O ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, disse ontem que o depoimento do policial que em 1964 dirigia o Dops do Rio, contando que o Cabo Anselmo era agente de órgãos de segurança antes do golpe de Estado daquele ano, "derruba a pretensão" do ex-marinheiro de ser anistiado pelo Ministério da Justiça.
"O depoimento dá o fundamento à Comissão de Anistia, porque a decisão seria difícil", disse o ministro. Para ele, sem a palavra do ex-diretor do Dops Cecil Borer (1913-2003), talvez a comissão votasse a favor de Anselmo, "com repulsa política e ética", mas com base "técnica e jurídica" em lei de 2002.
Conhecido como Cabo Anselmo, o ex-marinheiro de primeira classe José Anselmo dos Santos, hoje com 68 anos, foi o mais célebre agente duplo a serviço da ditadura militar (1964-85) entre organizações armadas de oposição.
Suas delações renderam a morte de muitos militantes, em número ignorado, inclusive a de sua companheira, a paraguaia Soledad Viedma.
Até abril de 1964, ele presidiu a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. Uma rebelião dos marujos em março foi pretexto e estopim para a queda do presidente João Goulart em 1º de abril.
Anselmo diz que só "mudou de lado" em 1971. Afirma que de 64 a 71 foi vítima de perseguição política do Estado. Em 2004, ele protocolou na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça o pedido de reintegração à Marinha como suboficial, aposentadoria nesse posto e indenização. A comissão ainda não anunciou data para votar seu processo.
Em 2001, dois anos antes de morrer, Borer concedeu entrevistas --gravadas com sua autorização- ao repórter da Folha, durante apuração para um livro e uma reportagem.
O jornal publicou ontem depoimento em que ele afirma que antes do golpe militar Anselmo já era informante do Cenimar (Centro de Informações da Marinha), do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) carioca e dos "americanos" --da CIA (Agência Central de Inteligência, dos EUA). Borer ingressou na Polícia Especial em 1932, em 1936 participou da caça ao casal de militantes comunistas Olga Benário e Luiz Carlos Prestes, na década de 1960 chegou a diretor do Dops da Guanabara e, nessa função, aposentou-se em 1965.
O ministro Vannuchi não tem direito a voto na Comissão de Anistia, mas suas opiniões são das mais influentes no governo nas discussões sobre o legado do regime militar.
Ele afirma que a reivindicação de Anselmo não procede porque desde o início da ditadura o ex-marinheiro teria sido um agente do Estado.
Diretora do GTNM (Grupo Tortura Nunca Mais) de São Paulo, Rose Nogueira afirmou ontem que "está mais do que claro" que Cabo Anselmo "já era infiltrado antes de 1964".
Para a presidente do GTNM do Rio, Cecília Coimbra, "Cabo Anselmo não passou a colaborar após a prisão. Ele já era infiltrado. Não tem direito a nenhuma anistia".
Outro lado
Luciano Blandy, advogado de José Anselmo dos Santos, contestou as afirmações do ministro Paulo Vannuchi sobre o fundamento jurídico da Comissão de Anistia para negar indenização ao agente duplo da ditadura militar.
"Não entendi onde estão os fundamentos jurídicos que o sr. secretário viu. Pelo contrário, a manifestação dele demonstra claramente o que temos denunciado desde 2006: que a comissão tem reservado a José Anselmo dos Santos uma espécie de 'justiçamento moral'."
Blandy prosseguiu: "Na mesma matéria em que se divulgou o depoimento --tomado há pelo menos oito anos-- de um senhor que não está mais vivo para fornecer detalhes da informação prestada, consta a palavra do almirante Roberto Ferreira Teixeira de Freitas, diretor do Cenimar em 64, que é peremptório ao dizer que Anselmo não era nada mais do que marinheiro na época".
Ontem a Folha publicou também entrevista do almirante, negando --como o ex-marujo-- que Anselmo tivesse sido agente do Cenimar antes do golpe de 1964.
"Diante da divergência, surge a questão: entre dois ex-agentes dos órgãos de informação, qual o "fundamento jurídico" para que o secretário acolha o depoimento de uma pessoa morta há mais de cinco anos, em detrimento de outra viva e lúcida?", indagou Blandy.
Sobre as afirmações de Anselmo na Band, o advogado disse que a militante Heleny Guariba de fato estaria viva. E que após viagem ao Chile seu cliente delatou somente Onofre Pinto --o retorno dos outros citados já seria de conhecimento da polícia política.
Fonte: MÁRIO MAGALHÃES
da Folha de S.Paulo, no Rio
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