato. Se as massas, efectivamente, modificavam os seus sentimentos e pensamentos sob a influência das circunstâncias acidentais, não se poderia explicar a potente causalidade que caracteriza o desenvolvimento das grandes revoluções. Mais profunda é a empresa sobre milhões de gente no povo, mais o desenvolvimento da revolução é regular, e é com uma maior certeza que se pode predizer o encandeamento das etapas seguintes. É preciso não esquecer que o desenvolvimento político das massas tem lugar não em linha direita, mas seguindo uma curva complexa: tal é, em suma, a órbita de todo o processo material.

As condições objectivas levavam imperiosamente os operários, os soldados e os camponeses a alinharem sob a bandeira dos bolcheviques. Mas as massas, penetrando nessa via, entraram em luta com o seu próprio passado, com as suas crenças de ontem, e particularmente de hoje. Num momento difícil, da derrota e da desilusão, os velhos preconceitos, que não foram ultrapassados, subiram à superfície, e os adversários agarraram-se naturalmente como uma prancha de salvação. Tudo o que havia nos bolcheviques de pouco claro, de raro, de enigmático – novidade de ideias, de audácia, desdém de todas as autoridades antigas e novas – tudo isso tinha agora encontrado uma explicação simples, persuasiva na sua absurdidade: espiões da Alemanha! A acusação lançada contra os bolcheviques apostava em suma sobre o passado de escravatura do povo, sobre uma herança de trevas, de barbarie, de superstição – e esta aposta não estava mal feita. A grande impostura patriótica na corrente de Julho e de Agosto era um factor político de primeira importância, formando acompanhamentos a todas as questões da actualidade. As esferas da calúnia alargaram-se ao país com a imprensa dos cadetes, ganhando a província, os territórios limítrofes do estrangeiro, penetrando nos sítios perdidos. No fim de Julho, a Organização bolchevique de Ivanovo-Voznessensk exigiu ainda a abertura de uma campanha mais enérgica contra a perseguição! A questão do peso específico da calúnia na luta política de uma sociedade civilizada espera ainda o seu sociólogo.

E, porém, a reacção, entre os operários e soldados, nervosa e fervescente, não era nem profunda nem sólida. As fábricas da vanguarda, em Petrogrado, ergueram-se poucos dias depois da derrota, protestaram contra as prisões e a calúnia, bateram às portas do comité executivo, restabeleceram as ligações. A fábrica de armas de Sestrorestk, os operários retomaram logo o leme nas mãos: a assembleia geral do 20 de Julho decidiu pagar aos operários os dias de manifestação, na condição que o montante dos salários fosse totalmente empregada em publicações para a frente. O trabalho de agitação aberta dos bolcheviques em Petrogrado retomou, após o testemunho de Olga Ravitch, no 20 de Julho. Nos comícios que não reunissem mais de duzentas a trezentas pessoas, em diferentes partes da cidade, tomaram a palavra três homens: Slutsky, que foi morto mais tarde pelos Brancos na Crimeia, Volodarsky, morto pelos socialistas-revolucionários em Petrogrado, e Evdokimov, metalúrgico de Petrogrado, um dos oradores mais talentosos da revolução. Em Agosto, a agitação feita pelo partido adquiriu grande amplitude. Segundo uma nota de Raskolnikov, Trotsky, preso no 23 de Julho, deu na prisão o seguinte quadro da situação na cidade: «Os mencheviques e os socialistas-revolucionários... continuam a perseguir raivosamente os bolcheviques. Não param de prender os nossos camaradas. Mas, nos círculos do partido, não há desmoralização. Pelo contrário, todos olham o futuro com esperança, considerando que as medidas de repressão consolidarão somente a popularidade do partido... Nos bairros operários, também não se nota desmoralização.» Efectivamente, em breve, uma assembleia de operários de vinte e sete empresas do distrito de Peterhof votou uma resolução protestando contra o governo irresponsável e a sua política contra-revolucionaria. Os distritos proletários reanimam-se.

