Promoção e Fracasso do Movimento Revolucionário na Europa de 1918-1923
A revolução internacional que tanto esperavam os trabalhadores da Rússia e anelantes aguardavam os dirigentes bolcheviques estalou, com efeito, na Alemanha em 1918,(59) na Hungria em Março de 1919,(60) na República de Baviera em Abril de 1919.(61) A ampla vaga revolucionária chegou à Itália quando em Abril de 1920, os obreiros do Norte ocuparam as fábricas. Na Grã-Bretanha os operários estabeleceram a “tríplice aliança”. No Estado Espanhol as simpatias pola Revolução de Outubro medraram tanto no P.S.O.E. [Partido Socialista Obreiro Espanhol] que mesmo Julián Besteiro, dirigente da ala direita do partido, não ocultava as suas simpatias bolcheviques(62) e muito parecido acontecia na anarco-sindicalista CNT [Confederação Nacional do Trabalho].(63) A Holanda viu-se sob a ameaça duma greve geral e poderosas correntes favoráveis à revolução atravessaram a Bulgária, Tchecoslováquia, Finlândia, Polônia, etc.
Contudo esta poderosa onda faliu, entre outras razões, por:
1. - A intervenção de potências imperialistas nos processos revolucionários, tal na Hungria.
2.- A deriva da social-democracia internacional para o campo da contra-revolução onde não hesitou, como na Alemanha, em organizar uma terrível violência por médio dos Corpos Francos de Caçadores Voluntários (Freikorps), directos antecessores do núcleo de bandos nazistas e dos “affreux”(64) que, postos nas mãos do chanceler Gustav Noske, assassinaram e fuzilaram centenárias de trabalhadores, entre eles os máximos dirigentes da revolução: Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.(65)
3. - A burguesia, apavorada, fez importantes concessões ao movimento operário como a jornada de oito horas e o sufrágio universal.
4. - Os mesmos partidos comunistas, jovens demais, cometeram inúmeros erros esquerdistas e direitistas ao carecerem da suficiente maturidade.
O banho de sangue com o que foram esmagadas as revoluções travou durante um tempo o movimento proletário e contemplou a arribada do fascismo ao poder na Itália em 1922. Enquanto na Alemanha, o Partido Comuista pudo reforçar-se. Para 1923 este país estava atravessado por uma nova situação revolucionária: greve geral que derrubou o governo Cuno, inflação galopante, ocupação da bacia do Ruhr polos exércitos francês e belga e constituição de governos de coligação socialistas de esquerdas e comunistas em Saxônia e Turíngia·. Mal aconselhada pola Internacional Comunista, a insurreição falha na organização do levantamento e o grande capital pôde estabilizar a situação reconduzindo ao poder uma coligação burguesa. Terminava assim a crise revolucionária do após-guerra.
As Premissas Objectivas da Subida da Burocracia
As condições que converteram à Rússia Czarista no elo flébil da cadeia imperialista tornaram-se, logo das derrotas do proletariado na Europa, em cláusulas que punham em causa a sua existência.
Foi o encadeamento das derrotas obreiras em países claves da Europa e a Rússia dos Sovietes dilacerada por uma cruel guerra civil que atolou numa desastrosa situação econômica, as que forneceram a aparição da burocratização e onde os ziguezagues que se perceberam foram a resultante do conjunto de forças postas em acção numa política a cada vez mais afastada dos princípios que animaram a revolução.(66)
As circunstâncias tão adversas com as que os dirigentes revolucionários tiveram que acarrear a construção do primeiro estado proletário duradouro só podiam ser solucionadas no terreno internacional da luita de classes mediante duas medidas: trançar o ilhamento que ameaçava com afogar à jovem República com uma estratégia revolucionária a levar pola Internacional Comunista e esclarecer a incógnita entre um mercado capitalista nos campos e a apropriação colectiva dos principais médios de producção nas cidades.
Cumpre sinalar que os processos que deram lugar ao nascimento da burocracia não são devidos a uma traição deliberada dos dirigentes da URSS, nem a uma má vontade, nem a uma luita desaforada polo poder no primeiro Estado operário. Uma análise nessa via seria um corpo estranho ao Marxismo. O filósofo húngaro György Lukács, com a sua formidável inteligência, não tem escapado do sarilho idealista ao ocupar-se do fenômeno estaliniano quando indicou que
“com Estaline não foi de modo nenhum uma questão de erros isolados e casuais, como muitos quiseram crer durante muito tempo. Mais bem, foi uma questão dum sistema errôneo de percepções gradualmente acrescentado”.(67)
Ter-se-ia de primeiras, explicar quais as razões desse sistema “errôneo”, qual a sua articulação com o desenvolvimento histórico-económico soviético e universal e como foi que a urdime de todo o tecido social da União Soviética durante tantos anos aturou tal peso de conceitos falsos (à margem de que mais de doze milhões de vítimas nom constituem um desacerto de jeito algum, mas com segurança, um horrendo crime).(68)
A tese do pensador húngaro explica, melhor do que nada, as escusas com as que justificarem a ditadura burocrática e a sua própria responsabilidade na capitulação defronte ao estalinismo.(69) Segundo, traduz o fenômeno à única personalidade e vontade de Estaline que, como deus ex machina, engendra as idéias errôneas e o sistema que permite a geração dessas percepções erradas.
É arriscado demais e, assim e todo bastante incompatível com o Marxismo, explicar por via psicológica, subjectiva, o “culto da personalidade”(70) e seria de agradecer que os analistas afectos ao psicologismo explicassem os razoamentos polos que tanto sob Estaline como nas épocas após-Estaline os alicerces da degenerescência subsistiram.
