Texto de Celso Lungaretti*
Mesmo a "limitada proposta" de apenas investigar os abusos cometidos pela ditadura de 1964/85, sem a instauração de processos contra quem violou direitos humanos no passado, "foi duramente criticada pelos militares brasileiros, com o ministro da Defesa tentando enfraquecê-la ainda mais".
Esta é a avaliação que, no capítulo referente ao Brasil do seu relatório anual sobre a situação dos DH no mundo inteiro, a Anistia Internacional faz da grita histérica dos setores conservadores e reacionários contra a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos.
O documento foi divulgado nesta 4ª feira (26) pela mais respeitada e influente ONG do planeta dedicada à defesa dos DH.
Destaca que o PNDH-3 "recebeu uma boa acolhida da sociedade civil", mas foi "foi duramente criticado pelos militares, pela Igreja Católica e pelos grupos de defesa dos interesses dos proprietários rurais".
Segundo a AI, tais contestações constituíram "uma séria ameaça para a proteção dos direitos humanos no país".
Por ser recente, a decisão do STF, de considerar plenamente válida uma Lei de Anistia gerada em ditadura, só entrará no relatório do ano que vem.
Mas, logo após a contestadíssima decisão do Supremo, o pesquisador Tim Cahill, responsável pelos estudos da AI sobre o Brasil, já declarou que ela contrariara "qualquer entendimento de leis internacionais ou mesmo nacionais sobre situações em que agentes do Estado podem ser anistiados quando cometem crimes de lesa-humanidade, tortura, extermínio e execuções sumárias contra seus próprios cidadãos".
E concluiu com uma afirmação contundente, mas verdadeira:
"É uma mensagem forte do Brasil, de que, quando o Estado tortura e mata seus próprios cidadãos, ninguém é responsável".
TRUCULÊNCIA, EXECUÇÕES E TORTURAS - O relatório anual da AI também fez pesadas críticas ao comportamento das forças policiais e de segurança no combate à criminalidade, ressaltando que, "por todo o país, houve relatos persistentes de uso excessivo da força, de execuções extrajudiciais e de torturas cometidas por policiais".
Mais: os "autos de resistência" fajutos com que a Polícia encobre seus excessos, lembra o documento, contrariam tanto o PNDH-3 quanto as recomendações do relator especial da ONU sobre execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais.
Por conta da aceitação automática da versão policial, diz a AI, "centenas de homicídios não foram devidamente investigados e houve poucas ações judiciais, se é que houve alguma".
O quadro é assustador no Rui de Janeiro:
"Um estudo do Instituto de Segurança Pública, ligado à Secretaria de Segurança Pública (...), constatou que, entre janeiro de 1998 e setembro de 2009, 10.216 pessoas foram mortas no estado em incidentes registrados como 'atos de resistência'.
E a situação também se agrava em São Paulo, onde "as mortes cometidas por policiais militares tiveram um aumento de 41%".
Esquadrão da Morte - Vídeo 1
Esquadrão da Morte - Vídeo 2
Esquadrão da Morte - Vídeo 3
Esquadrão da Morte - Vídeo 4
Na verdade estes vídeos complementam outro texto de Celso Lungaretti publicado hoje dia 27/05/2010 que denuncia a impunidade como força motriz que perdura desde os tempos da ditadura militar. Na minha opinião (Carlão) o STF deixa bem claro o sua insanidade e seu intuito golpista (não teria poder pra isso), incentivando a manutenção do estatus vigente do período obscuro da história politica recente do Brasil. A ditadura, neste momento está vestida de Toga (O nome dessa roupa preta do verbo tegere que significa: cobrir, vestir. Veste talar de uso obrigatório pelos magistrados em todas as instâncias. Utilizada em Roma, a toga servia tanto para homens quanto para mulheres, podendo ser usada de dia e de noite (vestimentum diurnum et nocturnum et muliebre et virile), porém apenas os que tinham direito de cidadão romano é que podiam usar tal vestimenta, por esta razão escravos e subordinados a penalidades não podiam usá-la, uma vez que não eram considerados cidadãos. E, é assim que o Supremo Tribunal Federal está tratando a sociedade brasileira que pede esclarecimentos, a abertura dos arquivos e punição dos torturadores pelos crimes cometidos durante o Regime Militar.
Disponível em: http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
Acompanhe abaixo:
STF CRIA "CULTURA DA IMPUNIDADE", ACUSA BICUDO
D. Paulo Evaristo Arns, Hélio
Bicudo e o jornalista Audálio
Dantas, em 2004, na PUC/SP.
Tudo que você queria saber sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da anistia dos torturadores e não tinha quem esclarecesse, está na entrevista Bicudo: “Luta contra tortura prossegue na OEA”, um magnífico trabalho jornalístico da companheira Ana Helena Tavares.
Escrevi recentemente sobre Bicudo, então não vou chover no molhado: basta dizer que foi um dos personagens mais importantes da resistência à ditadura de 1964/85 pelos caminhos legais que ainda restavam.
Irmanados pelos ideais e pela fé, ele e D. Paulo Evaristo Arns aproveitaram a relativa proteção que o prestígio mundial lhes proporcionava, para travarem uma luta épica contra a repressão ditatorial, golpeando duramente o terrorismo de estado, principalmente com dois feitos emblemáticos: os processos contra o Esquadrão da Morte e a missa de sétimo dia de Vladimir Herzog.