Enquanto que na cimeira, no palácio de Inverno e no palácio de Tauride, erigiu-se uma nova coligação, reuniam-se quebrando e consertando – mesmo nesses dias e mesmas horas, nos 21 e 22 de Julho, produzia-se em Petrogrado um acontecimento de grande importância, sem dúvida apenas notado num mundo oficial, mas que assinalou a formação de uma coligação mais sólida: a dos operários de Petrogrado e dos soldados do exército da frente. À capital vieram os delegados armados em campanha, que protestavam, em nome dos seus contingentes, contra a sufocação da revolução na frente. Durante alguns dias, eles bateram debalde às portas do comité executivo. Não os receberam, expulsaram-os, procuravam desembaraçar-se deles. Entretanto, chegaram novos delegados que deviam passar pela mesma roda, repelidos, chocavam uns sobre os outros nos corredores, lamentavam-se, injuriavam, procuravam conjuntamente uma saída. Eram ajudados pelos bolcheviques. Os delegados decidiram trocar pontos de vista com os operários, os soldados, os marinheiros da capital, que os acolheram de braços abertos, abrigaram-os. Numa conferência que ninguém do alto tinha convocado, que tinha surgido de baixo, teve, como participantes, delegados de vinte e nove regimentos da frente, noventa fábricas de Petrogrado, marinheiros de Cronstadt e guarnições dos arrabaldes.

No centro da conferência encontraram-se delegados vindos das trincheiras; entre eles, havia também alguns jovens oficiais. Os operários de Petrogrado escutavam os homens da frente com avidez, procurando não perder uma palavra do que eles diziam. Estes contavam como a ofensiva e as sua consequências devoravam a revolução. Obscuros soldados, que não eram agitadores, descreviam nas conversas simples o dia-a-dia da vida da frente. Esses detalhes eram consternadores, porque eles mostravam claramente o que havia de mais detestável no antigo regime. O contraste entre as esperanças de outrora e a realidade de hoje impressionou os corações e uniu os pensamentos numa só voz. Ainda se entre os delegados da frente, os socialistas-revolucionários estivessem verosimilmente em maioria, uma violenta resolução bolchevique foi adoptada quase unanimemente: só houve quatro abstenções. A resolução adoptada não ficou letra morta: separados, os delegados contaram a verdade, dirão eles como foram afastados os líderes conciliadores e como eles foram recebidos pelos operários. As trincheiras confiaram nos seus relatores, estes não enganaram.


Mesmo na guarnição de Petrogrado, o início da reviravolta esboçou-se no fim do mês, sobretudo após os comícios aos quais tinham participado representantes da frente. Na verdade os regimentos que tinham mais sofrido não podiam ainda libertar-se da sua apatia. Em contra-partida, nos contingentes que tinham ficado mais tempo agarrados a uma posição patriótica e que tinham mantido a disciplina durante os primeiros meses da revolução, a influência do partido crescia sensivelmente. A Organização militar, que tinha particularmente sofrido do esmagamento, começou a recuperar. Como sempre após as derrotas, nos círculos do partido, considerava-se com hostilidade os dirigentes do trabalho no exército, queixando-se das faltas reais ou imaginárias e do treino. O Comité central associou-se de perto à Organização militar, efectuando sobre ela, por intermediário de Sverdlov e de Dzerjinski um controlo mais directo, e o trabalho retomou, mais lentamente que antes, mas mais seguramente.


Lá para o fim de Julho, a situação dos bolcheviques nas fábricas de Petrogrado já estava restabelecida; os operários tinham-se unido sob a mesma bandeira; portanto eram já outros homens, mais maduros, isto é mais prudentes, mas também mais resolutos. «Nas fábricas, nós gozávamos de uma formidável influência, ilimitada, relatava Volodarsky, no 27 de Julho, no congresso dos bolcheviques. O trabalho do partido está cheio principalmente de operários... A organização subiu a partir de baixo, e é por isso que temos toda a razão de pensar que ela não se deslocará.» A União da Juventude contava nessa época cerca de cinquenta mil membros e a influência dos bolcheviques fazia-se sentir cada vez mais. No 7 de Agosto, a secção operária do Soviete adoptou uma resolução visando a abolição da pena de morte. Em sinal de protesto contra a Conferência de Estado, os trabalhadores de Potilov descontaram o salário de um dia como subscrição para a imprensa operária. A Conferência dos comités de fábricas e oficinas, uma resolução foi unanimemente adoptada, declarando que a Conferência de Moscovo é «uma tentativa de organização das forças contra-revolucionárias»...