A desfiguração burocrática e o fenômeno estalinista estão inseridos, mais bem, nas contradições que toda sociedade em transição tem por obrigação superar em momentos de ilhamento temporal e com um nível de desenvolvimento relativo muito inferior ao alcançado polas grandes potências imperialistas.
Em muitas ocasiões Marx explicara que o feixe de fenômenos visíveis e invisíveis que integram a universalidade conforma um conjunto estruturado por uma lógica interna das contradições no seu conjunto e o movimento destas contradições na sua totalidade. Isto é para a esfera histórica: o funcionamento das sociedades desembrulha-se à margem das escolhas particulares, dos desideratos, filias ou fobias dos indivíduos que compõem essa sociedade:
“Na produção social das suas vidas, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a certo grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a que se ergue uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais e determinadas de consciência”(71) e Engels apontara: “se se querem investigar as forças motrizes que—consciente ou inconscientemente, e com muita freqüência inconscientemente— estão detrás destes móveis polos que atuam os homens na história e que constituem as verdadeiras molas supremas da história, não haveria que se fixarem tantos nos móveis de homens ilhados, por muito relevantes que sejam, como nos que movem a grandes massas, a povos em bloco, e, dentro de cada povo, a classes inteiras.”(72)
Razão que não inutiliza o rol da personalidade nos processos históricos. Para o Marxismo o papel que jogam na marcha duma situação determinada os indivíduos sobressalentes pode ser, e às vezes é, indispensável, toda vez que não só reflectem as causas accidentais embora as causas principais que enlaçam as maneiras de fazer e os ritmos de decursos não visíveis prima facie. Ora, nem tão-pouco essas “grandes personalidades” podem actuar ilhadamente à margem dos grupos, das classes e das tensões sociais, pois os indivíduos são necessàriamente tributários das idéias e da história recebidos e do ambiente que os circunda. Lenine considerou que “as acções das «pessoas viventes» no seio de cada uma dessas formações económico-sociais, acções infinitamente diversas e, ao parecer, não susceptíveis de sistematização, foram vulgarizadas e traduzidas em acções de grupos de indivíduos, que se distinguiam entre eles polo papel que desempenhavam no sistema das relações de producção, polas condições de produção e, por conseqüência, polas condições de vida e polos interesses que essas condições determinavam: numa palavra, foram traduzidas às acções das classes, cuja luita determinava o desenrolo da sociedade”,(73) e outra vez Engels, numha carta a W. Borgius em 25 de Janeiro de 1894: “que fosse Napoleão, precisamente este corso, o ditador militar que exigia a República Francesa, esgotada pola sua própria guerra, foi uma casualidade; mas se não houvesse um Napoleon teria chegado outro a ocupar o seu posto, demonstra-o o facto de que sempre que foi necessário um homem: César, Augusto, Cromwell, etc., este homem apareceu.”(74)
A burguesia russa, presonada polo proletariado e incapaz de se desembaraçar da autocracia, estava encaixada entre a revolução socialista ou a reacção monárquica.(75) Não havia já lugar no mundo para um desenvolvimento capitalista tipo americano, nem alemão, nem francês, nem mesmo logo duma revolução burguesa radical. Uma Rússia capitalista seria mais alô dos seus esforços, uma Rússia atrasada e bárbara. O proletariado, então, estava empurrado para realizar a revolução democrático-burguesa convertendo-a em revolução operária, isto é, os proletários tiveram que fazer simultaneamente duas tarefas: acabar com o regime feudal aliando-se com o campesinado para efetuar com ele e ao seu favor a revolução democrático-burguesa que a burguesia fora incapaz de levar ao cabo e, de caminho, a mesma revolução operária. Só levando até o fim a revolução democrático-burguesa com o apoio da imensa maioria das massas lavradoras, o proletariado poderia garantir a sobrevivência da sua revolução. Ensarilhado neste duplo problema é onde se pode compreender a porfia dos principais dirigentes da Revolução de Outubro, nomeadamente Lenine, na imprescindível ligação com o campesinato, como, com efeito, aconteceu e não deixou de sinalar Trotski na sua obra magna, História da revolução russa.(76) Ora, com a distribuição da terra aos camponeses o proletariado ocasionava o desenvolvimento da propriedade privada, isto é, as relações capitalistas no campo. Rosa Luxemburgo indicá-lo-á com singular firmeza:
“A ordem de ocupação de terras entre os lavradores, lançada polos bolcheviques, tinha que conseguir o resultado contrário. Esta palavra de ordem nom é que seja uma medida socialista, mais bem o seu oposto, e põe dificuldades insuperáveis ante o objecto de transformar as relações agrárias num sentido socialista.”(77)
Bem certo é tudo isto, mas também há que sinalar que daquela a argumentação de Rosa Luxemburgo era unilateral quando via só contradições insolúveis, isto é, apenas impossibilidades, no apanhamento da rede da situação real. As leis da dialéctica mostram neste respeito, que no conhecimento da totalidade concreta é onde tem que engastar-se a compressão geral. Alçar o pensamento do concreto (a acção permanente do pensamento para aproximações do mundo concreto) para o abstracto (o progresso teórico de compreensão) e do abstracto para o concreto com um plano geral claro. Eis a notável solução posta por Lenine.(78) A brilhante revolucionária polaca não soube ver que a táctica leninista não vinha significar um fim, embora o iniludível passo nesse enredo peculiar para levar as massas em direcção ao socialismo.
