Por
Liga Bolchevique Internacionalista
Há
exatamente 96 anos, no dia 07 de novembro de 1917 (pelo calendário gregoriano e
25 de outubro pelo juliano) o partido Bolchevique sob a direção do grande chefe
Lenin tomava o poder de estado na Rússia.
A
história do século XX não pode ser compreendida sem se ter em conta a enorme
influência da revolução socialista de Outubro de 1917 na luta dos trabalhadores
e dos povos oprimidos de todo o mundo contra a exploração e opressão
imperialistas.
Falem
o que quiserem falar os “historiadores” e “jornalistas” detratores da revolução
a soldo do capital e todos os renegados “comunistas” e revisionistas do
Leninismo arrependidos que, em nome de “lançar um novo olhar crítico” sobre os
fatos, os deformam grotescamente, não há como ocultar que os principais
acontecimentos que marcaram o último século estão de alguma maneira
relacionados à perspectiva histórica da revolução socialista mundial que se
abriu com a vitória bolchevique.
De
forma inédita, ocorreu uma experiência genuinamente proletária de expropriação
da propriedade privada que, em uma vasta extensão territorial, assumiu uma
dimensão e duração infinitamente maior que a Comuna de Paris.
Até
então, a primeira tentativa de “assalto ao céu”, como afirmou Marx na época, e
instauração de um governo proletário, durou apenas 72 dias.
Por
sua vez, os sovietes, os órgãos de democracia operária criados sobre a base de
estruturas piramidais de conselhos populares nascidos em meio ao “ensaio geral”
de 1905, apresentaram um formato bem mais aprimorado de Estado operário.
E, o
que assumiu uma importância decisiva: também pela primeira vez na história da
humanidade, a classe operária, através de sua vanguarda de quadros comunistas
forjados sob as experiências das revoluções de 1905 e de fevereiro de 1917,
converteu-se em classe para si e organizou conscientemente a tomada do poder.
Assim,
por maior que sejam os esforços em contrário de todos os seus inimigos nestes
96 anos, as lições da primeira revolução proletária da etapa imperialista do
capitalismo não podem ser esquecidas pelas novas gerações de revolucionários.
Na academia, na mídia e nos partidos da esquerda revisionistas reina neste
momento uma verdadeira cruzada antibolchevique por exterminar ou pelo menos
demonizar todas as referências do grande triunfo proletário de 1917, para
confundir os lutadores de hoje e impedi-los de organizar uma saída
revolucionária diante das explosivas contradições da dominação imperialista.
Não
por acaso os charlatães do Marxismo tentam “vender” o conceito de uma suposta
revolução como sendo levantes “democráticos” organizados pelo imperialismo
contra “ditaduras” nacionalistas.
Se antes a socialdemocracia, o stalinismo e o “marxismo acadêmico” trataram, cada um a seu modo, de prostituir o legado de Outubro, após a restauração do capitalismo na URSS, a ampla frente dos antibolcheviques se sentiu mais à vontade para requentar antigas calúnias que anteriormente só pertenciam ao desacreditado entulho “literário” da direita reacionária.
Um
extenso e heterogêneo arco faz em comum à propaganda de que não tem mais
sentido algum no século XXI a defesa do partido de vanguarda comunista da
classe operária, da revolução violenta, da tomada de poder e da ditadura do
proletariado.
Esta crença contrarrevolucionária ganhou força
e se alastrou amplamente após a queda do Muro de Berlim, a destruição dos
Estados operários deformados do Leste europeu e da URSS que, além de
re-implantar a propriedade privada nessa parte do planeta onde a burguesia já
havia sido expropriada, permitiu ao capital intensificar a exploração e
opressão sobre as massas trabalhadoras em todo o mundo.
A extremada degeneração do modo de produção
capitalista, com a crescente miséria das massas e a concentração da riqueza
social nas mãos um punhado de megacorporações coloca, na ordem do dia, a
necessidade da luta de classe do proletariado reencontrar sua estratégia
socialista como única via para arrancar a humanidade da barbárie
imperialista.
Ainda
que hoje as condições estejam bastante adversas aos trabalhadores, em essência
a luta de classes continua a mesma luta do proletariado contra a exploração e o
domínio de classe dos capitalistas.
Portanto,
o resgate do legado teórico e político de Lenin e do bolchevismo como parte das
lições do processo revolucionário de Fevereiro a Outubro de 1917 é de
fundamental importância.
Nesse
aspecto destaca-se o método leninista de análise da luta de classes e de
construção do partido como instrumento de ação política para a transformação
revolucionária da sociedade.
Os
fatores históricos e sociais que fizeram possível a Revolução de Fevereiro de
1917, prólogo da Revolução de Outubro dirigida pelo Partido Bolchevique oito
meses mais tarde, têm suas raízes fincadas nas profundas contradições da Rússia
czarista, um típico país camponês que se incorporou à cadeia da economia
capitalista mundial somente no final do século XIX, quando os países
capitalistas mais desenvolvidos da Europa e da América do Norte já haviam
ingressado na fase imperialista.
O
desenvolvimento capitalista da Rússia foi favorecido por investimentos de
capitais originários da França, Inglaterra e Alemanha, que afluíram
massivamente ao império dos czares entre 1880 e 1900, possibilitando uma rápida
transformação na economia e na sociedade russa.
Entretanto,
o vigoroso desenvolvimento industrial que concentrou grandes fábricas nos
principais centros urbanos, se fez de tal forma que as mais avançadas
estruturas e técnicas do capitalismo coexistiam e completavam-se com o atraso
econômico no campo, onde ainda imperavam relações semifeudais (a servidão
feudal só foi abolida em 1861) e a concentração de terras nas mãos de um
punhado de latifundiários.
Dessa
forma, manifestavam-se na Rússia todas as contradições características dos
países capitalistas de desenvolvimento desigual e combinado. No início do
século XX a Rússia possuía a maior população da Europa, 174 milhões de
habitantes. Destes, cerca de 80% ainda viviam no campo.
A
maior parte das terras estava em mãos de uma minoria de 30.000 latifundiários,
enquanto milhões de camponeses pobres viviam miseravelmente em pequenas
propriedades e outros tantos não possuíam nenhuma terra, vendo-se obrigados a
trabalhar como operários agrícolas nas terras dos latifundiários.
Esta
situação condenava os camponeses à pobreza, à miséria e à fome, conduzindo a
revoltas periódicas que eram violentamente reprimidas pela autocracia czarista.
A
dissolução das relações feudais no campo e o desenvolvimento da grande
indústria lançaram uma parcela significativa dos camponeses nos centros
urbanos, dando origem a um jovem e combativo proletariado fabril de
aproximadamente 10 milhões de operários; um proletariado muito concentrado (as
fábricas com mais de 1.000 operários empregavam 41,4% da classe operária russa)
que, tendo rompido bruscamente com suas velhas relações sociais, estava aberto
para as ideias revolucionárias mais avançadas.
A
opressão que a autocracia czarista exercia sobre uma multidão de povos e nações
que constituíam o império russo era outro fator que alimentava as contradições
da sociedade.
As
lutas de libertação nacional de polacos, finlandeses, ucranianos, letões,
lituanos, muçulmanos, etc., que sofriam a opressão nacional nas mãos da casta
dominante grã-russa, tiveram um papel muito importante no processo
revolucionário russo e acertaram golpes mortais contra a monarquia
czarista.
O
atraso econômico engendrava também o atraso político. Em 1917 a Rússia ainda
era uma monarquia absolutista.
O
Estado czarista era um poder político semifeudal, organizado fora dos padrões
burocráticos dos Estados burgueses modernos (recrutamento dos funcionários
aberto a todas as classes sociais; ideologia do Estado como autoproclamado
defensor do interesse geral de toda a população e situado acima dos interesses
das classes e dos indivíduos; direito baseado na igualdade jurídica formal
entre todos os cidadãos, etc.).
Era,
portanto, um Estado controlado quase que exclusivamente por burocratas
provenientes ou ligados à aristocracia nobiliárquica e em que os principais
cargos do aparelho estatal eram vedados aos membros da burguesia.
Num
mundo dominado por nações capitalistas, a permanência de um aparelho de Estado
feudal sobre uma estrutura econômica já baseada em relações de produção
capitalistas, era cada vez mais inviável.
Todas
as classes da sociedade burguesa se colocavam objetivamente em oposição ao
regime czarista com sua burocracia estatal e a aristocracia feudal que lhe dava
sustentação.