Cronstadt cicatrizava também as suas feridas. No 20 de Julho, um comício sobre a praça da Âncora exigiu a entrega do poder aos sovietes, o envio para a frente dos cossacos assim como guardas e polícias, a abolição da pena de morte, a admissão em Tsarkoie-Selo de delegados de Cronstadt para verificar se Nicolau II, em detenção, é suficientemente e rigorosamente vigiado, a deslocação dos «batalhões da Morte», a confiscação dos jornais burgueses, etc. Ao mesmo tempo, um novo almirante, Tyrkov, tendo tomado o comando da fortaleza, ordenou o envio de barcos de guerra da bandeira vermelha e de hastear a bandeira com a cruz de Santo André. Os oficiais e uma parte dos soldados voltaram a mostrar os seus galões. Os marinheiros de Cronstadt protestaram. A comissão governamental de inquérito sobre os acontecimentos dos dias 3 a 5 foi obrigada a deixar Cronstadt sem resultados para voltar para Petrogrado: ela foi recebida por vaias, protestos e ameaças.

O movimento de opinião produziu-se em toda a frota. «No fim de Julho e no início de Agosto – escreve um dos dirigentes na Finlândia, Zalejsky – sentia-se nitidamente que não somente a reacção exterior não tinha conseguido quebrar as forças revolucionárias de Helsingfors, mas, pelo contrário, aqui, notava-se um movimento muito nítido para a esquerda e um grande crescimento das simpatias para os bolcheviques.» Os marinheiros tinham sido, em certa medida, os instigadores da manifestação de Julho, independentemente e parcialmente contra a vontade do partido que suspeitavam de moderação e quase de espírito conciliador. A experiência da manifestação armada mostrou-lhes que a questão do poder não se resolvia tão simplesmente. Um estado de opinião anarquista cedia lugar à confiança em relação ao partido. Muito interessante, sobre esse aspecto, é o relatório do delegado de Helsingfors no fim de Julho: «Sobre as pequenas unidades navais, é a influência dos socialistas-revolucionários que predomina; mas sobre os grandes barcos de guerra, cruzadores e couraçados, todos os marinheiros ou são bolcheviques ou seus simpatizantes. Tal era (e precedentemente também) o estado de espírito dos marinheiros sobre o Petropavlovsky e sobre o República, e após os dias 3 a 5 de Julho, vieram juntar-se a nós o Gangut, o Sebastapol, o Rurik, o Andrei Pervozvanny, o Diana, o Gromoboi, o Índia. Assim, temos nas mãos uma força formidável de combate... Os acontecimentos do 3 a 5 de Julho ensinaram muito aos marinheiros, mostrando-lhes que não bastava estar num certo estado de espírito para atingir o objectivo.»

Em atraso em relação a Petrogrado, Moscovo seguiu o mesmo caminho. «Pouco a pouco, a atmosfera asfixiante começou a dissipar-se – conta o artilheiro Davydovsky – a massa dos soldados começou a voltar a ela e retomámos a ofensiva sobre toda a frente. Esta impostura que parou por um momento a massa para a esquerda reforçou logo a seguir o seu afluxo em direcção a nós.» Sob o impacto, a amizade das fábricas e dos quartéis estreitava-se. Um operários de Moscovo, Strelkov, conta como as relações estreitas estabeleceram-se progressivamente entre a fábrica Michelsohn e o regimento vizinho. Os comités de operários e soldados decidiram frequentemente, em sessões unificadas, as questões práticas da vida e da fábrica e do regimento. Os operários organizavam para os soldados sessões de educação e de instrução, compravam-lhes jornais bolcheviques e empregavam-se por todos os meios em ajudar-lhes. «Se algum de nós é punido – conta Strelkov – acodem-nos logo para se queixarem... Durante os comícios de rua, se alguém brutaliza um operário de Michelsohn, basta que um soldado tenha conhecimento do facto, e logo chegam por grupos inteiros para o libertar. Ora, as vexações eram então numerosas. Envenenavam-nos com legendas do ouro alemão, da traição e todas as mentiras cobardes dos conciliadores.»