Por outra banda seria injusto de todo creditar em Lenine o pensamento privativo dos esseristas. A lei sobre a socialização da Terra de 19 de Fevereiro de 1918 certificava a abolição da propriedade e a entrega das terras e dos gados privados para uma agricultura colectivizada:
“A exploração das terras tem por objecto desenvolver as explorações agrícolas colectivas — mais vantajosas desde o ponto de mira da economia do trabalho e dos produtos— em atenção à absorção das explorações individuais, com motivo de assegurar a transição para a economia socialista”(79)
As circunstâncias históricas derivaram para outro carreiro, “já em 1905 Lenine fizera a observação de que o campesinato apoiaria a revolução se lhes proporcionar terra”(80). Os lavradores esperavam desde havia muito tempo poder aceder à propriedade individual e Lenine não podia entortar, sem pôr em grave perigo a revolução, esta reivindicação. “A terra para os labregos — lembrando a este propósito uma reflexão de Lukács— mais que uma medida desejada polos bolcheviques, era um dado de facto, que na Rússia revolucionária os campesinos impuseram os próprios bolcheviques”.(81)É por isso que Lenine escreve:
“Esta ideia não é nossa; não somos do parecer com esta ordem, mas acreditamos que o nosso dever é aplicá-la mesmamente porque é a reivindicação da imensa maioria dos camponeses. Idéias e reivindicações da maioria dos trabalhadores têm que ser abandoadas por eles próprios; não se poderia nem ‘anulá-las’ nem ‘transpor’ por riba delas. Nós, os bolcheviques, ajudaremos os lavradores a abandoar as palavras de ordem burguesas, para passar o antes possível e com a máxima facilidade para as palavras de ordem socialistas.”(82)
No processo histórico da agricultura no império czarista, a modernização da estrutura agrária não se produziu no sentido capitalista. Foi o assédio à fortaleza das rendas do campesinato, por causa das pressões fiscais para cobrir as importações industriais, que coadjuvou o ressurgimento de formas de trabalho dependentes, tal as prestações pessoais, periclitadas já na maior parte dos países capitalistas. De outra, o adiantamento dos pagamentos de redenção polo Estado permitiram uma grande acumulação de terras, mas impediram processos de capitalização e modernização dos campos. Os planos industrializadores do derradeiro decênio do século XIX por parte dos diferentes governos dos czares não fizeram mais que consolidar esta situação lastrando enormemente a produtividade que, por sua vez, obrigava a um incremento da superfície cultivada. À roda de 1913 a agricultura ocupava mais do 80% da força de trabalho entanto o conjunto de bens entregues à economia total não alcançava o 50%. Eis a situação quando da chegada do proletariado ao poder em 1917.
Numa sociedade capitalista desenvolvida a perequação das taxas meias de lucro entre capitais joga contra da agricultura por causa duma mais fraca composição orgânica de capital e favorece a acumulação de capital industrial. Num determinado ponto, que variará nas formações sociais conforme determinados factores históricos de acumulação, a transferência tem de supor que a produção no campo, apto por um nível de desenvolvimento idôneo para gerar alimentos suficientes com os que alimentarem às classes urbanas e mais uma stockagem de reposição para manter o circuito, liberte mão de obra com destino a indústria. Paralelamente, o acréscimo industrial fornecerá de aparelhos para satisfazer os requerimentos lavradores.
A situação na Rússia revolucionária, enfraquecida pola guerra mundial e devastada por uma terrível guerra civil só cumpria, bem que a meias, a condição de alimentar às cidades.(83) A perequação da taxa de lucro jogava a favor da agricultura e a acumulação agrária era superior à da industrial estatelada.
Assentado o poder soviético sobre uma bomba interna só lhe cabia esperar que a revolução, num curto espaço temporal, triunfa-se nalgum dos países capitalistas desenvolvidos impelindo o balanço do peso social em favor dos operários na atrasada Rússia, favorecendo ao passo o desembrulhamento dos processos embaraçados no interior da revolução.