A
existência da autocracia czarista obrigava a burguesia a colocar-se em oposição
ao regime visando tomar em suas mãos a direção do Estado e da economia. Com
esse objetivo já se organizara desde 1905 no partido
democrata-constitucionalista, principal partido burguês de oposição ao
czarismo, cuja sigla KDT o tornou mais conhecido como partido cadete.
Todavia,
na etapa histórica do capitalismo imperialista, a burguesia russa, como toda a
classe burguesa de qualquer país de desenvolvimento capitalista tardio, já era
politicamente incapaz de colocar-se à frente das massas para realizar mesmo as
tarefas históricas clássicas das revoluções burguesas como o fim dos
privilégios feudais, a extinção do latifúndio com a distribuição das terras
entre os camponeses pobres e a abolição do absolutismo.
Dessa
forma, já na revolução de 1905 a burguesia, que inicialmente apoiou a
mobilização das massas contra a autocracia czarista, pretendendo utilizá-las
para forçar o regime czarista a promover mudanças que permitissem sua
participação como força social majoritária na direção do Estado, logo se jogou
nos braços da reação quando os operários, de armas nas mãos, levantaram suas
próprias reivindicações (jornada de 8 horas, aumento dos salários e ocupações
de fábricas).
De sua
parte, a classe operária russa, antes mesmo de 1905, já dispunha de sua própria
organização política, o POSDR, fundado em 1898.
As
divergências que dividiram os marxistas russos entre bolcheviques e
mencheviques começaram no II congresso POSDR, em julho de 1903, em torno da
definição do conceito de militante e do tipo de organização de que necessitava
o movimento operário para lutar contra o czarismo e pela revolução.
Lenin, à frente dos bolcheviques, definia como
militante do partido “todo aquele que aceita seu programa e apoia o partido
tanto materialmente como por meio da participação pessoal em uma de suas
organizações”.
A
concepção leninista de partido propunha uma organização de combate, formada
principalmente por revolucionários profissionais, forjada no centralismo
democrático, na hierarquia e na disciplina consciente de seus membros;
constituída por quadros preparados por uma longa aprendizagem.
Uma
organização que pudesse se apresentar com fisionomia própria diante das
tendências pequeno-burguesas; preservar a vanguarda consciente da degeneração
política e ideológica e preparar, com todos os detalhes da arte revolucionária,
a vitória da revolução proletária.
Em
oposição aos leninistas, os mencheviques, liderados por Martov, consideram
membro do partido “todo aquele que aceita seu programa, paga suas cotizações e
coopera regularmente no trabalho do partido, sob a direção de uma de suas
organizações”.
O tipo
de organização proposta pelos mencheviques baseava-se no princípio da “ampla
democracia”, refletindo a influência das concepções pequeno-burguesas no
movimento operário russo.
Para
muitos antibolcheviques de hoje todo mal emana do “centralismo democrático”
(alguns revisionistas contemporâneos até tentam escamotear sua aversão
substituindo a expressão por democracia centralista), que até se justificaria
para a luta clandestina contra o czarismo, mas seria completamente
desnecessário e até nocivo nas sociedades “democráticas” atuais.
De
fato, o centralismo leninista não foi pensado, principalmente e antes de tudo,
para as condições de clandestinidade sob a tirania czarista (que seguramente
influíram na necessidade de centralização da organização leninista), mas por
razões políticas fundamentadas no caráter centralizado da própria dominação do
capital e seu Estado.
Sem
uma centralização, sem uma vontade única, o proletariado não poderá levar
adiante a luta revolucionária, que exige vencer um Estado centralizado.
Tanto
Engels em seu “Sobre a autoridade” quanto Lenin em seu “Esquerdismo, doença
infantil do comunismo” destacam a disciplina do proletariado como uma das
condições para a vitória sobre a burguesia. Isto é reconhecido por qualquer
trabalhador que tenha participado de uma greve.
Acatar
as decisões democraticamente tomadas majoritariamente por uma assembleia é uma
das condições para ter êxito sobre a burguesia e não por acaso, o seu inverso,
o desacato, a supressão da democracia operária e a não execução de suas
deliberações tomadas nas assembleias proletárias é a política dos burocratas
traidores que fazem o jogo do inimigo de classe.
Muitos
poderão reconhecer que a disciplina é justa quando praticada de baixo para
cima, mas o partido bolchevique organizava-se de forma hierárquica de cima para
baixo e aí estaria a causa da burocratização.
De
fato, as coisas se processam de forma diferente entre as organizações de massas
(sindicatos, associações, etc.) e as organizações de vanguarda (de caráter
partidário).
Lenin queria construir com os setores mais
avançados do proletariado o Estado maior da revolução social e, por isto,
combatia a ideia anarquista de que o partido teria leis próprias independentes
da luta de classes pelo poder e da influência da ideologia burguesa sobre as
distintas classes sociais e sobre os próprios militantes.
Até
que o comunismo não dissolva as classes sociais, a lei principal que se
manifesta sempre quando se luta pelo poder estatal, é a existência de
dirigentes e dirigidos, daqueles que dão ordens e aqueles que a seguem,
hierarquia que no partido é definida pelo grau de dedicação e abnegação à luta
revolucionária do proletariado.
Exatamente
por isto, em um partido dinâmico, muitos dirigentes que têm sua militância
debilitada por quebra ideológica ou erros políticos de direção são
dialeticamente ultrapassados pelos que antes eram dirigidos. Todavia, querer
vencer romanticamente esta divisão elementar entre vanguarda e retaguarda com
ficções horizontalistas é pura demagogia ou utopia libertária. Significa
subordinar a parte mais avançada a mais atrasada, arriscando o caráter
revolucionário do partido.
Sobre
o que consiste a autoridade dirigente e os riscos do burocratismo, Lenin
argumenta: “Toda a arte de uma organização conspirativa consiste em saber
utilizar tudo e todos, em ‘dar trabalho a todos e a cada um’, conservando ao
mesmo tempo a direção de todo o movimento, e isto entenda-se, não pela força do
poder, mas pela força da autoridade, por energia, maior experiência, amplidão
de cultura, habilidade.
Esta
observação está relacionada com uma contestação possível e comum: a de que uma
centralização rigorosa possa destruir um trabalho com excessiva facilidade, se
casualmente no centro se encontre uma pessoa incapaz, possuidora de imenso
poder.
É
claro que isso é possível, mas o remédio contra isso não pode ser o princípio
eleitoral e a descentralização, absolutamente inadmissíveis e inclusive nocivas
ao trabalho revolucionário sob a autocracia.
O remédio contra isso não se encontra em
nenhum estatuto. Somente podem nos fornecer parâmetros ‘críticas fraternas’
começando com resoluções de todos os grupos e subgrupos, seguidas de
conclamações ao Órgão Central e Comitê Central e terminando, ‘na pior das
hipóteses’, com a destituição da direção completamente incapaz.
O
comitê deve esforçar-se para realizar a mais completa divisão de trabalho
possível, lembrando-se que para os vários aspectos do trabalho revolucionário
são necessárias diferentes capacidades.
Algumas
vezes, pessoas completamente incapazes como organizadoras podem ser excelentes
agitadoras, ou outras incapazes para uma severíssima disciplina conspirativa,
ser excelentes propagandistas, etc. (Carta a um Camarada, setembro de 1902).
As
divergências entre bolcheviques e mencheviques aprofundaram-se a partir de 1905
em torno da definição do caráter da revolução russa e do papel das classes
sociais no processo revolucionário.
Enquanto os mencheviques defendiam que caberia
à burguesia a direção política da sociedade após a derrota do czarismo, os
bolcheviques sustentavam que o novo governo revolucionário só podia ser produto
de uma aliança do proletariado com o campesinato.
A
experiência revolucionária de 1905 despertou para a vida política até os
setores mais atrasados das massas, como o numeroso campesinato que, pouco
propenso a constituir organizações políticas estáveis devido à dispersão
imposta pelas suas próprias condições sociais de existência, encontrou um canal
de expressão no partido da pequena-burguesia urbana, o partido
socialista-revolucionário.
A
situação revolucionária de 1905, após a derrota na guerra com o Japão
(1904-1905), foi um claro sinal, por um lado, da incapacidade do Estado russo
manter uma posição de potência internacional e, por outro, de que a Rússia era
o Estado europeu mais vulnerável às lutas populares e onde estas estavam mais
avançadas da época.
A
repressão sangrenta do movimento revolucionário de 1905 permitiu salvaguardar o
poder de Estado nas mãos do Czar por mais 12 anos.
Mas
provocou a perda de um dos pilares fundamentais de sustentação do Estado, ou
seja, a capacidade de controle ideológico e a sua legitimidade como poder
político perante as massas exploradas.