A conferência moscovita dos comités de fábrica e de oficinas, no fim de Julho, tomou primeiro um tom moderado, mas evolui muito para a esquerda numa semana de trabalhos e, cerca do fim, adoptou uma resolução nitidamente tingida de bolchevismo. Nesses mesmos dias, um delegado de Moscovo, Podbielsky, relatava isto do Congresso do partido: «Seis sovietes de bairro sobre dez encontra-se nas nossas mãos... Diante da perseguição actualmente organizada, só nos salvamos na classe operária, que apoia fortemente o bolchevismo.» No início do mês de Agosto, quando das eleições nas fábricas de Moscovo, foram, em vez dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários, os bolcheviques que passavam. O crescimento da influência do partido manifestou-se com fuga na greve geral na véspera da Conferência. As Izvestia oficiais de Moscovo escreviam: «Enfim é tempo de compreender que os bolcheviques não constituem grupos irresponsáveis, que são um destacamento da democracia revolucionária organizada, por detrás da qual estão largas massas, nem sempre disciplinadas, mas em contra-partida totalmente devotadas à revolução.»

O enfraquecimento, em Julho, das posições do proletariado encorajou os industriais. Um congresso dos treze mais importantes organizações de empresa, e nesse número dos estabelecimentos bancários, criou um comité de defesa da indústria que se encarregou da direcção dos lock-out e em geral de toda a política de ofensiva contra a revolução. Os operários replicaram pela resistência. Sobre todo o país desferiu uma vaga de grandes greves e outros conflitos. Se os destacamentos mais experientes do proletariado mostraram-se prudentes, as novas camadas, recentemente formadas, comprometeram-se resolutamente na luta. Se o metalúrgicos ficaram na expectativa e se preparavam, os operários do têxtil irrompiam no terreno, assim como os da indústria da borracha, do papel, do couro. Houve um sobresalto das camadas mais atrasadas e submetidas de trabalhadores. Kiev foi perturbada por uma violenta greve de vigilantes nocturnos e de porteiros: percorrendo os prédios, os grevistas apagavam os lampadários, retiravam as chaves dos elevadores, abrias as portas que davam para a rua, etc.. Cada conflito, qualquer que fosse o motivo, tinha tendência a se estender sobre todo o ramo da indústria e adquirir um carácter de princípio. Com o apoio dos operários de todo o país, os trabalhadores de peles de Moscovo abriram, em Agosto, uma longa e opiniático luta para conquistar aos comités de fábrica o direito de decidir do emprego e do despedimento dos trabalhadores.


Em muitos casos, sobretudo na província, as greves tomaram um carácter dramático, indo até à prisão pelos grevistas de empreendedores e administradores. O governo pregava aos operários a abnegação, entrava em coligação com os industriais, enviava os cossacos na bacia do Donetz e aumentava para o dobro as tarifas sobre o trigo e sobre os abastecimentos de guerra. Enquanto aumentava a indignação dos operários, esta política não acomodava os empreendedores. «Com a clarividência de Skobelev – declara lastimando-se Auerbach, um dos capitães da indústria pesada – os comissários do Trabalho nas localidades ainda não tinham conseguido aí ver com clareza... No próprio ministério... não tinham confiança nos agentes que tinham na província... Os representantes dos operários foram convocados em Petrogrado e, no palácio de Mármore, exortavam-nos, injuriando-os, reconciliavam-os com os industriais, os engenheiros.» Mas tudo isso não conduzia a nada: «As massas operárias, nessa época, caíam cada vez mais sobre a influência de agitadores mais resolutos e decididos na sua demagogia.»