Foram verdadeiros divisores de água, a partir dos quais o poder aberrante dos porões entrou em colapso.
Eis os principais trechos da entrevista:
"O texto da Lei de Anistia, não permite que os torturadores fiquem impunes, muito pelo contrário. Não acho que haja necessidade de modificar o texto. Basta aplicá-lo como ele é, segundo uma interpretação jurídica e não ideológica.
"[sobre a alegação do relator Eros Grau, de que os crimes cometidos pelos torturadores seriam conexos e, portanto, abrangidos pela anistia de 1979] É lamentável que um juiz da Suprema Corte não saiba o que são realmente delitos conexos. (...) Os 'crimes conexos' são aqueles cujas finalidades são as mesmas do ato principal praticado. P. ex., um ladrão entra na sua casa, rouba, e, para evitar que existam provas, incendeia a casa. São dois crimes conexos: o roubo e o incêndio da casa. Há uma identidade de fins: a finalidade era roubar e não ser punido.
"Mas se o ladrão entra na casa, rouba, é preso e depois morto pela polícia, não há nenhuma ligação entre um fato e outro, do ponto de vista das suas finalidades. (...). É como nesse caso da Anistia. Os opositores do regime cometeram crimes que a lei diz que, depois de algum tempo, não podem ser punidos. Mas se trata de crimes praticados contra o Estado repressor. Ideologicamente, eles não têm nada a ver com os crimes praticados pelos agentes do Estado.
"A finalidade dos crimes praticados pelas pessoas que eram contrárias ao regime era política. Os crimes praticados pelos agentes do Estado não têm finalidade política. São crimes contra a humanidade e, por esse motivo, imprescritíveis. Quando a Lei de Anistia fala em 'crimes conexos', você não pode interpretar a conexidade senão de um lado e de outro. Quer dizer, você pode ter pessoas que cometeram crimes contra o Estado conexos entre si, mas você não pode ligar estes crimes aos cometidos pelos agentes do Estado para beneficiar a si próprios. Ou seja, os agentes do Estado agem por outra finalidade. No caso, para manter a ditadura.
"[sobre a alegação de que a anistia de 1979 reconciliou o País] É um absurdo falar em 'conciliação' quando os militares detinham o poder Executivo e o comando do Legislativo. (...) Num contexto como esse, você não pode encontrar consenso da sociedade civil com relação à lei que foi promulgada.
"[sobre se a revisão da Lei de Anistia seria inconstitucional, por prejudicar um direito adquirido] Existem tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, que dizem que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis. Veja bem: não são crimes que se esgotam naquele momento. O homicídio se esgota, mas outros crimes não, como, p. ex., o sequestro. Você tem pessoas que despareceram e até hoje não se sabe seu paradeiro. Podem ter sido mortas, mas você precisa provar que elas foram mortas para desaparecer o crime de sequestro. É um crime continuado: persiste no tempo. Foi praticado ontem, continua existindo hoje e continuará amanhã. Não existe prescritibilidade desses crimes.
"[leis brasileiras x cortes internacionais] Em 1998, o Brasil reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ela não tem o poder de revogar a decisão do STF. Mas, desde o momento em que o Brasil reconheceu a jurisdição, tem que se submeter à Corte. Porque reconheceu de boa fé, não foi obrigado a isso. Esse reconhecimento vale para todos os crimes que forem a julgamento pela Corte Interamericana e forem imputados ao Brasil. Acho que a Corte Interamericana, de acordo com a sua jurisprudência e conforme já julgou com relação a outros Estados, mostrará que não existe auto-anistia.
"Porque o que se busca hoje no Brasil é o reconhecimento da auto-anistia. Um governo que cometeu crimes pode anistiar a si próprio? Isso não existe! Anistia existe para proteger pessoas que num dado momento, por motivos políticos, cometeram crimes. Para pacificar a sociedade, você considera este crimes inexistentes.
"Mas não os crimes praticados pelo Estado. Isso já se constituiu numa jurisprudência pacífica da Corte Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos. Não tenho dúvida nenhuma de que a corte vai condenar o Estado brasileiro. Não pela manutenção de uma lei — mas pela interpretação errada dada a ela pela justiça brasileira, que vem acudindo os torturadores e aqueles que, a serviço do Estado, eliminaram pessoas durante o período da ditadura militar.
"A corte [Interamericana de Justiça] não aplica sanções. Caso o Brasil não cumpra uma decisão, ela relata esse fato à Assembléia Geral dos Estados Americanos. Esta, sim, pode punir os países-membros com sanções. Ou pode não punir, porque a OEA é um órgão eminentemente político. De qualquer maneira, acho que a situação do Brasil no que diz respeito aos direitos humanos na área internacional vai ficar muito ruim. Como é que fica o STF? É está agindo contra os direitos humanos e isso poderá ter consequências futuras.
"Uma sociedade que se diz contra a tortura, mas não pune quem a pratica, está se expondo a riscos. Se, num momento político qualquer, houver restrições à democracia (...) haverá mais possibilidades de a tortura contra adversários políticos também voltar, porque criou-se a cultura de impunidade".
Celso Lungaretti é Jornalista e escritor.
Integrante da VPR foi preso político durante o regime miliar. Atualmente é anistiado
Disponível em: http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
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