Desde
o Domingo Sangrento, o Czar perdeu sua feição sagrada diante das massas que
passaram a vê-lo como um inimigo de classe.
Entre
1905 e 1917, o Estado czarista se manteve fundamentalmente sobre o aparelho
repressivo que tornava o czarismo cada vez mais objeto do ódio popular.
Dessa
forma, quando eclodiu a primeira grande guerra, abrindo uma nova crise e
acendendo o estopim para que a revolução fizesse saltar pelos ares todo o
corroído edifício do Estado absolutista, preparando as condições para a
revolução proletária mundial independente da vontade dos blocos imperialistas
que impulsionaram a guerra, a revolução russa já conhecera, nas palavras de
Lenin, o seu “ensaio geral” em 1905.
A 1ª
Guerra Mundial que começou em agosto de 1914, como consequência da disputa
entre as principais potências imperialistas por mercados e por uma nova
partilha do mundo colonial, promovendo a maior carnificina humana jamais
conhecida até então, embotou temporariamente a consciência dos trabalhadores
com o nacionalismo e o patriotismo belicista.
Uma
onda chauvinista atingiu todas as camadas da sociedade russa, inclusive a
classe operária, que se viu afetada pela mobilização de milhões de operários e
camponeses para as tropas da frente de batalha, desarticulando temporariamente
o movimento operário.
A
vanguarda revolucionária e os dirigentes do partido bolchevique se viram
isolados das massas durante todo um período.
Mas, apesar do isolamento, se mantiveram
firmes na defesa da derrota de ambos os blocos imperialistas em conflito e pela
transformação da guerra imperialista em guerra civil do proletariado contra as
burguesias de seus países, em defesa da revolução proletária mundial como única
saída para a humanidade diante dos horrores da guerra imperialista.
A
destruição de forças produtivas se fez particularmente insuportável sobre os
países mais atrasados.
Na Rússia, a indústria de guerra devorava
todos os recursos agravando a situação de miséria das massas trabalhadoras.
Aproximadamente 50% de toda a produção e cerca de 75% da produção têxtil foram
destinados a suprir as necessidades do exército.
Ao
final de 1916, as tropas russas já estavam exauridas pela fome. A guerra já
custara ao país 1 milhão e 700 mil mortos, destruíra 25% da indústria e 9% da
agricultura.
As derrotas na frente de combate, o baixo
nível de provisões, a desorganização dos transportes e os abusos dos oficiais
acabaram por abater completamente o moral dos soldados russos.
As
deserções adquiriram proporções massivas. A escassez, a miséria, a fome e o
aumento vertiginoso dos preços faziam insuportável a situação dos operários e
camponeses em todo o país, minando a febre patriótica que contaminou a
sociedade no início da guerra.
A
responsabilidade por toda essa catástrofe recai sobre o Czar e a casta
dirigente do Estado.
A crise social passou a se refletir no círculo
dirigente do Estado, através de intrigas palacianas que culminaram com o
assassinato de Rasputin, o sacerdote charlatão que era conselheiro e “guia
espiritual” do czar e da czarina, interferindo diretamente nas decisões de
governo e que resumia em sua pessoa toda a podridão e corrupção da autocracia
czarista.
A
Revolução Bolchevique foi uma consequência direta da primeira grande crise
imperialista que teve sua expressão maior e mais trágica na I Guerra Mundial.
Apesar
de não ser um marxista, o rigoroso historiador Edward Hallet Carr reconhece que
“A Revolução constituiu o primeiro desafio claro ao sistema capitalista, que
alcançou seu ponto culminante na Europa no final do século XIX. Sua aparição
durante a I Guerra Mundial, e em parte como consequência desta, foi mais que
uma coincidência.
A
guerra descarregou um golpe mortal na ordem capitalista internacional, tal como
existia antes de 1914, e revelou sua instabilidade inerente.
A
revolução pode ser considerada, ao mesmo tempo, como uma consequência e uma
causa do declínio do capitalismo” (Edward H. Carr, A Revolução Russa de Lenin a
Stalin, 1917-1929, Rio de Janeiro, Zahar, 1980).
A
guerra mundial agravou a crise do Estado absolutista e gerou uma conjuntura
extremamente favorável para a derrubada do Czar Nicolau II.
Em apenas cinco dias, de 23 a 28 de fevereiro,
segundo o calendário russo (8 a 13 de março pelo calendário ocidental), a
insurreição proletária pôs abaixo a secular monarquia imperial russa.
Mas em
seu lugar surgiu um governo de latifundiários capitalistas e da burguesia
liberal (outubristas e democratas-constitucionalistas), o Governo Provisório
burguês de Lvov, Gutchkov e Miliukov, que nasceu da Revolução de Fevereiro como
consequência das limitações da luta espontânea das massas.
Lvov
era um latifundiário e deputado da extrema direita. Miliukov era líder do
principal partido burguês, conhecido como Partido dos Democratas
Constitucionalistas ou KDT (Kadete). Gutchkov dirigia os Outubristas, que
absolutamente nada tinham a ver com a revolução de outubro de 1917, eram assim
chamados porque foram criados em apoio ao Manifesto promulgado pelo Czar em
Outubro de 1905.
Lenin,
que se encontrava na Suíça quando explodiu a Revolução, analisou
criteriosamente os acontecimentos através de uma série de artigos conhecidos
como “Cartas de Longe”, em que escreveu ao CC do partido bolchevique em
Petrogrado: “Todo o curso dos acontecimentos da revolução de Fevereiro-Março
mostra claramente que as embaixadas inglesa e francesa, com os seus agentes e
‘ligações’, que há muito faziam os mais desesperados esforços para impedir
acordos ‘separados’ e uma paz separada entre Nicolau II... e Guilherme II,
organizaram diretamente a conspiração, em conjunto com os outubristas e
democratas-constitucionalistas, em conjunto com uma parte do generalato e do
corpo de oficiais do exército e em especial da guarnição de Petrogrado, para
depor Nicolau Romanov”.
Analisando
de um ponto de vista marxista a correlação das forças sociais na revolução
Lenin afirmava: “Se a revolução venceu tão rapidamente e – aparentemente, ao
primeiro olhar artificial – de um modo tão radical, é apenas porque, por força
de uma situação histórica extremamente original, se fundiram, e fundiram-se com
uma notável ‘harmonia’, correntes absolutamente diferentes, interesses de
classe absolutamente heterogêneos, tendências políticas e sociais absolutamente
opostas.
A
saber: a conspiração dos imperialistas anglo-franceses que impeliram Miliukov,
Gutchkov e Cia a tomarem o poder, no interesse do prosseguimento da guerra
imperialista...
E, por
outro lado, um profundo movimento proletário e popular de massas (de toda a
população da cidade e do campo), com caráter revolucionário, pelo pão, pela
paz, pela verdadeira liberdade” (Cartas de Longe, 7 a 26 de março de 1917). Nos
primeiros dias de março se organizaram sovietes em todas as fábricas, bairros,
localidades e regiões.
Os
mencheviques e socialistas-revolucionários elegeram a imensa maioria nos
sovietes.
Em
essência, a influência dos mencheviques e socialistas-revolucionários refletia
o peso social da pequena-burguesia russa, sobretudo das massas camponesas
recém-despertadas para a vida política e que se encontravam concentradas aos
milhões como soldados do exército.
O Partido Bolchevique que na época contava com
cerca de 40 mil militantes, embora tenha estado na linha de frente da
insurreição, estava longe de ser a força política com maior influência de
massas.
Mesmo
em Junho de 1917 os bolcheviques ainda detinham apenas cerca de 10% dos
delegados ao I Congresso de Sovietes de Deputados Operários e Soldados de Toda
a Rússia (apenas 105 do total de 1090 de delegados eram bolcheviques).
Na
noite de 27 de fevereiro, ocorreu a primeira reunião do Soviete de Petrogrado,
que criou o Comitê Executivo Central composto em sua maioria por mencheviques e
socialistas-revolucionários. O Soviete se declarou órgão dos deputados
operários e soldados e era de fato quem detinha o poder político, colocando as
tropas sob seu comando e determinando que as ordens do Comitê da Duma (a Duma
era uma espécie de Câmara de Deputados que foi criada pelo czarismo pressionado
pela revolução de 1905) só seriam cumpridas se não se chocassem com as do
Soviete.