O derrotismo económico constituía o principal instrumento dos empreendedores contra a dualidade de poderes nas fábricas. Na conferência dos comités de fábricas e de oficinas, na primeira quinzena de Agosto, denunciava-se com detalhes a política nociva dos industriais, tendendo a desorganizar e parar a produção. Além da manigâncias financeiras, aplicavam muito a recepção de materiais, o encerramento das oficinas de fabrico de instrumentos ou de reparações, etc.. Sobre a sabotagem desenvolvida pelo empreendedores, testemunhos foram dados por John Reed que, como correspondente americano, tinha acesso aos círculos mais diversos, obtinha informações confidenciais dos agentes diplomáticos da Entente e podia escutar as confissões francas dos políticos burgueses russos. «O secretário da secção peterburguesa do partido cadete – escreve Reed – dizia-me que a decomposição da economia fazia parte da campanha lançada para desacreditar a revolução. Um diplomata aliado a quem prometi em não revelar o nome, confirmou o facto sobre a base das suas informações pessoais. Conheço minas de carvão perto de Kharkov que foram incendiadas ou inundadas pelos proprietários. Conheço fábricas de têxteis da região moscovita onde os engenheiros, ao abandonar o trabalho, avariavam as máquinas. Conheço empregados dos caminhos de ferro que os operários surpreenderam a avariar as locomotivas.» Tal era a atroz realidade económica. Ela respondia não às ilusões dos conciliadores, não à politica da coligação, mas à preparação do levantamento korniloviano.


Na frente, a união sagrada associava-se mal na retaguarda. A prisão de certos bolcheviques – declara Stankevitch lamentando-se – não resolvia a questão. «A criminalidade estava na atmosfera, seus contornos não eram bastante nítidos porque ela tinha contaminado toda a massa.» Se os soldados se tornaram mais moderados, foi unicamente porque eles tinham aprendido, em certa medida, a disciplinar o seu ódio. Mas quando eles se excediam, seus verdadeiros sentimentos manifestavam-se ainda mais claramente. Uma das companhias do regimento do Dobno, a quem tinham ordenado a dissolução por recusar aceitar o capitão recentemente nomeado, sublevou algumas companhias, logo todo o regimento, e quando o coronel tentou restabelecer a ordem pelas armas, foi morto com uma coronhada. Isso passou-se no 31 de Julho. Se, nos outros regimentos, o caso não chegou lá, podia, segundo o sentimento íntimo dos oficiais, acontecer.

Em meados de Agosto, o general Cfhtcherbatchev comunicou ao Grande Quartel General: «O estado de espírito dos contingentes de infantaria, exceptuando os batalhões da Morte, é extremamente instável; às vezes, durante vários dias, as disposições de certos elementos da infantaria modificaram-se bruscamente num sentido diametralmente oposto.» Muitos comissários começaram a compreender que os métodos de Julho não resolviam nada. «A prática dos tribunais militares revolucionários na frente Oeste – comunica no 22 de Agosto o comissário Jamandt – introduziu terríveis divisões entre o comando e a massa da população, desacreditando a ideia desses tribunais...» O programa de salvação de Kornilov, antes da rebelião do Grande Quartel General, tinha sido suficientemente posto à prova e tinha conduzido ao impasse.

O que mais assustou as classes possuidoras, eram os sintomas de decomposição da cossacaria: aí havia a ameaça do desmoronamento da última muralha. Os regimentos de cossacos em Petrogrado, em Fevereiro, tinham abandonado a monarquia sem resistência. Na verdade, entre elas, em Novotcherkassk, as autoridades cossacas tinham tentado dissimular o telegrama anunciando a insurreição e tinham celebrado com a solenidade habitual, o primeiro de Março, no fim de contas, a cossacaria esteve pronta a dispensar o czar e tinha mesmo descoberto, no seu passado, tradições republicas. Mas ela não queria ir para além disso. Os cossacos, desde o princípio, recusaram enviar seus deputados ao Soviete de Petrogrado, para não se meterem ao mesmo nível que os soldados e operários, e constituírem um Soviete de tropas cossacas, agrupando as doze formações da sua casta, na pessoa de seus dirigentes da retaguarda. A burguesia esforçava-se, e não sem sucesso, em se apoiar sobre os cossacos contra os operários e os camponeses.