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Notas:
(59) Uma descrição e análise breve, mas muito útil e substancial pode-se obter no ensaio de Juan Ignacio Ramos: De noviembre a enero. La revolución alemana de 1918. (retornar ao texto)
(60) Para um conhecimento com visão de totalidade do processo, vede a brochura do escritor marxista galés Alan Woods: La República Soviética húngara de 1919. (retornar ao texto)
(61) Enrique del Olmo: La Babiera Soviética, em Historia del comunismo, Capítulo 8, págs. 122-123, El Mundo, 1990. (retornar ao texto)
(62) El Socialista, 1-V-1919. (retornar ao texto)
(63) Solidaridad Obrera, 26-XI-1917 e 5-XII-1917. (retornar ao texto)
(64) Os affreux (literalmente os terríveis) eram mercenários ao serviço do capitalismo selvagem e neo-colonialista e ideologicamente fascistas, que surgiram com a descolonização da África negra. As suas mais “relevantes façanhas” aconteceram na guerra do Congo durante a guerra de secessão da Katanga entre 1960 e 1963 que após assassinarem Patrice Emery Lumumba junto os seus companheiros Okito e Mpolo e salvaguardados já os “sacros” interesses imperialistas (não eram alheias ao conflito as multinacionais, Société Générale de Bélgique, Unilever, Forminière e a Union Minière du Haut-Katanga) de controlo e exploração dum país que possuía, entre outras riquezas, o 63% do cobalto mundial e o 75% de diamantes industriais, reintegraram Katanga, Kivu e Kasai ao Congo (hoje Zaire). (retornar ao texto)
(65) No livro de Volkmann, Revolución sobre Alemania, podem-se ler párrafos tão estremecedores como: “O coronel Reinhard ia conquistando sistematicamente, rua por rua. As granadas e as minas jogavam o papel principal e faziam o maior trabalho. As perdas dos revoltosos eram grandes. Também muitos que não eram parte na luita caiam vítimas de aquele turbilhão de fogo. Mil e duzentos homens houveram de se dessangrar até que o ódio e a raiva se aplacaram” (págs. 279-280) e noutro lugar: “O furor dos soldados não tinha limites. Centos de guardas vermelhos foram fuzilados. Também muitos caíram vítimas da sede de vingança. Vinte e nove aprendizes católicos de diversos ofícios, que nada tinham a ver com os comunistas, foram assassinados” (pág. 307). (retornar ao texto)
(66) Um filósofo francês contemporâneo, Merleau-Ponty, escreveu em 1947: “Dizemos que a construção das bases socialistas da economia vão acompanhadas duma repressão da ideologia proletária e que, polas razões que se têm no decurso das cousas — revolução num só país, estancamento revolucionário e podridão da história no resto do mundo — a URSS não é a chegada do grande dia da História do proletariado como Marx o definira”, L´Humanisme et terreur (cita recolhida do ensaio do Professor Eugénio Nkogo Ondo, El aspecto ético y social del existencialismo, pág. 53, Ediciones Leonesas, Leom, 1982). (retornar ao texto)
(67) Carta a Alberte Carocci, in Schriften zur Ideologie und Politik, Luchterhand Verlang, 1 967, pág. 674. (retornar ao texto)
(68) Carlos Taibo sinala que “as estimações situam ao redor dos doze milhões de vítimas mortais provocadas pola repressão estaliniana entre 1936 e 1950” (Los jerarcas soviéticos: de Lenin a Gorbachov, pág. 23). Segundo Víctor Alba (Historia del Estalinismo 1923/1953, pág. 388), foram: “Desde 1927 até 1923 supliciadas 1.861.568 pessoas na URSS. Desde 1 923 até 1 939 executadas, com acção judicial ou sem ela, 1.300.000 pessoas sob o regime de Estaline.” (retornar ao texto)
(69) Não pode estar isento Lukács da obriga de responder face à história pola sua colaboração. Quando Estaline publicou uma carta dirigida à revista Proletárskaia Revolutsia com o título “Sobre algumas questões da história do bolchevismo” (reproduzida nas Obras de Estaline, Vol. XIII, páginas 89-108) onde se soltaram duríssimas críticas contra uma pensadora e militante da importância de Rosa Luxemburgo, artigo ex cátedra que abriu uma enfiada de anátemas, autênticas bulas de excomunhão contra os mais prezados dirigentes do proletariado alemão, o filósofo calou. Quando Ruth Fisher, eleita recém na altura Secretária Geral, qualificou a obra da Rosa Luxemburgo de “sífilis do partido” (W. Abendroth, Ein Leben in der Arbeiterbewegung, Frankurt, 1976, p. 72) e se encilou a um Tälmann para que discursasse atacando duma maneira desproporcionada no pleno do K.P.D. em fevereiro de 1932 Rosa, Liebknecht e Mehring, todos fundadores fieis, militantes provados e teóricos não menores do K.P.D. e do movimento operário universal, Lukács não só não protestou, mas justificou intelectualmente e proporcionou a necessária coerência especulativa na introdução a uma edição Soviética da obra de Franz Mehring, convertendo ao grande revolucionário num cão morto.
Georg Lukács não é qualquer. É ocioso, desnecessário até, sinalar que nos deixou em legado uma obra e vida abundante às vezes de valentia que o situa muito por cima da caterva de burocratas coevos e ulteriores, mas é indispensável também tirar os julgamentos políticos, mostrar as posturas positivas e negativas, sinalar as injustiças, pôr à luz o daninho porque a história, e aí a obra de qualquer autor, expõe o conteúdo do movimento que sinala os desacordos do subjectivo com o objectivo, do teórico com o prático. A crítica revolucionária guarda as suas próprias leis de direitos e obrigações e qualquer pode fazer as críticas como quiser, mas não tem direito nenhum a se designar marxista se conscientemente derrama, estraga e atraiçoa os princípios que o ordenam. É por isso que não se pode escusar que em 1967, morto já Estaline, o filósofo escrevesse no epílogo ao seu folheto Lenine, a coerência do seu pensamento: “Desde que a crítica marxista começou a crítica do período estalinista foi-se despertando também um inegável interesse pola tendência de oposição dos anos vinte. É um fenómeno compreensível ainda que - considerada de maneira objectiva no plano teórico - não deixa de se mostrar exagerado demais. Porque por muito trabucada que fosse a solução que Estaline e os seus seguidores deram à —daquela incipiente— crise da revolução, não havia ninguém naquela altura em condições de proporcionar uma perspectiva rica em conseqüências teóricas e aplicáveis aos problemas de fases ulteriores. Quem hoje se proponha colaborar fructiferamente no renascimento do marxismo tem que considerar os anos vinte com visão histórica, isto é, como um período passado e clausulado do movimento obreiro revolucionário; unicamente poderá assim aproveitar as suas experiências e ensinos para a fase actual, uma fase essencialmente nova” [a negrita é minha]. (Editorial Grijalvo, México D.F., 1970, pág. 131-132) vê-se aqui, feita carne, por outra vez, a norma de que toda filosofia estabelecida, ainda a mais magnífica, descansa sobre as costas da autoridade do Estado que a legitima, sobre o poder reconhecido que necessita o reconhecimento de gratidão.