Porém,
dois dias depois, os membros mencheviques e socialistas revolucionários do
Comitê Executivo do Soviete concluíram um pacto com a Duma, avalizando a
formação de um Governo Provisório composto por partidos monarquistas e
burgueses, presidido por Lvov. Contrariando uma resolução do Comitê Executivo
do Soviete de Petrogrado, adotada na tarde do dia 1º de março, que decidira não
indicar representantes para compor o governo burguês, a direção do soviete
apresenta o nome de Alexandre Kerensky, um parlamentar de um partido
pequeno-burguês conhecido como Trudovique que havia sido eleito em 1912 para a
Duma para compor este primeiro governo provisório como Ministro da Justiça.
Os
Trudoviques nasceram, em 1907, de uma ruptura da ala direita do Partido
Socialista Revolucionário (SR). Os SRs compunham um partido radical pequeno
burguês, camponês, herdeiro dos Narodniks que empregavam métodos de terrorismo
individual contra o czarismo.
Outro
“socialista” indicado ao primeiro ministério provisório foi o menchevique N. S.
Tchkheidze.
Dessa
maneira, mais uma vez na história, os trabalhadores que espontaneamente
realizaram a revolução de fevereiro entregaram voluntariamente o poder à
burguesia.
Assim,
a Revolução de Fevereiro desembocou na constituição de um governo burguês
fortemente apoiado nas organizações de massa, os sovietes, através de suas
direções conciliadoras.
Após a
queda do Czarismo, a situação peculiar na Rússia consistia em que, sob a
política dos mencheviques e socialistas-revolucionários, a Revolução de 27 de
Fevereiro havia dado o poder à burguesia. Faltava ainda ao proletariado o grau
de consciência e organização necessárias para tomar todo o poder em suas
próprias mãos, passando por cima de suas direções reformistas tradicionais.
Forjar-se
como o instrumento que vai possibilitar aos trabalhadores preencher esta
carência política é a grande contribuição à história da luta de classes que os
bolcheviques viriam a dar.
Não
antes sem uma ferrenha luta interna promovida por Lenin contra a posição dos
dirigentes locais do partido, Stalin, Kamenev, Olminsk, Kalinin e Muranov de
apoio crítico ao Governo Provisório, de fazer-lhes exigências políticas por
pão, paz e terra, mantendo inclusive conversações para a reunificação com os
mencheviques.
A
partir de suas “Cartas de Longe”, como vimos, Lenin defendeu que a política
correta dos bolcheviques deveria ser denunciar os líderes mencheviques e
socialistas-revolucionários como conciliadores e bajuladores da burguesia.
Em um
segundo documento intitulado “Sobre as tarefas do proletariado na presente
revolução” que ficou conhecido como “Teses de Abril”, Lenin combate a linha
colaboracionista dos dirigentes bolcheviques locais: “Nenhum apoio ao Governo
Provisório.
Explicar
a completa falsidade de suas promessas, sobretudo sobre a da renúncia das
anexações. Desmascarar este governo, que é um governo de capitalistas, invés de
propagar a inadmissível e ilusória ‘ exigência’ de que deixe de ser
imperialista” (7 de abril de 1917).
Nas
“Teses” Lenin defende a realização imediata de um Congresso do Partido para
modificar seu programa mínimo, o qual considera antiquado; a reformular as
posições sobre o imperialismo, a guerra imperialista e, sobre o Estado,
apontando que a República soviética seria a versão mais acabada de um Estado que
tem como exemplo a Comuna de Paris.
Ele
reivindica também a substituição do nome do Partido de “Social democratas
(bolchevique)” para Comunista.
Para
dobrar os setores conciliacionistas da direção bolchevique em favor da ruptura
revolucionária com o governo provisório, Lenin teve que recorrer às bases do
partido, que aprovaram toda a linha política das Teses de Abril.
Como
parte desse combate, conseguiu aproximar do Partido Bolchevique, a organização
Inter-bairros de Petrogrado.
Este
grupo, vinculado a Trotsky, havia tomado postura a favor do poder soviético,
mas a política implementada por Kamenev e Stalin no partido, o tinha
dissuadido, uma vez que desde a Revolução de 1905 defendia que somente a
revolução proletária na Rússia poderia realizar as tarefas democráticas
burguesas e iniciar as tarefas de construção do socialismo.
Depois
de um longo périplo desde o Canadá à Escandinávia, Trotsky regressou à Rússia
em 5 de maio.
De
imediato se integra na organização Inter-bairros, onde militam vários
mencheviques internacionalistas, Yureniev e Karajan, antigos bolcheviques e, no
geral, os militantes que se viram vinculados a ele há vários anos: Ioffe,
Manuilsky, Uritsky, da redação do Pravda (A verdade) e Pokrovsky, Riazánov e Lunacharsky
do Nashe Slovo (Nossa Palavra).
O
partido bolchevique de 1917, o partido comunista cuja constituição defendia
Lenin em abril, em torno dos “melhores elementos do bolchevismo”, nasceu da
confluência, no seio da corrente bolchevique, das pequenas correntes
revolucionarias independentes que integram tanto a organização Inter-bairros
como as numerosas organizações socialdemocratas internacionalistas que, até
então, haviam ficado à margem do partido de Lenin.
Lenin
definiu como característica peculiar da Rússia após a Revolução de Fevereiro, a
dualidade de poderes entre o Governo Provisório e o Soviete de Petrogrado.
“Esta dualidade de poderes manifesta-se na existência de dois governos: o
governo principal, autêntico e efetivo da burguesia, o governo provisório de
Lvov e companhia, que tem em suas mãos todos os órgãos do poder, e um governo
suplementar, secundário, de controle, personificado pelo Soviete de deputados
operários e soldados de Petrogrado, que não tem nas suas mãos os órgãos do
poder de Estado, mas se apoia diretamente na indubitável maioria absoluta do
povo, nos operários armados e soldados” (Teses de Abril).
Os
sovietes de operários, que apareceram pela primeira vez durante a Revolução de
1905, ressurgiram em Fevereiro de 1917 como forma de organização operária de
base, com um grau elevado de espontaneidade, onde o proletariado russo se
organizava autonomamente por zona residencial e/ou por fábrica.
Assim, ocorria uma unificação do poder
econômico e político em uma nova instituição social, onde os operários elegiam
os seus delegados diretamente. Estes poderiam ter seus mandatos revogáveis a
qualquer momento e expressavam a vontade das assembleias e plenárias operárias
de base.
Os
sovietes representavam um poder de classe paralelo ao poder político oficial do
governo da burguesia e dos partidos conciliadores (mencheviques e
socialistas-revolucionários).
Obviamente
estes dois poderes não poderiam coexistir indefinidamente. A dualidade de
poderes era característica de uma situação revolucionária que não se definira,
revelando um impasse na luta de classes. Um dos poderes teria que suprimir o
outro.
Visto
que sob essa dualidade de poderes a burguesia não tinha forças para reprimir e
desarmar os operários e soldados revolucionários, a Rússia era então o país
mais democrático dentre as nações beligerantes.
Nessas circunstâncias, segundo Lenin, a tarefa
central dos bolcheviques era realizar um paciente trabalho de crítica e
esclarecimento dos erros dos partidos pequeno-burgueses, socialista-revolucionário
e menchevique; de preparação e coesão dos elementos genuinamente proletários,
comunistas; de libertação do proletariado da embriaguez pequeno-burguesa
generalizada. Apontando que as contradições da dualidade de poder têm que ser
resolvidas em favor do poder proletário, Lenin defende neste momento a consigna
de “Todo o poder aos Sovietes” como instrumento de mobilização e
conscientização das massas.
A
primeira crise do Governo Provisório ocorreu em abril (maio) de 1917. No dia 20
de abril (3 de maio), o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Miliukov (KDT),
confirmou a decisão do governo provisório de respeitar todos os tratados
concluídos pelo governo do czar Nicolau II, ou seja, manter a Rússia na guerra
de rapina imperialista.
No dia
seguinte o operariado de Petrogrado realiza uma manifestação de protesto que
mobilizou cerca de 100 mil operários e soldados, provocando a renúncia de
Miliukov. Para sanar a crise, o Comitê Executivo Central dos Sovietes vota por
conformar um segundo governo provisório de coalizão composto por 10 ministros
burgueses e cinco ministros mencheviques e socialistas-revolucionários
indicados pelo Soviete de Petrogrado, entre eles Skobelev, Tchernov e
Tsereteli. Kerensky assumia o Ministério da Guerra e da Marinha.
Forma-se
o segundo Governo Provisório, do qual, somente o partido bolchevique fica de
fora. Este tipo de governo de colaboração de classes, preventivamente
contrarrevolucionário, vem a ser anos depois propagandeado como exemplo pelos
PCs stalinizados mundo afora com o nome de frente popular.
