Particularmente, sou favorável a liberação da maconha, até porque, literalmente, traficante é capitalista...
Em vários condados americanos a maconha é liberada para consumo e para atividades terapêuticas, incluindo ai o seu plantio. Na Holanda existem locais públicos específicos para o consumo da erva viajante...
Aqui no Brasil, em 1985 o então candidato a prefeitura de São Paulo Fernando Henrique Cardoso PMDB-PSDB declarou aos jornais da capital Paulista de que havia fumado maconha durante sua passagem pela Universidade.
Por Leonardo Sakamoto
Mauricio Fiore, antropólogo, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP), é autor de diversos trabalhos sobre uso de substâncias psicoativas e um dos maiores especialistas brasileiros no tema. Pedi a ele um texto para o blog sobre o polêmico projeto:
O debate sobre política de drogas teve um avanço significativo nos últimos anos. Em todo o mundo, a “guerra às drogas”, uma das piores heranças do século 20, está sendo questionada num debate que cada vez mais se distancia de dogmas e se aproxima do conhecimento científico e do paradigma da garantia dos direitos humanos.
As mudanças políticas, como esperado,
seguem um ritmo mais lento, mas, no Brasil, esse descompasso é dramático.
Quem
acompanha o tema mais de perto não tinha expectativas sobre debates profundos
que viessem do nosso Legislativo. Eis que, instigados ainda pela visão bélica
do “combate às drogas”, parlamentares constituíram uma Comissão Especial, a
CEDROGA, que durante os anos de 2011 e 12, agrupou os projetos de lei
existentes no PL 7663, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS). Enfim, de
onde não se esperava muitos avanços, veio a ameaça de um retrocesso. Sem um
debate qualificado, o projeto avançou rápido e está para ser votado em regime
de urgência no plenário da Câmara dos Deputados.
Seus autores não se mostraram
abertos ao contraponto, o que se exemplificou na reação do seu relator, o
deputado Gilvaldo Carimbão (PSB-AL), às críticas do Conselho Federal de
Psicologia: “O Conselho Federal de Psicologia é um assassino de dependentes de
drogas”.
O texto da lei é longo e confuso, com
muitas imprecisões conceituais e ambiguidades que certamente serão alvo de batalhas
judiciais. Vou me deter apenas em dois pontos do projeto que considero muito
delicados.
1) Reforço do
modelo manicomial
O projeto pretende criar um “Sistema
Nacional de Política de Drogas” que seria responsável por controlar todas as
políticas do tema nas diversas esferas do Estado. Ele ignora que os aspectos
relacionados à saúde pública devem estar em consonância com os marcos do
Sistema Único de Saúde (SUS) e, portanto, de sua Política de Atenção à Saúde
Mental.
Ao legislar sobre internação de usuários
e dependentes de drogas – essa confusão aparece o tempo todo no projeto – o PL
7663 retira os transtornos mentais associados às substâncias psicoativas da Lei
10216/2001, criando uma duplicidade desnecessária, mas cujo objetivo é colocar
ênfase na aceleração das internações como modelo de tratamento. Ele também
torna muito mais rápido o processo de internação à força, último e emergencial
recurso na assistência aos dependentes.
Além de ignorar o necessário
aperfeiçoamento da rede de atenção psicossocial, o projeto tem como pressuposto
que o poder público e o SUS não conseguirão responder à demanda por
internações, abrindo a possibilidade de financiamento para clínicas e
comunidades terapêuticas privadas. A diversidade dessas instituições é grande,
sendo perigosa a generalização. O importante é que não há pesquisa ou
literatura sobre a eficácia de seus tratamentos e há muitos indícios que elas
reproduzam o trágico modelo manicomial de segregação e desrespeito aos direitos
humanos.
Ao eleger a internação como centro da
política pública para atendimento aos dependentes, a proposta parte de
pressupostos questionáveis, como estabelecer um período máximo de 180 dias
nessas instituições. Qual a justificativa desse número? Embora o projeto
dedique muita atenção às exigências de controle e verificação dessas
instituições, não há um parâmetro claro sobre com essa eficácia será medida e
avaliada.