A revolução internacional que tanto esperavam os trabalhadores da Rússia e anelantes aguardavam os dirigentes bolcheviques estalou, com efeito, na Alemanha em 1918,(59) na Hungria em Março de 1919,(60) na República de Baviera em Abril de 1919.(61) A ampla vaga revolucionária chegou à Itália quando em Abril de 1920, os obreiros do Norte ocuparam as fábricas. Na Grã-Bretanha os operários estabeleceram a “tríplice aliança”. No Estado Espanhol as simpatias pola Revolução de Outubro medraram tanto no P.S.O.E. [Partido Socialista Obreiro Espanhol] que mesmo Julián Besteiro, dirigente da ala direita do partido, não ocultava as suas simpatias bolcheviques(62) e muito parecido acontecia na anarco-sindicalista CNT [Confederação Nacional do Trabalho].(63) A Holanda viu-se sob a ameaça duma greve geral e poderosas correntes favoráveis à revolução atravessaram a Bulgária, Tchecoslováquia, Finlândia, Polônia, etc.
Contudo esta poderosa onda faliu, entre outras razões, por:
1. - A intervenção de potências imperialistas nos processos revolucionários, tal na Hungria.
2.- A deriva da social-democracia internacional para o campo da contra-revolução onde não hesitou, como na Alemanha, em organizar uma terrível violência por médio dos Corpos Francos de Caçadores Voluntários (Freikorps), directos antecessores do núcleo de bandos nazistas e dos “affreux”(64) que, postos nas mãos do chanceler Gustav Noske, assassinaram e fuzilaram centenárias de trabalhadores, entre eles os máximos dirigentes da revolução: Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.(65)
3. - A burguesia, apavorada, fez importantes concessões ao movimento operário como a jornada de oito horas e o sufrágio universal.
4. - Os mesmos partidos comunistas, jovens demais, cometeram inúmeros erros esquerdistas e direitistas ao carecerem da suficiente maturidade.
O banho de sangue com o que foram esmagadas as revoluções travou durante um tempo o movimento proletário e contemplou a arribada do fascismo ao poder na Itália em 1922. Enquanto na Alemanha, o Partido Comuista pudo reforçar-se. Para 1923 este país estava atravessado por uma nova situação revolucionária: greve geral que derrubou o governo Cuno, inflação galopante, ocupação da bacia do Ruhr polos exércitos francês e belga e constituição de governos de coligação socialistas de esquerdas e comunistas em Saxônia e Turíngia·. Mal aconselhada pola Internacional Comunista, a insurreição falha na organização do levantamento e o grande capital pôde estabilizar a situação reconduzindo ao poder uma coligação burguesa. Terminava assim a crise revolucionária do após-guerra.
As Premissas Objectivas da Subida da Burocracia
As condições que converteram à Rússia Czarista no elo flébil da cadeia imperialista tornaram-se, logo das derrotas do proletariado na Europa, em cláusulas que punham em causa a sua existência.
Foi o encadeamento das derrotas obreiras em países claves da Europa e a Rússia dos Sovietes dilacerada por uma cruel guerra civil que atolou numa desastrosa situação econômica, as que forneceram a aparição da burocratização e onde os ziguezagues que se perceberam foram a resultante do conjunto de forças postas em acção numa política a cada vez mais afastada dos princípios que animaram a revolução.(66)
As circunstâncias tão adversas com as que os dirigentes revolucionários tiveram que acarrear a construção do primeiro estado proletário duradouro só podiam ser solucionadas no terreno internacional da luita de classes mediante duas medidas: trançar o ilhamento que ameaçava com afogar à jovem República com uma estratégia revolucionária a levar pola Internacional Comunista e esclarecer a incógnita entre um mercado capitalista nos campos e a apropriação colectiva dos principais médios de producção nas cidades.
Cumpre sinalar que os processos que deram lugar ao nascimento da burocracia não são devidos a uma traição deliberada dos dirigentes da URSS, nem a uma má vontade, nem a uma luita desaforada polo poder no primeiro Estado operário. Uma análise nessa via seria um corpo estranho ao Marxismo. O filósofo húngaro György Lukács, com a sua formidável inteligência, não tem escapado do sarilho idealista ao ocupar-se do fenômeno estaliniano quando indicou que
“com Estaline não foi de modo nenhum uma questão de erros isolados e casuais, como muitos quiseram crer durante muito tempo. Mais bem, foi uma questão dum sistema errôneo de percepções gradualmente acrescentado”.(67)
Ter-se-ia de primeiras, explicar quais as razões desse sistema “errôneo”, qual a sua articulação com o desenvolvimento histórico-económico soviético e universal e como foi que a urdime de todo o tecido social da União Soviética durante tantos anos aturou tal peso de conceitos falsos (à margem de que mais de doze milhões de vítimas nom constituem um desacerto de jeito algum, mas com segurança, um horrendo crime).(68)
A tese do pensador húngaro explica, melhor do que nada, as escusas com as que justificarem a ditadura burocrática e a sua própria responsabilidade na capitulação defronte ao estalinismo.(69) Segundo, traduz o fenômeno à única personalidade e vontade de Estaline que, como deus ex machina, engendra as idéias errôneas e o sistema que permite a geração dessas percepções erradas.
É arriscado demais e, assim e todo bastante incompatível com o Marxismo, explicar por via psicológica, subjectiva, o “culto da personalidade”(70) e seria de agradecer que os analistas afectos ao psicologismo explicassem os razoamentos polos que tanto sob Estaline como nas épocas após-Estaline os alicerces da degenerescência subsistiram.