O novo
governo em nada correspondia aos anseios revolucionários das massas: O país
continuava na guerra de pilhagem imperialista, o desemprego e a fome ameaçavam
a classe operária e os camponeses pobres continuavam sem terra.
Em
resposta a essa situação, o Partido Bolchevique convocou uma manifestação para
o dia 10 de Junho, ocasião da abertura do I Congresso Pan-Russo dos Sovietes.
O
Comitê Executivo Central dos Sovietes e o Governo Provisório proibiram
manifestações de rua durante três dias.
Não
querendo opor-se à decisão do Congresso soviético, os bolcheviques cancelaram a
manifestação. Porém, no dia 12 a direção socialista-revolucionária e
menchevique do Congresso dos Sovietes aprovou uma resolução para realizar uma
manifestação para o dia 18 de Junho, com o claro objetivo de ganhar as massas
para o lado do governo provisório e angariar apoio para a continuidade da
guerra imperialista.
Entretanto,
no dia da manifestação (18) cerca de 500 mil operários e soldados de Petrogrado
desfilaram ao som das palavras de ordem do Partido Bolchevique contra a guerra
imperialista, fora os 10 ministros capitalistas e por todo o poder aos
sovietes.
O
crescimento da influência de massas do Partido Bolchevique era evidente. Desde
a Revolução de Fevereiro os operários, soldados e camponeses haviam dado todo
seu apoio ao Comitê Executivo dos Sovietes, ou seja, aos mencheviques e
socialistas-revolucionários.
As
massas estavam dispostas a defendê-los com todas as suas forças, incluindo as
armas.
Mas o
estado de espírito revolucionário das massas não admitia traição e covardia.
Haviam tomado o poder em Fevereiro e o confiaram ao Comitê Executivo dos
Sovietes que, por sua vez, devolveu o poder aos piores inimigos da revolução,
refugiando-se covardemente atrás do Governo Provisório dos latifundiários e da
burguesia.
Os partidos conciliadores dos Sovietes se
negavam a tomar as terras dos latifundiários, os bancos dos burgueses e pôr fim
à guerra imperialista.
Os
bolcheviques eram contra a insurreição armada neste momento, pois acreditavam
que a crise ainda não estava madura, que o exército e as províncias não estavam
preparados para apoiar a insurreição em Petrogrado que ficaria isolada.
Lenin
chega a comentar no dia 3 de julho “Se não nos fuzilam agora é porque são uns
imbecis!”. Mas, mesmo neste descompasso com o interior do país era difícil
conter o estado de radicalização do proletariado em Petrogrado.
O CC
bolchevique juntamente com a direção regional de Petrogrado tomam a decisão de
participar da manifestação para dar-lhe um caráter pacífico e organizado.
A
paciência das massas foi se esgotando até explodir nas radicalizadas
manifestações espontâneas que constituíram as “Jornadas de Julho”, quando 500
mil operários e soldados armados exigiram que o Soviete de Petrogrado tomasse
todo o poder em suas mãos.
O Governo resolveu reprimir a manifestação
pacífica. Após as Jornadas de Julho, o Governo Provisório desencadeou uma feroz
perseguição aos bolcheviques. Sua imprensa foi proibida.
O
operário bolchevique, Ivan Voinov, foi assassinado no dia 06 daquele mês quando
distribuía a publicação Listok Pravda (Folha da Verdade) pelo aparato
repressivo ligado aos kadetes.
A
direita aproveita o refluxo, aproveitando a ofensiva alemã no front e lança uma
campanha de calúnias acusando os bolcheviques de “agentes do Kaiser” e Lenin de
vendido. Trotsky foi preso e é ordenada a prisão de Lenin que não se apresenta
e foge para a Finlândia.
No dia
12 (25) de julho foi restabelecida a pena de morte para os soldados que não
obedecessem a seus oficiais. Houve fuzilamento de soldados na frente de combate
e desarmamento dos operários.
A
perseguição foi um duro golpe contra a situação de dualidade de poderes. A partir
de então, para Lenin, já não tinha sentido acreditar na evolução pacífica da
revolução em direção a um governo soviético.
“A palavra de ordem de ‘Todo o poder aos
sovietes’ era a palavra de ordem de desenvolvimento pacífico da revolução, que
de 27 de fevereiro até 4 de julho foi possível e, como é natural, o mais
desejável de todos, porém hoje já é absolutamente impossível.
(...) O equilíbrio estável do poder cessou, o
poder passou, no lugar decisivo, para as mãos da contrarrevolução. (...)
Nestas condições, a palavra de ordem de
passagem do poder aos sovietes pareceria uma quixotada ou uma fraude.
Manter
esta palavra de ordem equivaleria, objetivamente, a enganar o povo” (A
propósito das consignas, meados de julho de 1917).
A
incapacidade do governo provisório de colocar um ponto final no clima de
instabilidade social levou à saída dos ministros do partido
democrata-constitucionalista (Kadete) do governo.
Forma-se
então o terceiro governo provisório e Kerensky assume a condição de primeiro
ministro.
Em agosto
de 1917 ocorreu a tentativa de golpe comandada pelo General Kornilov, que
expressava os objetivos contrarrevolucionários da burguesia e dos
latifundiários feudais de esmagar o proletariado revolucionário e campesinato
russos.
Kerensky
sempre foi conivente com a preparação do golpe fascista de Kornilov, mas quando
percebeu que também não seria poupado foi obrigado a aceitar o rearmamento do
proletariado para derrotar a tentativa golpista. No dia 25 de agosto (7 de
setembro) Kornilov enviou o Batalhão da 3ª Cavalaria contra Petrogrado.
Sob a
orientação direta de Leon Trotsky, foi organizada a Guarda Vermelha que ergueu
as barricadas e preparou a defesa da cidade.
O
avanço das tropas foi interrompido e seu moral arrasado pelos agitadores
bolcheviques, imprimindo uma rápida derrota a kornilovada.
O
Partido Bolchevique saiu desse episódio como o grande responsável pela vitória
dos operários e soldados de Petrogrado.
O
fracasso da tentativa golpista significou uma derrota da burguesia e da
aristocracia russas e isolamento completo do governo de Kerensky.
A essa
altura, só lhe restava resistir como pudesse e ganhar tempo até que os alemães
entrassem na Rússia e desbaratassem as forças bolcheviques e os sovietes de
operários, soldados e camponeses.
A
cidade de Riga, atual capital da Letônia, foi entregue ao governo alemão e
Petrogrado estava em vias disso, segundo se tomou conhecimento mais tarde
através da publicação dos tratados secretos estabelecidos entre Kerensky e o
governo alemão. A vitória da Insurreição de Outubro impediu uma carnificina
sobre a classe operária.
Como
consequência da vitória sobre as forças de Kornilov, o Partido Bolchevique
obteve uma rápida ascensão junto das massas.
O
prestígio e a influência dos bolcheviques se manifestaram na vitória esmagadora
que obtiveram nas eleições para os sovietes de Moscou e Petrogrado, as duas
maiores cidades do país. Em 9 de setembro (22), Trotsky foi eleito Presidente
do Soviete de Petrogrado.
Após a derrota do golpe direitista de Kornilov
operou-se um importante giro à esquerda entre os camponeses, que protagonizaram
ocupações e expropriações de terras e insurreições regionais que tiveram um
grande efeito obre as tropas compostas basicamente por camponeses.
A
frente desse processo colocaram-se novos dirigentes operários organizados no
Comitê de Defesa da Revolução, que se encarregou de armar os trabalhadores.
A maioria era bolchevique. Lenin lança uma
nova carta ao CC do partido no dia 15 (28) de setembro intitulada “Os
bolcheviques devem tomar o poder”.
A proposta
vence ainda que por uma pequena minoria. Seis votos a favor, quatro contra e
seis abstenções. Perdendo peso nos sovietes para os bolcheviques, os partidos
conciliadores governistas tentaram criar um contrapeso parlamentarista burguês
com a Conferência Democrática convocada pelo Comitê Executivo Central dos
Sovietes para 14 a 22 de setembro (27 de setembro a 25 de outubro) de 1917 em
Petrogrado.
Dela
participaram 1.500 delegados. Mencheviques e SRs fizeram o possível para
reduzir o número de delegados operários e garantir uma maioria burguesa e
pequeno-burguesa.
Esta
manobra continuou mesmo depois da revolução com a chantagem da Assembleia
Constituinte que se realizou em 5 (18) de janeiro de 1918.
Esta
Constituinte composta ainda por uma maioria contrarrevolucionária recusou-se a
reconhecer o poder soviético. Foi dissolvida por decreto do Comitê Executivo
Central Soviético em 6 (19) de janeiro de 1918.