O papel político da cossacaria era determinado pela sua situação particular no Estado. Ela representava desde dos séculos uma original casta inferior privilegiada. O cossaco não pagava qualquer imposto e dispunha de um lote de terra muito mais considerável que o de um camponês. Nas três regiões vizinhas, as do Don, do Koban e do Terk, três milhões de déciatines (1 déciatine = 2.70 acres) de terras, enquanto que, para quatro milhões e trezentas mil almas da população camponesa, só cabia a essas regiões seis milhões de déciatines: cada cossaco possuía em média cinco vezes mais que um camponês. Entre os próprios cossacos, a terra era distribuida bem intendido muito desigualmente. Havia grandes proprietários e kulaques mais importantes no Norte; também havia pobres. Todo cossaco era obrigado a responder à primeira chamada do Estado, com o seu cavalo e equipamento. Os cossacos ricos podiam bem pagar esta despesa, graças à isenção de imposto. Os da base viam-se constringidos a obedecer às obrigações da casta. Esses dados essenciais explicam suficientemente a situação contraditória da cossacaria. Pelas suas camadas inferiores, ela tocava de perto ao campesinato, pelas cúpulas – aos proprietários nobres. Ao mesmo tempo, as altas e baixas camadas uniam-se pela consciência das suas particularidades, pelo seu estado de eleição, e estavam acostumadas a considerar de alto não somente o operários, mas mesmo o camponês. Foi o que tornava o cossaco médio tão apto a exercer a repressão.

Durante os anos de guerra, quando as jovens gerações se encontravam na frente, as aldeias cossacas eram regimentadas pelos velhos, conservadores das tradições, estreitamente ligados ao corpo de oficiais. Sob a aparência de ressuscitar a democracia cossaca, os grandes proprietários, entre eles, durante os primeiros meses da revolução, convocaram o que se chamaria os círculos militares, os quais elegeram atamans, presidentes no seu género, e, junto deles, «governos militares». Os comissários oficiais e os sovietes da população não cossaca não tinham poder nessas regiões, porque os cossacos eram mais sólidos, mais ricos e melhor armados. Os socialistas-revolucionários tentaram criar sovietes comuns de deputados camponeses e cossacos, mas estes últimos não concordaram, temendo, não sem razão, que a revolução agrária lhes tirasse parte das terras. Não foi em vão que Tchernov, como ministro da Agricultura, disse: «Os cossacos deverão apertar-se um pouco nas suas terras.» Mais importante ainda foi o facto que os camponeses da região e os soldados dos regimentos de infantaria diziam, cada vez com maior frequência em relação aos cossacos: «Deitaremos a mão sobre as vossas terras, vocês já reinaram bastante.» Foi assim que se apresentava o assunto na retaguarda, na aldeia cossaca, parcialmente também na guarnição de Petrogrado, mesmo no centro da vida política. Assim se explica também a conduta dos regimentos cossacos na manifestação de Julho

Na frente, a situação era essencialmente diferente. No total, durante o verão de 1917, as tropas cossacas comprometidas na acção compunham-se de cento e sessenta e dois regimentos e de cento e setenta e uma sotnias. Afastados das suas aldeias, os cossacos da frente partilhavam com todo o exército as sacrifícios da guerra e, mesmo se com um considerável atraso, passavam pela evolução da infantaria, perdiam fé na vitória, exasperavam-se diante do estrago, murmuravam contra os chefes, viviam na angústia da paz e do regresso ao lar. Para a polícia da frente e da retaguarda, destacou-se pouco a pouco quarenta e cinco regimentos e até sessenta e cinco sotnias! Os cossacos eram novamente transformados em guardas. Os soldados, os operários, os camponeses resmungavam contra eles, lembrando-lhes o trabalho de verdugos que eles tinham realizado em 1905. Muitos cossacos que, primeiro, eram orgulhosos da sua conduta em Fevereiro, agora estavam desiludidos. O cossaco começou por amaldiçoar a sua nagaika e recusou mais de uma vez de participar no serviço voluntário. Os desertores, entre os homens do Don e do Koban, eram poucos: eles tinham medo dos velhos na aldeia. No conjunto, os contingentes cossacos ficaram muito mais tempo entre as mãos do comando que a infantaria.