A desfiguração burocrática e o fenômeno estalinista estão inseridos, mais bem, nas contradições que toda sociedade em transição tem por obrigação superar em momentos de ilhamento temporal e com um nível de desenvolvimento relativo muito inferior ao alcançado polas grandes potências imperialistas.
Em muitas ocasiões Marx explicara que o feixe de fenômenos visíveis e invisíveis que integram a universalidade conforma um conjunto estruturado por uma lógica interna das contradições no seu conjunto e o movimento destas contradições na sua totalidade. Isto é para a esfera histórica: o funcionamento das sociedades desembrulha-se à margem das escolhas particulares, dos desideratos, filias ou fobias dos indivíduos que compõem essa sociedade:
“Na produção social das suas vidas, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a certo grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a que se ergue uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais e determinadas de consciência”(71) e Engels apontara: “se se querem investigar as forças motrizes que—consciente ou inconscientemente, e com muita freqüência inconscientemente— estão detrás destes móveis polos que atuam os homens na história e que constituem as verdadeiras molas supremas da história, não haveria que se fixarem tantos nos móveis de homens ilhados, por muito relevantes que sejam, como nos que movem a grandes massas, a povos em bloco, e, dentro de cada povo, a classes inteiras.”(72)
Razão que não inutiliza o rol da personalidade nos processos históricos. Para o Marxismo o papel que jogam na marcha duma situação determinada os indivíduos sobressalentes pode ser, e às vezes é, indispensável, toda vez que não só reflectem as causas accidentais embora as causas principais que enlaçam as maneiras de fazer e os ritmos de decursos não visíveis prima facie. Ora, nem tão-pouco essas “grandes personalidades” podem actuar ilhadamente à margem dos grupos, das classes e das tensões sociais, pois os indivíduos são necessàriamente tributários das idéias e da história recebidos e do ambiente que os circunda. Lenine considerou que “as acções das «pessoas viventes» no seio de cada uma dessas formações económico-sociais, acções infinitamente diversas e, ao parecer, não susceptíveis de sistematização, foram vulgarizadas e traduzidas em acções de grupos de indivíduos, que se distinguiam entre eles polo papel que desempenhavam no sistema das relações de producção, polas condições de produção e, por conseqüência, polas condições de vida e polos interesses que essas condições determinavam: numa palavra, foram traduzidas às acções das classes, cuja luita determinava o desenrolo da sociedade”,(73) e outra vez Engels, numha carta a W. Borgius em 25 de Janeiro de 1894: “que fosse Napoleão, precisamente este corso, o ditador militar que exigia a República Francesa, esgotada pola sua própria guerra, foi uma casualidade; mas se não houvesse um Napoleon teria chegado outro a ocupar o seu posto, demonstra-o o facto de que sempre que foi necessário um homem: César, Augusto, Cromwell, etc., este homem apareceu.”(74)
A burguesia russa, presonada polo proletariado e incapaz de se desembaraçar da autocracia, estava encaixada entre a revolução socialista ou a reacção monárquica.(75) Não havia já lugar no mundo para um desenvolvimento capitalista tipo americano, nem alemão, nem francês, nem mesmo logo duma revolução burguesa radical. Uma Rússia capitalista seria mais alô dos seus esforços, uma Rússia atrasada e bárbara. O proletariado, então, estava empurrado para realizar a revolução democrático-burguesa convertendo-a em revolução operária, isto é, os proletários tiveram que fazer simultaneamente duas tarefas: acabar com o regime feudal aliando-se com o campesinado para efetuar com ele e ao seu favor a revolução democrático-burguesa que a burguesia fora incapaz de levar ao cabo e, de caminho, a mesma revolução operária. Só levando até o fim a revolução democrático-burguesa com o apoio da imensa maioria das massas lavradoras, o proletariado poderia garantir a sobrevivência da sua revolução. Ensarilhado neste duplo problema é onde se pode compreender a porfia dos principais dirigentes da Revolução de Outubro, nomeadamente Lenine, na imprescindível ligação com o campesinato, como, com efeito, aconteceu e não deixou de sinalar Trotski na sua obra magna, História da revolução russa.(76) Ora, com a distribuição da terra aos camponeses o proletariado ocasionava o desenvolvimento da propriedade privada, isto é, as relações capitalistas no campo. Rosa Luxemburgo indicá-lo-á com singular firmeza:
“A ordem de ocupação de terras entre os lavradores, lançada polos bolcheviques, tinha que conseguir o resultado contrário. Esta palavra de ordem nom é que seja uma medida socialista, mais bem o seu oposto, e põe dificuldades insuperáveis ante o objecto de transformar as relações agrárias num sentido socialista.”(77)
Bem certo é tudo isto, mas também há que sinalar que daquela a argumentação de Rosa Luxemburgo era unilateral quando via só contradições insolúveis, isto é, apenas impossibilidades, no apanhamento da rede da situação real. As leis da dialéctica mostram neste respeito, que no conhecimento da totalidade concreta é onde tem que engastar-se a compressão geral. Alçar o pensamento do concreto (a acção permanente do pensamento para aproximações do mundo concreto) para o abstracto (o progresso teórico de compreensão) e do abstracto para o concreto com um plano geral claro. Eis a notável solução posta por Lenine.(78) A brilhante revolucionária polaca não soube ver que a táctica leninista não vinha significar um fim, embora o iniludível passo nesse enredo peculiar para levar as massas em direcção ao socialismo.