A
intervenção dos Sovietes na vida política crescia cada vez mais.
A
desorganização e a sabotagem da economia obrigava os sovietes a manter sob seu
controle a distribuição dos alimentos, a eletricidade, o transporte, tanto para
as cidades como para a frente. Colocava-se a questão de saber quem deveria
dirigir a economia: o governo de Kerensky, que era a sombra da burguesia e não
tinha nenhum interesse em enfrentar-se com ela, ou os Soviets, cuja tarefa
deveria levar adiante as primeiras medidas para a transformação socialista da
sociedade.
Lenin
pressionava e insistia que não se podia deixar passar o tempo. Em 29 de
setembro de 1917, Lenin escreve uma carta ao Comitê Central do Partido
Bolchevique que vacilava, exigindo a organização imediata da tomada do poder.
Sem meios termos declarava: “A crise está madura”.
Explica
novamente porque a consigna de “Todo poder ao Soviete!”, não mais atendia às
necessidades imediatas da luta de classes, mesmo quando os bolcheviques já
dominavam a maioria dos Sovietes.
Era
necessário organizar militarmente o assalto ao poder burguês. A partir daquele
momento Lenin considera que esperar seria um crime contra a revolução mundial.
Crime
com o qual ele não compartilhava e apresentava seu pedido de demissão do CC,
reservando-se ao direito de fazer propaganda nas bases do partido.
A
situação mais favorável para a insurreição era o momento em que a correlação de
forças favorecia aos bolcheviques e esse momento havia chegado.
Se o
partido deixasse passar o momento, se hesitava, poderia levar as massas ao
descontentamento, à desconfiança e à decepção e com isso à derrota da revolução.
Os
bolcheviques haviam dado passos muito importantes na organização e na ampliação
de sua influência sobre as massas.
Desde
que se opuseram ao envio de 1/3 da guarnição de Petrogrado para frente de
combate como queria Kerensky, se criou o Comitê Militar Revolucionário – CMR
(em 16 de outubro), órgão legal da insurreição, presidido por Trotsky.
A
tática do Governo Provisório era retirar da capital os regimentos mais
revolucionários e, portanto, mais perigosos, que estavam alinhados com os
bolcheviques.
Através
do CMR foram nomeados comissários bolcheviques em todas as unidades e
instituições militares, estabelecendo vias de comunicação entre os soldados e
os operários. Assim ia se consolidando os elementos de um poder proletário.
Com o
apoio dos soldados, o CMR realizou o armamento sistemático dos trabalhadores,
reforçando a Guarda Vermelha. Destacamentos de operários, soldados e
marinheiros armados se preparavam estrategicamente em posições chaves da
cidade. Os capitalistas viam como a corrente da história seguia adiante sem que
pudessem fazer nada. No final de setembro, o Soviete de Petrogrado exigiu do
Comitê Executivo dos Sovietes a convocação do II Congresso dos Sovietes.
O
Congresso conseguiria unificar o papel e a ação de todas as forças para
defender-se da contrarrevolução, para discutir a organização do poder
revolucionário e a derrubada do governo Kerensky.
Os
bolcheviques pediram a sua convocação para a primeira semana de outubro e
ameaçaram fazer sua própria convocação do Congresso caso este não fosse
convocado pelo Comitê Executivo, que diante dessa situação se viu obrigado a
convocar o Congresso dos Sovietes para 20 de outubro.
Porém, os conciliadores do Comitê Executivo
sabiam que o Congresso não deixaria passar em branco a questão do poder. Cientes
do perigo procuram adiar a data.
Em
resposta, os bolcheviques começaram uma ampla campanha de agitação em torno da
necessidade de convocação do Congresso, conseguindo o apoio dos sovietes
locais, onde apenas tinham influência, passando a ter maioria.
Sob a
consigna bolchevique de “todo o poder aos sovietes”, os sovietes de toda a
Rússia passaram a exigir a imediata convocação do Congresso.
Quando
os mencheviques e socialistas revolucionários do Comitê Executivo viram que não
podiam mais continuar sabotando a realização do Congresso, finalmente decidiram
convocá-lo para o dia 25 de outubro.
No dia
10 de outubro foi realizada a primeira reunião do CC bolchevique com a presença
de Lenin que voltou da clandestinidade na Finlândia.
Ele aprofundou pessoalmente a linha de defesa
de suas cartas escritas na clandestinidade assumida desde julho, pela tomada
imediata de medidas políticas e militares para organizar a insurreição.
Nas
semanas que sucederam o golpe de Kornilov e a conquista da maioria dos Sovietes
o CC havia evoluído à esquerda. Resultado: dez contra dois em favor do assalto
ao poder.
As
dúvidas e vacilações sobre a possibilidade de triunfo da classe revolucionária
levaram Kamenev e Zinoviev, dois importantes membros do Comitê Central, a
votarem contra a insurreição.
Argumentaram
que o partido estava subestimando as forças inimigas; que o governo dispunha de
destacamentos de choque, dos cossacos, do Estado Maior, dos cinco mil junkers e
de artilharia que iam massacrar o povo e derrotar a revolução.
Negavam,
inclusive, que havia um estado de espírito combativo entre as massas. Aludiam
que com as forças atuais a tática correta seria exigir do Governo a convocação
definitiva da Assembleia Constituinte e que, na medida em que a influência dos
bolchevique havia crescido no último período se conseguiria obter 1/3 dos
mandatos da Assembleia.
Isso
significava relegar ao partido leninista o papel de opositor dentro do regime
democrático burguês. Kamenev e Zinoviev subestimavam o apoio real das massas
aos bolcheviques, sustentando a necessidade de um “poder estatal combinado”
entre a Assembleia Constituinte e os Sovietes.
Demonstrando falta de confiança na força real
da classe operária dos camponeses, Zinoviev e Kamenev desprezaram os princípios
elementares do Partido Bolchevique e tornaram públicas suas divergências,
expondo as intenções do partido ao inimigo de classe, uma criminosa quebra do
centralismo.
Essa atitude de Zinoviev e Kamenev levou Lenin
a defender a expulsão do partido dos dois dirigentes.
Sua
posição, entretanto, não foi aprovada pelo Comitê Central. A maioria do partido
estava de acordo com a tomada do poder.
Nesse
momento, como já havia ocorrido em abril, o apoio às posições de Lenin provinha
das tradições de classe dos operários bolcheviques que garantiram a manutenção
da linha correta.
Este
episódio da Revolução de Outubro demonstrou a importância do fator subjetivo,
ou seja, do partido leninista e a necessária democracia interna que o
caracterizava.
Tanto
nos debates de abril como nos de outubro, as discussões foram totalmente
amplas, sem nenhum tipo de restrições na hora de expor as divergências.
Graças
ao debate democrático nas instâncias do Partido Bolchevique conseguiu a
preparação necessária para dirigir a insurreição de outubro.
Ante o
temor de que o Congresso dos Sovietes fugisse de seu controle, em 24 de outubro
o Governo decidiu dissolver o CMR e fechar a imprensa bolchevique.
O
cruzador Aurora, cuja tripulação era majoritariamente bolchevique recebe a
ordem de levantar âncoras e posicionar-se em frente ao Palácio de Inverno.
O CMR,
sob a liderança de Trotsky, organizou a defesa da imprensa bolchevique e chamou
os ferroviários e soldados a paralisarem as tropas contrarrevolucionárias que
haviam sido chamadas para Petrogrado.
O
governo Kerensky achava-se impotente. O CMR trabalhou durante todo o dia e toda
a noite (24/25 de outubro), ocupando pontes, estações, edifícios, etc.,
transferindo para o controle do Soviete de Petrogrado os principais órgãos de
poder.
O
Instituto Smolny, sede do Soviete de Petrogrado e do Partido Bolchevique,
estava fortificado. Vinte e quatro horas depois, os últimos representantes do
Governo Provisório renderam-se no Palácio de Inverno. Kerensky já havia fugido
para o exterior.
No dia
24 de outubro, um dia antes do II Congresso Pan-Russo dos Sovietes, Kerensky
ordena desesperado a repressão contra o soviete de Petrogrado e aos
bolcheviques, fornecendo ele próprio o motivo para a ação armada preventiva
bolchevique: a defesa do II Congresso soviético. Mais tarde, Trotsky relata que
segundo suas estimativas apenas 30 mil homens participaram da luta.
O II
Congresso, do qual participam 390 bolcheviques de um total de 673 delegados,
avaliza a insurreição e o novo Governo dos Comissários do Povo presidido por
Lenin.
O CMR entrega o poder ao Soviete, dando início
à construção do primeiro Estado operário do século XX.