Num detalhe: o projeto revela seu
objetivo de acelerar a internação coletiva à força que temos assistido no Rio
de Janeiro e em outras cidades. Prevê que um “servidor público” pode, na
ausência da família, requerer a internação, que deve ser respaldada por um
médico. Abra-se o caminho, assim, para o contraditório “acolhimento
compulsório” de moradores de rua e para a perversa associação entre assistência
social e higienismo urbano.
2) Recrudescimento
da criminalização e do encarceramento
O tráfico de drogas é o segundo maior
encarcerador no Brasil e, como o ritmo de prisão por esse crime cresce mais que
os outros, ele deve ocupar, em breve, o primeiro posto (que já detém no caso
das mulheres). Pesquisas demonstram que a maior parte dos detidos por tráfico
foram flagrados com pouca quantidade de drogas e sem arma de fogo, são jovens,
pobres e respondem presos ao processo (decisão já condenada no STF, mas
comumente ignorada nos tribunais estaduais).
Hoje, a lei já prevê uma pena dura
– mínimo de 5 e máximo de 15 anos –próxima, portanto, daquelas previstas para
estupro e homicídio. Encarcerados num sistema prisional “medieval” – palavras
do Ministro da Justiça – as dificuldades de inserção desses jovens no mercado
de trabalho se multiplicam.
O PL 7663 parte do princípio que esse
encarceramento é insuficiente. Aumenta a pena mínima para tráfico de drogas
para 8 anos e eleva as penas mínimas para todos os crimes relacionados ao
tráfico, como, por exemplo, o de informante. No caso de um jovem flagrado
soltando rojão para alertar “traficantes” sobre a presença da polícia, prática
punida hoje com pelo menos dois anos de prisão, terá pena mínima de 6 anos,
equivalente à do estupro.
Ainda há mais: a pena para tráfico
pode ser aumentada em dois terços caso envolva “mistura de drogas” que
potencializem o risco de dependência, atingindo 25 anos. Nesse caso, essa
conceituação sem nenhum critério científico tem como alvo claro o crack,
apostando na ideia de que se deve combate a todo custo uma“epidemia” até hoje
não demonstrada objetivamente. Os EUA passaram a punir mais rigorosamente o
tráfico de crack nos anos 1980 e o resultado foi uma enorme contribuição para
que se tornasse o maior encarcerador mundial, com super-representação de pobres
e de minorias étnicas. Essa política vem sendo paulatinamente abandonada por
lá, mas ressurge como “solução” por aqui.
O projeto ignora a diferenciação mais
clara entre o uso e o tráfico de drogas e dá tratamento semelhante a qualquer
tráfico, inclusive o pequeno e não violento, um dos maiores equívocos da lei
atual. Reforça, ainda, algumas das sanções previstas para os penalizados por
uso, dobrando o tempo de suas sanções, além de acrescentar outras, como a
“restrição de direitos relativos à frequência a determinados lugares ou
imposição ao cumprimento de horários”. Caso aprovada, a lei levará a mais
encarceramento cego por um crime não violento e continuará fracassando no seu
pretenso objetivo, que é a diminuição de oferta e da demanda de drogas
ilícitas.
Muitos outros pontos poderiam ser
questionados no PL 7663, como o artigo que obriga as escolas a notificar
compulsoriamente “suspeitas” de uso de drogas. Todas elas apontam para a falta
de um debate profundo e democrático na construção do projeto e para a aplicação
da lógica de guerra às drogas na elaboração de leis e políticas públicas, cada
vez mais percebidas internacionalmente como injustas e fracassadas.
Parece desalentador ter de lutar para
que não haja retrocesso, enquanto poderíamos discutir avanços. Mas esse pode
ser um momento no qual a participação e o engajamento nesse debate contaminem a
ação dos parlamentares e dos seus partidos, presos no discurso moral e inócuo
do “combate às drogas”.
Movimentos sociais, especialistas e
personalidades estão se movimentando não apenas para que o projeto seja
barrado, mas para que outra política seja construída. Há muitas formas de se
engajar nessa discussão. Uma delas é assinar a petição contra o projeto de lei
7663, disponível aqui.
Bob Marly |
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