Do Don, do Koban, soube-se na frente que as cúpulas da cossacaria, ajudados pelos antigos, tinham estabelecido o seu próprio poder, sem pedir opinião do cossaco da frente. Isso despertava os antagonismos sociais adormecidos: «Quando voltarmos para casa, lhes mostraremos», disseram mais de uma vez os homens da frente. Krasnov, general cossaco, um dos chefes da contra-revolução sobre o Don, descreveu de forma pitoresca como os sólidos contingentes cossacos se desagregavam na frente: «Começámos a realizar comícios onde se adoptou as resoluções mais extravagantes. Os cossacos deixaram de se ocuparem dos seus cavalos. Era inútil pensar em fazer-lhes exercício. Meteram faixas vermelhas e, deixaram de respeitar os oficiais, nem queriam saber deles.» Portanto, antes de chegar definitivamente a este estado de espírito, o cossaco hesitou muito tempo, coçando a cabeça, procurando de qual lado se voltaria. Num momento crítico, não era fácil adivinhar antecipadamente como se conduziria tal ou tal contingente cossaco.

No 8 de Agosto, o Círculo militar do Don uniu-se com os cadetes par as eleições para a Assembleia constituinte. O rumor propagou-se imediatamente no exército. «Entre os cossacos – escreveu um deles, o oficial Ianov – o bloco foi desacreditado. O partido cadete não tinha raízes no exército.» Na verdade, o exército detestava os cadetes, identificando-os a todos os que amordaçavam as massas populares. «Os velhos venderam-vos aos cadetes!» diziam os soldados gozando. «Mostraremos-lhes!» replicavam os cossacos. Na frente Sudoeste, os contingentes de cossacos numa resolução especial, declararam os cadetes «inimigos confessados e opressores do povo trabalhador» e exigiam que fossem excluídos do Círculo militar todos os que tinham ousado fazer um acordo com os cadetes.

Kornilov, ele próprio cossaco, contava bastante com a ajuda da cossacaria, sobretudo a do Don, e tinha completado com efectivos cossacos o destacamento destinado a dar o golpe de Estado. Mas os cossacos não se mexeram para ajudar» o filho do camponês». Nas suas aldeias, eles estavam prontos a defender com firmeza, no lugar, suas terras, mas não tinham qualquer propensão a comprometerem-se numa rixa entre terceiros. O terceiro corpo de cavalaria também não justificou mais as esperanças. Se os cossacos viam com maus olhos a confraternização com os alemãs, na frente de Petrogrado eles satisfaziam de boa vontade os desejos dos soldados e marinheiros: por esta confraternização, o plano de Kornilov falhou sem efusão de sangue. Assim, se enfraquecia e desabava o último apoio da velha Rússia.

Entretanto, muito longe das fronteiras do país, no território francês, procediam, à escala de um laboratório, a uma tentativa de «ressurreição» da tropas russas, fora do alcance dos bolcheviques, e, por consequência, tanto mais eficaz. Durante o verão e outono, na imprensa russa, penetraram, mas ficaram no turbilhão dos acontecimentos quase despercebidos, informações sobre a revolta armada que tinha rebentado nas tropas russas em França. Os soldados das duas brigadas russas que se encontravam nesse país estavam, segundo o oficial Lissovsky, desde Janeiro de 1917, portanto antes da revolução, «fortemente convencidos de terem sido todos vendidos aos franceses, em troca de munições. «Os soldados não se enganavam tanto. Em relação aos patrões aliados, eles não alimentavam a «menor simpatia», e em relação aos seus oficiais – a menor confiança.