Refletindo
o internacionalismo da Revolução de Outubro, a primeira resolução do Congresso
dos Sovietes foi um chamado a todos os povos em guerra para lutar por uma paz
verdadeiramente democrática.
A
conduta dos bolcheviques neste momento crucial para a vitória da revolução
demonstrou com absoluta clareza a necessidade vital da construção de um partido
comunista de vanguarda, demolindo o fetichismo da “auto-organização” da classe
operária independente de uma direção revolucionária, como bem caracterizou
Trotsky em seu “Lições de Outubro”: “Não pode triunfar a revolução proletária
sem partido, a parte do partido ou por um substituto do partido”.
Um
evento desta magnitude histórica para a luta de classes não poderia deixar de
despertar acaloradas polêmicas desde os distintos matizes de esquerda até os
ataques raivosos dos contrarrevolucionários repetidos até a exaustão nos dias
de hoje.
Em
resumo: 1) O que ocorreu não foi uma revolução, mas um golpe de Estado
ilegítimo arquitetado pela astúcia perversa de Lenin. Como vimos, Lenin e os
bolcheviques acreditavam a princípio na possibilidade dos sovietes assumirem
gradativamente o poder a partir do desgaste crescente dos governos provisórios
burgueses, o que não foi possível graças à repressão desesperada e crescente
patrocinada pelo regime moribundo burguês que recorreu ao golpe de Estado
fascista de Kornilov e a medidas militares para trucidar os bolcheviques,
impedindo sua ascensão através da luta política pacífica.
A
própria burguesia ensinou aos bolcheviques que esta via não era possível, como
todas as experiências posteriores de governos de frente populares (França,
Espanha, Indonésia, Chile, Nicarágua...), nacional populistas de esquerda
(Jango) e bonapartistas sui generis como veremos em breve no desenlace da
experiência com os bolivarianos atuais, nos comprovam que não há via pacífica
para o socialismo.
A
tomada do poder em outubro de 1917 foi um golpe de Estado na medida em que será
qualquer assalto ao poder executado por fora da institucionalidade ou
legalidade burguesa existente.
O que se distingue dos golpes militares
burgueses é o fato destes serem executados por dentro do próprio aparato
repressivo estatal. Neste sentido, só pode haver revolução através de um golpe
de Estado, executado por organismos armados da população através do emprego da
ação direta.
Todavia,
ninguém pode esperar que uma insurreição armada espontânea triunfe sobre um
aparato repressivo profissional de milhares de homens por mais debilitado que
esteja o governo burguês e por mais favorável que seja a situação
revolucionária.
A
insurreição armada é uma forma especial de luta política que possui suas
próprias leis, como expressou Marx, “a insurreição armada é, como a guerra uma
arte”. Estava claro que a conspiração militar para o assalto ao poder instigada
por Lenin nada tinha a ver com o blanquismo.
Naquele
momento, seu partido estava profundamente enraizado no proletariado, contava
com as simpatias da maioria do povo, suas palavras de ordem (todo poder aos
sovietes, terra para os camponeses, paz imediata) tinham a mais ampla
popularidade e ele havia conquistado a maioria dos órgãos de luta
revolucionária, os sovietes.
2) A
ditadura do proletariado não foi mais do que uma fachada para instaurar de fato
uma ditadura do partido único sobre o proletariado. Lenin insistiu até o final
em manter a coalizão com o partido socialista-revolucionário de esquerda, uma
vez que ao participar do governo provisório capitalista os mencheviques e os
SRs foram os primeiros a organizar a resistência contrarrevolucionária à
revolução. Todavia, após a tomada do poder, foi-lhes permitido seguir
organizados.
Os
mencheviques chegaram a realizar uma Conferência de cinco dias em Moscou, em
outubro de 1918. Impor-se como partido único nos sovietes não foi um desejo
bolchevique, mas uma imposição da guerra civil, responsável direta pelo fim do
pluripartidarismo soviético.
Antes
de tomar decisões mais drásticas, o governo bolchevique sofreu muitos ataques.
No dia 20 de julho de 1918, o popular orador bolchevique Volodarsky, foi
assassinado por um SR.
Em 17
de agosto do mesmo ano, Moisei Uritsky, que ingressou formalmente no CC
bolchevique junto com Trotsky e foi posteriormente nomeado a dirigente da
recém-fundada polícia política soviética, a Cheka, foi assassinado por um
militar Kadete.
No dia
30 do mesmo mês, era a vez do próprio Lenin ser alvejado com duas balas
disparadas pela SR de esquerda, Fanny Kaplan. Foi a gota d´água que transbordou
para acabar com qualquer vacilação sobre a necessidade de recorrer ao Terror
Vermelho.
Crimes
como estes contra a jovem república soviética selaram o fim de todos os
compromissos e a colaboração dos bolcheviques com os grupos aos quais os bolcheviques
tentaram aliar-se para governar o país.
A
acusação de “ditadura sobre o proletariado” é o argumento mais popular sobre o
caráter não proletário do Estado soviético, referindo-se ao estrangulamento da
liberdade das organizações proletárias e na onipresença da burocracia.
Trotsky
refutou estes argumentos lançados pelos que diante da ascensão da burocracia
stalinista deram à revolução por terminada e passaram a caracterizar a URSS
como “capitalismo de estado”, “coletivismo burocrático” ou algo pior: “é
realmente possível identificar a ditadura de um aparato, que conduziu à
ditadura de uma só pessoa, com a ditadura do proletariado como classe?
(...)
Esse raciocínio atraente não está construído sobre uma análise materialista do
processo, tal como se desenvolve na realidade, e sim, sobre esquemas puramente
idealistas, sobre normas kantianas.
Alguns
nobres ‘amigos’ da revolução formaram uma ideia muito brilhante da ditadura do
proletariado e ficam completamente transtornados com o fato de que a ditadura
real, com a sua herança da barbárie de classe, com as suas contradições
internas, com os erros e crimes da direção, não se parece em nada à bela imagem
que fizeram.
Destruídas
as suas mais formosas ilusões, dão as costas à União Soviética. (...)
Antecipando-se a nossos próximos argumentos, nossos adversários se apressarão a
replicar: mesmo que a burguesia, como minoria exploradora, possa manter sua
hegemonia também através de uma ditadura fascista, o proletariado não pode
construir a sociedade socialista sem administrar seu próprio governo, atraindo
massas populares cada vez mais amplas para cumprir diretamente esta tarefa.
Em seu
caráter geral este argumento é indiscutível, mas, neste caso específico,
significa apenas que a atual ditadura soviética é uma ditadura doente.
As
terríveis dificuldades da construção socialista num país isolado e atrasado,
unidas à falsa política da direção — que, em última instância, também reflete a
pressão do atraso e do isolamento —, levaram a burocracia a expropriar
politicamente o proletariado para proteger suas conquistas sociais com seus
próprios métodos.
As
relações econômicas da sociedade determinam sua anatomia. Enquanto as formas de
propriedade criadas pela Revolução de Outubro não forem liquidadas, o
proletariado continuará sendo a classe dominante” (A natureza de classe do
Estado soviético,
‘A
ditadura sobre o proletariado’, 01 de outubro de 1933).
3)
Partindo das próprias premissas anteriores, o “Terror vermelho” teria
instaurado uma tirania sanguinária desnecessária que reprimiu os próprios
trabalhadores, um exemplo disto foi à repressão aos marinheiros sublevados da
base naval de Kronstad.
No
inverno de 1920-21, o Estado operário estava arruinado depois de sete anos de
guerra imperialista e de guerra civil.
Após a
revolução bolchevique que retirou o país da guerra imperialista, os Exércitos
de 14 países capitalistas invadiram o país para afogar em sangue o nascente
poder soviético, perigoso pelo exemplo que poderia dar aos povos do mundo todo.
Muito
dinheiro e armamento foram despejados na construção de um enorme Exército
branco dirigido por antigos comandantes militares czaristas como Denikin,
Kolchak, Wrangel, etc. que massacraram perversamente comunistas, judeus,
operários e camponeses que não colaborassem com a cruzada restauracionista.
No
verão de 1918, o próprio Kerensky, que não tinha qualquer simpatia com o
Exército Vermelho dos bolcheviques que o haviam apeado do poder declarou aos
jornalistas estrangeiros: “Não existe crime que os brancos do almirante Kolchak
não tenham cometido.
Execuções e torturas foram cometidas na
Sibéria, populações de aldeias inteiras foram massacradas, inclusive
professores e intelectuais” (Dimitri Volkigonov, Lê vrai Lenine, Robert
Laffont, 1995).