Por outra banda seria injusto de todo creditar em Lenine o pensamento privativo dos esseristas. A lei sobre a socialização da Terra de 19 de Fevereiro de 1918 certificava a abolição da propriedade e a entrega das terras e dos gados privados para uma agricultura colectivizada:
“A exploração das terras tem por objecto desenvolver as explorações agrícolas colectivas — mais vantajosas desde o ponto de mira da economia do trabalho e dos produtos— em atenção à absorção das explorações individuais, com motivo de assegurar a transição para a economia socialista”(79)
As circunstâncias históricas derivaram para outro carreiro, “já em 1905 Lenine fizera a observação de que o campesinato apoiaria a revolução se lhes proporcionar terra”(80). Os lavradores esperavam desde havia muito tempo poder aceder à propriedade individual e Lenine não podia entortar, sem pôr em grave perigo a revolução, esta reivindicação. “A terra para os labregos — lembrando a este propósito uma reflexão de Lukács— mais que uma medida desejada polos bolcheviques, era um dado de facto, que na Rússia revolucionária os campesinos impuseram os próprios bolcheviques”.(81)É por isso que Lenine escreve:
“Esta ideia não é nossa; não somos do parecer com esta ordem, mas acreditamos que o nosso dever é aplicá-la mesmamente porque é a reivindicação da imensa maioria dos camponeses. Idéias e reivindicações da maioria dos trabalhadores têm que ser abandoadas por eles próprios; não se poderia nem ‘anulá-las’ nem ‘transpor’ por riba delas. Nós, os bolcheviques, ajudaremos os lavradores a abandoar as palavras de ordem burguesas, para passar o antes possível e com a máxima facilidade para as palavras de ordem socialistas.”(82)
No processo histórico da agricultura no império czarista, a modernização da estrutura agrária não se produziu no sentido capitalista. Foi o assédio à fortaleza das rendas do campesinato, por causa das pressões fiscais para cobrir as importações industriais, que coadjuvou o ressurgimento de formas de trabalho dependentes, tal as prestações pessoais, periclitadas já na maior parte dos países capitalistas. De outra, o adiantamento dos pagamentos de redenção polo Estado permitiram uma grande acumulação de terras, mas impediram processos de capitalização e modernização dos campos. Os planos industrializadores do derradeiro decênio do século XIX por parte dos diferentes governos dos czares não fizeram mais que consolidar esta situação lastrando enormemente a produtividade que, por sua vez, obrigava a um incremento da superfície cultivada. À roda de 1913 a agricultura ocupava mais do 80% da força de trabalho entanto o conjunto de bens entregues à economia total não alcançava o 50%. Eis a situação quando da chegada do proletariado ao poder em 1917.
Numa sociedade capitalista desenvolvida a perequação das taxas meias de lucro entre capitais joga contra da agricultura por causa duma mais fraca composição orgânica de capital e favorece a acumulação de capital industrial. Num determinado ponto, que variará nas formações sociais conforme determinados factores históricos de acumulação, a transferência tem de supor que a produção no campo, apto por um nível de desenvolvimento idôneo para gerar alimentos suficientes com os que alimentarem às classes urbanas e mais uma stockagem de reposição para manter o circuito, liberte mão de obra com destino a indústria. Paralelamente, o acréscimo industrial fornecerá de aparelhos para satisfazer os requerimentos lavradores.
A situação na Rússia revolucionária, enfraquecida pola guerra mundial e devastada por uma terrível guerra civil só cumpria, bem que a meias, a condição de alimentar às cidades.(83) A perequação da taxa de lucro jogava a favor da agricultura e a acumulação agrária era superior à da industrial estatelada.
Assentado o poder soviético sobre uma bomba interna só lhe cabia esperar que a revolução, num curto espaço temporal, triunfa-se nalgum dos países capitalistas desenvolvidos impelindo o balanço do peso social em favor dos operários na atrasada Rússia, favorecendo ao passo o desembrulhamento dos processos embaraçados no interior da revolução.
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Notas:
(59) Uma descrição e análise breve, mas muito útil e substancial pode-se obter no ensaio de Juan Ignacio Ramos: De noviembre a enero. La revolución alemana de 1918. (retornar ao texto)
(60) Para um conhecimento com visão de totalidade do processo, vede a brochura do escritor marxista galés Alan Woods: La República Soviética húngara de 1919. (retornar ao texto)
(61) Enrique del Olmo: La Babiera Soviética, em Historia del comunismo, Capítulo 8, págs. 122-123, El Mundo, 1990. (retornar ao texto)
(62) El Socialista, 1-V-1919. (retornar ao texto)
(63) Solidaridad Obrera, 26-XI-1917 e 5-XII-1917. (retornar ao texto)
(64) Os affreux (literalmente os terríveis) eram mercenários ao serviço do capitalismo selvagem e neo-colonialista e ideologicamente fascistas, que surgiram com a descolonização da África negra. As suas mais “relevantes façanhas” aconteceram na guerra do Congo durante a guerra de secessão da Katanga entre 1960 e 1963 que após assassinarem Patrice Emery Lumumba junto os seus companheiros Okito e Mpolo e salvaguardados já os “sacros” interesses imperialistas (não eram alheias ao conflito as multinacionais, Société Générale de Bélgique, Unilever, Forminière e a Union Minière du Haut-Katanga) de controlo e exploração dum país que possuía, entre outras riquezas, o 63% do cobalto mundial e o 75% de diamantes industriais, reintegraram Katanga, Kivu e Kasai ao Congo (hoje Zaire). (retornar ao texto)