A notícia da revolução encontrou brigadas de exportação por assim dizer politicamente preparadas – e contudo tomou-os de improvisto. Não esperavam dos oficiais explicações da insurreição: a irritação mostrou-se tanto maior que o oficial tinha um grau mais elevado. Nos campos surgiram patriotas democratas vindos do meio da emigração. «Pôde-se observar mais de uma vez – escreveu Lissovsky – como certos diplomatas e oficiais do regimento da Guarda... avançavam amavelmente os lugares aos antigos emigrados.» Nos regimentos surgiram instituições electivas, e, à cabeça do Comité, foi colocado um soldado letão que logo se distinguiria. Ainda aí, portanto, tinham encontrado o seu «alógeno». O primeiro regimento, que tinha sido formado em Moscovo e compunha-se quase inteiramente de operários, de empregados de armazéns, em geral elementos proletários e meio proletários, tinha chegado primeiro sobre as terras de França, um ano antes e, durante o inverno, tinha combatido na frente champanhesa. Mas, «a doença da decomposição atingiu sobretudo esse mesmo regimento». O segundo regimento, que tinha nas suas fileiras uma forte percentagem de camponeses, manteve a calma durante mais tempo. A segunda brigada, quase inteiramente composta de camponeses siberianos, parecia completamente segura. Muito pouco tempo após a insurreição de Fevereiro, a primeira brigada tinha saído da insubordinação. Ela não queria combater nem pela Alsácia nem por Lorena. Ela não queria morrer pela bela França. Ele queria tentar viver na Rússia nova. A brigada foi levada para a retaguarda e estacionada no centro da França no campo de La Courtine.

«No meio de aldeias burguesas – conta Lissovsky – num imenso campo, começaram a viver em condições completamente particulares, insólitas, cerca de dez mil soldados russos amotinados e armados, não tendo perto deles oficiais não aceitando, resolutamente, de se submeter a qualquer um.» Kornilov encontrou uma ocasião excepcional para aplicar os seus métodos de saneamento com a ajuda de Poincaré e de Ribot, que tinham tanta simpatia por ele. O generalíssimo russo ordenou, por telegrama, de levar «os homens de La Courtine a obedecer» e de os enviar para Salónica. Mas os amotinados não cediam. Cerca do primeiro de Setembro, fizeram avançar a artilharia pesada e, no interior do campo, colaram cartazes reproduzindo o telegrama cominatório de Kornilov. Mas, então, no desenrolar dos acontecimentos, introduziu-se outra complicação: os jornais franceses publicara a notícia que o próprio Kornilov tinha sido declarado traidor e contra-revolucionários. Os soldados amotinados decidiram definitivamente que não havia qualquer razão para eles de ir morrer em Salónica, e que além disso por ordem de um general traidor. Vendidos em troca de munições, os operários e camponeses resolveram manter a sua posição. Recusaram conversar com qualquer pessoa do exterior. Nem um soldado saiu mais do campo.

A segunda brigada russa foi ultrapassada pela primeira. A artilharia ocupou posições sobres as encostas das colinas vizinhas; a infantaria, segundo as regras da arte da engenharia, cavou trincheiras e postos avançados em direcção de La Courtine. Nos arredores foram fortemente cercados pelos caçadores alpinos, afim que nem um só francês não penetrasse no teatro da guerra entre duas brigadas russas. Foi assim que as autoridades militares da França realizaram sobre o seu território uma guerra civil entre russos, após ter cercado com cautela com uma barreira de baionetas.

Era uma repetição geral. Logo, a França governante organizou a guerra civil sobre o território da própria Rússia cercando com arame farpado o bloco.


«Um bombardeio em regra, metódico, sobre o campo, foi iniciado.» Do campo saíram algumas dezenas de soldados dispostos a se renderem. Receberam-nos, e a artilharia logo abriu fogo. Isso durou quatro dias. Os homens de La Courtine renderam-se por pequenos destacamentos. No 6 de Setembro, só restavam duas centenas de homens que tinham decidido não se render. À cabeça estava um ucraniano chamado Globa, um batista, um fanático: na Rússia, ter-lhe-iam chamado bolchevique. Sob o tiro de barragem dos canhões, metralhadoras e espingardas, que se confundiam num só ruído, um verdadeiro assalto foi dado. No final, os amotinados foram esmagados. O número de víctimas foi desconhecido. A ordem, de qualquer modo, foi restabelecida. Mas, algumas semanas depois, já, a segunda brigada, que tinha disparado sobre a primeira, sofreu da mesma doença...


Os soldados russos tinham contagiado através dos mares, nas suas gaitas de foles de tecido, nas dobras dos seus capotes e no segredo das suas almas. Por aí, é notável esse dramático episódio da La Courtine, que representa de qualquer modo uma especie de experiência ideal, conscientemente realizada, quase sob a tampa de uma máquina pneumática, para o estudo dos processos interiores preparados no exército russo por todo o passado do país.

Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/historia/cap34.htm

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