Mesmo depois da vitória bolchevique, os brancos
continuaram mobilizados nas fronteias do país destroçado.
O
imperialismo impôs um mortificante bloqueio a URSS. No campo, se multiplicava a
fome, a peste e em algumas aldeias chegou a haver canibalismo.
Os
bolcheviques tiveram que improvisar medidas emergenciais para enfrentar tantas
calamidades, o que chamaram de “comunismo de guerra”, cujo eixo era a
expropriação de víveres dos camponeses para alimentar as cidades e o Exército
Vermelho, criando assim um explosivo ressentimento camponês.
Na Ucrânia, se insurgiu um considerável
exército camponês, organizado em torno do aventureiro anarquista Nestor Macno.
Na
base destes movimentos pequeno-burgueses não eram os princípios abstratos
libertários contra o Estado soviético, mas o desejo de liberar-se dos grandes
capitalistas e latifundiários sem no entanto submeter-se as necessidades da
ditadura do proletariado.
Em
março de 1921, a guarnição da fortaleza da ilha báltica de Kronstadt, porta de
entrada para Petrogrado, se rebelou contra o governo bolchevique.
A rebelião durou duas semanas até que os
bolcheviques reconquistaram sob o custo de muitas baixas a estratégica base
naval.
Este
episódio dramático vem sendo utilizado desde então não apenas pelos
anarquistas, mas por todos os que querem identificar o governo bolchevique como
uma ditadura contra as massas.
A
vanguarda dos marinheiros que havia participado da linha de frente da revolução
bolchevique havia assumido importantes funções tanto no Exército Vermelho
quanto no Estado operário no que foram substituídos por estratos mais atrasados
de camponeses, suscetíveis as pressões de suas famílias contra a requisição de
víveres do “comunismo de guerra”.
Após
solicitar a rendição da base militar e tentar negociar um acordo, os
bolcheviques foram obrigados a tomar à força a ilha que se transformara em
baluarte dos exércitos brancos derrotados.
A
“rebelião” que reivindicava Sovietes livres, ou seja, sem bolcheviques,
imediatamente foi apoiada publicamente pela contrarrevolução no exílio.
De Paris, Miliukov, dirigente dos Kadetes
estampou em seu jornal “Abaixo os bolcheviques! Vivam os sovietes!” (Poslednie
Novosti, 11/03/1921).
Em 10
de janeiro de 1994, o então presidente restauracionista russo Boris Yeltsin,
herdeiro dos interesses do Exército Branco, fez sua homenagem a revolta de
Kronsdat. Ironicamente, dentre os documentos recém-abertos dos arquivos russos
e publicados sob o nome de “Kronshtadtskaia tragediia 1921 goda” (A tragédia de
Kronstadt de 1921, documentos em dois volumes, Enciclopédia política Russa, 1999),
comprovam que a “rebelião” foi de fato uma conspiração branca e imperialista do
princípio ao fim e foi articulada por velhos generais czaristas como A. N.
Kozlovsky.
Mais
ainda foi comprovada a ligação do dirigente da rebelião, o marinheiro Stepan
Petrichenko, com os brancos. Após a derrota dos amotinados Petrichenko foge
para a Finlândia onde se reúne com as tropas brancas do carniceiro general
czarista Manherheim.
4) Como resultado, também dos preconceitos
anteriormente citados, generalizou-se outro criado pelo dirigente oportunista
Kautsky de que o stalinismo foi uma consequência natural do bolchevismo.
Uma
grande farsa para encobrir a própria traição socialdemocrata da revolução na
Europa que tratou de identificar toda medida de força do partido de Lenin
contra o regime democrático-burguês em favor da ditadura proletária como uma
anomalia autoritária. Bolchevismo e Stalinismo não apenas possuem um conteúdo
de classe distinto, mas inclusive na forma estão contrapostos.
O
stalinismo só conseguiu se estabilizar no poder depois de uma sanguinária luta
que foi concluída com o aniquilamento do partido de Lenin.
Segundo
Trotsky, responsável por continuar a batalha de Lenin contra a burocracia
stalinista até seu assassinato por um agente da GPU no México em 1940:
“Evidentemente o stalinismo ‘surgiu’ do bolchevismo, mas não surgiu de uma
maneira lógica, mas sim dialética, não como sua afirmação revolucionária, mas
como sua negação termidoriana” (Bolchevismo e Stalinismo, 29 de agosto de
1937).
A
tragédia do stalinismo vem sendo usada por quase um século pelos ideólogos da
burguesia e da pequena-burguesia para incutir nos lutadores sociais
preconceitos anticomunistas que os impeçam de abstrair os ensinamentos
valiosíssimos, mais necessários para a emancipação dos explorados do que o ar
que respiram, das riquíssimas lições do assalto aos céus legadas pela revolução
bolchevique.
Todavia,
a burocratização stalinista da URSS (ou de qualquer outro estado operário),
qualquer que tenham sido a forma que assumiu em seus ziguezagues à esquerda ou
à direita, desde a coletivização forçada, do chamado “terceiro período”,
passando pelos Processos de Moscou, pelas frentes populares e pela política de
convivência pacífica do pós-guerra, não é mais do que uma expressão política do
refluxo da luta de classes em Estado operário isolado, quando, sob pressão do
imperialismo as camadas dirigentes do aparato estatal, debilitam as forças da
revolução e conduzem objetivamente o país de volta a restauração capitalista.
Desgraçadamente,
as diversas oportunidades em que a classe operária se lançou na luta pelo poder
ao longo do século XX, desde a Alemanha já em 1918-1919, foram derrotadas pelas
traições da social-democracia e posteriormente pelo stalinismo, por faltar ao
proletariado uma direção revolucionária organizada num partido de tipo
leninista.
A
Revolução de Outubro demonstrou que a luta espontânea do proletariado pode
gerar até os embriões de um futuro Estado operário, como as milícias armadas e
sovietes.
Mas a
classe do proletariado só pode exercer o seu poder através do partido
revolucionário de tipo leninista. Essa é a principal lição da Revolução de
Outubro que o proletariado de todo o mundo ainda precisa por em prática.
A não
concretização da revolução mundial isolou o Estado operário nascido da
Revolução de Outubro, possibilitando sua posterior degeneração burocrática sob
a direção do stalinismo.
Mas
apesar das deformações burocráticas da URSS, as condições de vida material e o
progresso social proporcionado pela expropriação da burguesia e a supressão da
exploração capitalista durante mais de sete décadas, são um claro sinal de que
o socialismo é a única alternativa histórica para pôr fim às guerras, ao
desemprego, ao latifúndio, à fome e todas as mazelas geradas ou mantidas pelo capitalismo.
A
etapa histórica de reação política e ideológica aberta a partir da queda do
Muro de Berlim e da destruição contrarrevolucionária da URSS, em 1991,
possibilitou ao imperialismo uma brutal ofensiva sobre as massas exploradas em
todo o mundo.
Seus
porta-vozes proclamaram a vitória definitiva da “economia de mercado” e da
democracia dos ricos e a “morte do comunismo”.
Mas as
crises econômicas, derrotas militares perante a resistência armadas dos povos
oprimidos, como no Líbano, o fiasco da “guerra ao terror” e a crise imobiliária
que teve com epicentro os próprios EUA, puseram um fim à euforia imperialista.
A
expressão simbólica disto foi quando Francis Fukuyama teve que morder a língua.
Fukuyama é um ideólogo do imperialismo que fez fama logo após a restauração do
capitalismo na URSS com a expressão “O fim da história”, proclamando a vitória
irrevogável do capitalismo sobre o comunismo. Menos de uma década depois, em
uma entrevista para The New York Times, Fukuyama confessou que foi convencido
pelos crashies financeiros que ameaçam a arrastar o planeta para uma depressão
global que “poderia estar realmente equivocado nos argumentos que expus no “Fim
da História”.
A
necessidade de derrotar o imperialismo faz da Revolução Bolchevique, mais do
que nunca, uma referência para a luta dos trabalhadores de todos os países.
Portanto,
a tarefa que se coloca para os revolucionários de hoje, é resgatar o legado
político e teórico de Lenin e Trotsky, para potenciar a vitória da revolução
mundial imprimindo uma derrota definitiva ao imperialismo para abrir o caminho
ao futuro socialista da humanidade.
Passados
96 anos do grande triunfo histórico Bolchevique, podemos afirmar que as novas
gerações para vencer devem superar a fraude teórica do revisionismo, que
maculou a bandeira da revolução socialista a empunhando com os “levantes
populares” reacionários, organizados pelo imperialismo contra os estados operários
e os governos nacionalistas burgueses.
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