(65) No livro de Volkmann, Revolución sobre Alemania, podem-se ler párrafos tão estremecedores como: “O coronel Reinhard ia conquistando sistematicamente, rua por rua. As granadas e as minas jogavam o papel principal e faziam o maior trabalho. As perdas dos revoltosos eram grandes. Também muitos que não eram parte na luita caiam vítimas de aquele turbilhão de fogo. Mil e duzentos homens houveram de se dessangrar até que o ódio e a raiva se aplacaram” (págs. 279-280) e noutro lugar: “O furor dos soldados não tinha limites. Centos de guardas vermelhos foram fuzilados. Também muitos caíram vítimas da sede de vingança. Vinte e nove aprendizes católicos de diversos ofícios, que nada tinham a ver com os comunistas, foram assassinados” (pág. 307). (retornar ao texto)
(66) Um filósofo francês contemporâneo, Merleau-Ponty, escreveu em 1947: “Dizemos que a construção das bases socialistas da economia vão acompanhadas duma repressão da ideologia proletária e que, polas razões que se têm no decurso das cousas — revolução num só país, estancamento revolucionário e podridão da história no resto do mundo — a URSS não é a chegada do grande dia da História do proletariado como Marx o definira”, L´Humanisme et terreur (cita recolhida do ensaio do Professor Eugénio Nkogo Ondo, El aspecto ético y social del existencialismo, pág. 53, Ediciones Leonesas, Leom, 1982). (retornar ao texto)
(67) Carta a Alberte Carocci, in Schriften zur Ideologie und Politik, Luchterhand Verlang, 1 967, pág. 674. (retornar ao texto)
(68) Carlos Taibo sinala que “as estimações situam ao redor dos doze milhões de vítimas mortais provocadas pola repressão estaliniana entre 1936 e 1950” (Los jerarcas soviéticos: de Lenin a Gorbachov, pág. 23). Segundo Víctor Alba (Historia del Estalinismo 1923/1953, pág. 388), foram: “Desde 1927 até 1923 supliciadas 1.861.568 pessoas na URSS. Desde 1 923 até 1 939 executadas, com acção judicial ou sem ela, 1.300.000 pessoas sob o regime de Estaline.” (retornar ao texto)
(69) Não pode estar isento Lukács da obriga de responder face à história pola sua colaboração. Quando Estaline publicou uma carta dirigida à revista Proletárskaia Revolutsia com o título “Sobre algumas questões da história do bolchevismo” (reproduzida nas Obras de Estaline, Vol. XIII, páginas 89-108) onde se soltaram duríssimas críticas contra uma pensadora e militante da importância de Rosa Luxemburgo, artigo ex cátedra que abriu uma enfiada de anátemas, autênticas bulas de excomunhão contra os mais prezados dirigentes do proletariado alemão, o filósofo calou. Quando Ruth Fisher, eleita recém na altura Secretária Geral, qualificou a obra da Rosa Luxemburgo de “sífilis do partido” (W. Abendroth, Ein Leben in der Arbeiterbewegung, Frankurt, 1976, p. 72) e se encilou a um Tälmann para que discursasse atacando duma maneira desproporcionada no pleno do K.P.D. em fevereiro de 1932 Rosa, Liebknecht e Mehring, todos fundadores fieis, militantes provados e teóricos não menores do K.P.D. e do movimento operário universal, Lukács não só não protestou, mas justificou intelectualmente e proporcionou a necessária coerência especulativa na introdução a uma edição Soviética da obra de Franz Mehring, convertendo ao grande revolucionário num cão morto.
Georg Lukács não é qualquer. É ocioso, desnecessário até, sinalar que nos deixou em legado uma obra e vida abundante às vezes de valentia que o situa muito por cima da caterva de burocratas coevos e ulteriores, mas é indispensável também tirar os julgamentos políticos, mostrar as posturas positivas e negativas, sinalar as injustiças, pôr à luz o daninho porque a história, e aí a obra de qualquer autor, expõe o conteúdo do movimento que sinala os desacordos do subjectivo com o objectivo, do teórico com o prático. A crítica revolucionária guarda as suas próprias leis de direitos e obrigações e qualquer pode fazer as críticas como quiser, mas não tem direito nenhum a se designar marxista se conscientemente derrama, estraga e atraiçoa os princípios que o ordenam. É por isso que não se pode escusar que em 1967, morto já Estaline, o filósofo escrevesse no epílogo ao seu folheto Lenine, a coerência do seu pensamento: “Desde que a crítica marxista começou a crítica do período estalinista foi-se despertando também um inegável interesse pola tendência de oposição dos anos vinte. É um fenómeno compreensível ainda que - considerada de maneira objectiva no plano teórico - não deixa de se mostrar exagerado demais. Porque por muito trabucada que fosse a solução que Estaline e os seus seguidores deram à —daquela incipiente— crise da revolução, não havia ninguém naquela altura em condições de proporcionar uma perspectiva rica em conseqüências teóricas e aplicáveis aos problemas de fases ulteriores. Quem hoje se proponha colaborar fructiferamente no renascimento do marxismo tem que considerar os anos vinte com visão histórica, isto é, como um período passado e clausulado do movimento obreiro revolucionário; unicamente poderá assim aproveitar as suas experiências e ensinos para a fase actual, uma fase essencialmente nova” [a negrita é minha]. (Editorial Grijalvo, México D.F., 1970, pág. 131-132) vê-se aqui, feita carne, por outra vez, a norma de que toda filosofia estabelecida, ainda a mais magnífica, descansa sobre as costas da autoridade do Estado que a legitima, sobre o poder reconhecido que necessita o reconhecimento de gratidão.
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